quarta-feira, abril 30, 2008

Amigo animal

Outro dia vi uma cena que me deixou realmente aborrecido. Da sacada de um sobrado de classe média um grupo de adolescentes desocupados fazia pontaria na rolinha, pousada em uma árvore em frente à casa. De repente, ouvi um estampido seco vindo da espingarda de pressão e alguns risos de triunfo. No instante seguinte, o pobre animal indefeso estava no chão, debatendo-se inutilmente contra a morte. Creio ter lançado um olhar gélido e involuntário aos rapazes, pois eles se esconderam dentro da casa, até que eu entrasse em minha residência. A “política da boa vizinhança” me impediu de ir até eles e dizer algumas coisas.

Depois comentei com a Débora, minha esposa, enquanto acariciava nossa cadelinha Laila, contente por ver-me chegar do trabalho: “Como o ser humano se tornou insensível.” Enquanto conversávamos sobre o triste ocorrido, outra cena me veio à mente. Lembrei-me de quando fui visitar uma pessoa considerada um bom cristão, bastante missionário. Ao chegar à casa dele, fui convidado a entrar, mas havia um cachorro distraído obstruindo o acesso. Sem pensar duas vezes, o homem desferiu um pontapé no bicho, expulsando-o do jardim. Engoli em seco e prossegui em minha visita.

O que ocorre conosco? Mesmo pessoas que se dizem religiosas comportam-se, por vezes, de maneira mais selvagem que certos animais. Talvez você esteja pensando: “Por que se preocupar tanto com os bichos, quando há crianças morrendo de fome, sofrendo abusos, e seres humanos sendo brutalmente assassinados a cada dia?” Concordo que deva haver uma hierarquia de preocupações, mas peço-lhe liberdade para usar uma declaração de Jesus, fora de seu contexto (quando Ele conversava com os fariseus a respeito do dízimo, da justiça e do amor de Deus – cf. Luc. 11:42): “Devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas.”

** NOSSOS AMIGOS, OS ANIMAIS

Pesquisas recentes indicam que certos animais, como os golfinhos e os chimpanzés, são capazes de se reconhecer no espelho (Istoé, 9/05/2001), o que é um indicativo da consciência animal. As baleias também surpreendem. Houve o caso de uma mergulhadora norte-americana que nadava próximo a um grupo desses grandes cetáceos. Uma das baleias se assustou e agarrou a mulher pela perna, levando-a para o fundo do oceano. De repente, de maneira inexplicável, como se tivesse percebido o apavoramento da mergulhadora, a baleia voltou rapidamente para a superfície, deixando a mulher sã e salva.

Aqueles que têm animais de estimação como cães, por exemplo, volta e meia são surpreendidos com a inteligência e o carinho manifestados por esses animais. A respeito disso Ellen White escreveu: “A inteligência apresentada por muitos mudos animais chega tão perto da inteligência humana, que é um mistério. Os animais vêem e ouvem, amam, temem e sofrem. ... Manifestam simpatia e ternura para com seus companheiros de sofrimento. Muitos animais mostram pelos que deles cuidam uma afeição muito superior à que é manifestada por alguns membros da raça humana. Criam para com o homem apegos que se não rompem senão à custa de grandes sofrimentos de sua parte.” – A Ciência do Bom Viver, págs. 315 e 316.

Não é por acaso que o ser humano foi encarregado, logo nos primeiros momentos da história deste mundo, de cuidar dos animais. Era essa nossa missão, e não persegui-los e utilizá-los como alimento. Muito menos divertir-nos às custas do sofrimento dessas criaturas com quem dividimos o globo.

Com o pecado, houve separação em todos os níveis de relacionamento: entre o ser humano e Deus, entre o homem e a mulher, e entre os seres humanos e os animais. Os bichos, que antes tinham prazer em estar perto das pessoas, agora fugiam amedrontados daquele que aos poucos tornava-se seu principal predador – o homem. Que tristeza!

