quinta-feira, maio 01, 2008

Criacionismo no Fantástico

No último domingo, dia 20, o programa Fantástico, da Rede Globo, exibiu matéria sobre a discussão em torno da inclusão ou não do ensino do criacionismo nas escolas. A pauta é válida, uma vez que esse tema vem ganhando destaque mesmo aqui, no Brasil. Mas a maneira tendenciosa como foi abordado o assunto é um bom exemplo de mau jornalismo. Isso para não mencionar a cara de insatisfação do apresentador Bial, após o resultado da pesquisa feita pelo programa. Perguntaram aos telespectadores se concordam com o ensino do criacionismo ao lado do evolucionismo nas escolas. 63 por cento disseram que sim. E o Bial torceu o nariz. Por quê? Porque considera o criacionismo anti-científico? Curioso é notar que o mesmo apresentador não torce o nariz quando anuncia matérias sobre astrologia, hipnose, meditação transcendental e outros temas nada científicos. O problema parece mesmo ser com a Bíblia...

Talvez o caminho não seja mesmo impor o ensino do criacionismo a força de lei e nem deva ele ser ensinado em aulas de biologia ou ciências. Não sei... Mas por que será que, mesmo quando a idéia é ensiná-lo em aulas de religião, como proposto pela governadora do Rio de Janeiro, a polêmica se instaura? Não dizem os oponentes do criacionismo que evolucionismo é ciência e criacionismo, religião? Por que privar as crianças de conhecerem idéias e modelos alternativos para a questão das origens?

A controvérsia entre o criacionismo e o evolucionismo ainda é relativamente nova na mídia popular brasileira, mas está chegando carregada de preconceito, infelizmente. Pessoas que nunca leram uma publicação criacionista com base científica, já consideram o criacionismo como coisa de "fundamentalistas". Estão blindando o evolucionismo contra questionamentos; e parece que a melhor forma de fazer isso é desqualificando o oponente. Essa tática é antiga e desleal.

Abaixo segue a matéria publicada no site do Fantástico (http://fantastico.globo.com/Jornalismo/Fantastico/0,,AA1075439-4005,00.html):

De um lado, a ciência. De outro, a religião. Nos Estados Unidos, o ensino sobre a origem da vida foi parar nos tribunais.

A imensidão desta paisagem, para alguns, é prova da existência de Deus. Para outros, um exemplo do processo de evolução da Terra.

Em Dover, na Pensilvânia, o aluno de 18 anos diz: “Todos nós viemos de Deus. Os jovens não deviam aprender que o homem veio do macaco.” A estudante de 14 anos discorda: “Nós não temos que aprender religião na sala de aula. Especialmente nas classes de biologia.”

A discussão que começou na escola terminou nos tribunais e chamou a atenção do país inteiro. Onze casais que têm filhos no colégio processaram o Conselho de Educação de Dover porque, agora, os professores de biologia são obrigados a dizer que a evolução natural, de Charles Darwin, não é a única teoria a respeito da origem da vida. Eles têm que mencionar, também, o criacionismo.

Os criacionistas dizem que os animais se tornaram cada vez mais complexos porque algum desenhista muito inteligente fez mudanças em várias fases da evolução. O pastor Warren Eschbach diz: “Naturalmente, os alunos vão querer saber quem foi esse desenhista. E o nome de Deus vai surgir.”

O caso foi julgado e o juiz vai dar o veredicto no mês que vem. E o presidente George Bush diz que a tese deve ser apresentada nas escolas, ao lado da teoria da evolução natural. O Museu de História Natural de Nova Iorque entrou no debate.

A opinião dos americanos sempre esteve dividida. Metade acredita no criacionismo e a outra metade, na teoria da evolução natural. Em um momento de tanto debate no país, uma exposição no museu defende, com veemência, as teorias de Charles Darwin.
A mostra conta como Darwin chegou às conclusões que revolucionaram a ciência.

Desde criança, ele era fascinado pela natureza. Na América do Sul, viu diferentes tipos de plantas e animais. Tartarugas, com este casco, podiam levantar o pescoço. Se alimentavam de plantas mais altas. Mas, nas ilhas de vegetação rasteira, elas tinham cascos em forma de cúpula e comiam de cabeça baixa.

Darwin notou diferenças e muitas semelhanças em vários grupos de animais. Foram cinco anos de expedição e outros 20 para escrever o livro A Origem das Espécies, no qual explicou que os animais mais bem adaptados ao meio ambiente sobrevivem e passam suas características às gerações seguintes.

O museu mostra, lado a lado, os esqueletos de vários mamíferos. Embriões de morcego, rato e cavalo. Quase idênticos, a não ser no tamanho. Provas de que os animais têm ancestrais comuns.

Ellen Futter, diretora do museu, diz que a discussão sobre o ensino do criacionismo revela o baixo nível do conhecimento e da educação científica nos Estados Unidos. Na competição mundial de conhecimento sobre matemática e ciência, os alunos da maior potência mundial ficaram em 17º lugar.

Os Estados Unidos, que chegaram primeiro à Lua e inventaram o computador, agora estão contestando, nas escolas, a teoria que explica a origem e a evolução da vida na Terra. Esta semana, os criacionistas de