O convite do evangelho é para permitirmos que Deus nos transforme, a fim de que sejamos uma vez mais Sua imagem e semelhança. Essa transformação se evidencia, também, pela manifestação do fruto do Espírito, em cujos “gomos” encontramos a bondade. E a bondade dos filhos de Deus deve se manifestar no trato com todas as criaturas.

** O CUIDADO DE DEUS

A Bíblia fala do cuidado protetor de Deus pelos animais (Sal. 104:21; Deut. 22:6 e 7; Mat. 6:26). Se devemos buscar a santidade e permitir que a imagem e semelhança de Deus novamente se reproduzam em nós, devemos imitá-Lo também nesse aspecto. Ellen White comenta: “Os animais domésticos conhecem aquele que os alimenta diariamente. Até os seres irracionais sabem onde encontrar seu alimento, e por isso sentem certo carinho pela pessoa que os sustenta.” – Comentário Bíblico Adventista, vol. 4, pág. 137 (edição em espanhol). Aqueles que reconhecem sua dependência de Deus e fragilidade devem entender um pouco a afeição demonstrada pelos animais e seu desejo de proteção e afeição.

A Escritora e educadora Ellen White dispensava um carinho todo especial, não apenas a seu cãozinho de estimação, como a todos os demais animais com que tinha contato. No livro Histórias de Minha Avó, pág. 17 (Casa), a neta de Ellen, Ella M. Robinson, narra o seguinte: “Independentemente de onde morássemos, se houvesse algum animal doméstico por perto, vovó fazia amizade com ele. Assim que os pés dela tocavam o chão do potreiro, o pônei relinchava as boas-vindas e estendia o pescoço para o afago que ele já sabia que receberia. Vovó não suportava ver os animais sendo maltratados porque, dizia ela, ‘eles não podem contar-nos os seus sofrimentos’.”

Noutra ocasião, Ellen escreveu a seus filhos Edson e Willie: “Uma pessoa não pode ser cristã e permitir que seu mau gênio se acenda diante de qualquer pequeno acidente ou aborrecimento que se lhe depare, pois revela que nela está Satanás em lugar de Jesus Cristo. O colérico espancar de animais ou a tendência de se mostrar como dominador, é freqüentemente exibido nas ruas com animais criados por Deus. Desabafam sua ira ou impaciência sobre objetos indefesos, que mostram serem superiores aos seus donos. Tudo suportam sem represália. Filhos, sejam bondosos com os animais, que não podem falar. Jamais lhes causem desnecessariamente dores. Eduquem-se a si mesmos em hábitos de bondade. Então ela se tornará habitual. Vou mandar para vocês um recorte de jornal, e decidam por vocês mesmos se alguns animais irracionais não são superiores a alguns homens que se permitiram embrutecer-se pelo cruel procedimento com os animais.” – Life Sketches, pág. 26, citado em Perguntas que Eu Faria à Irmã White, pág. 57.

Esse assunto é tão importante que Ellen White recomenda até observar o relacionamento do futuro cônjuge com os animais, a fim de se ter uma idéia de sua sensibilidade e humanidade.

** NA NOVA TERRA

Certa vez, quando ainda lecionava História em Florianópolis, perguntei a uma aluna da pré-escola o que ela mais gostaria de fazer quando chegasse à Nova Terra, e ela me disse: “Escorregar no pescoço da girafa e acariciar a juba do leão.”

Gosto de pensar na harmonia e boa convivência que existirão na Nova Terra. Lá ninguém mais olhará um bezerrinho ou uma ovelhinha como um “suculento churrasco”. A cadeia alimentar na qual existem presas e predadores não mais existirá, pois o “lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos... a vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha como o boi ... não se fará mal nem dano algum em todo o Meu santo monte, diz o Senhor” (Isa. 11:6 e 65:25).

Você consegue imaginar esta cena? É bom ir se habituando a ela, pois será assim em nosso novo lar.

Michelson Borges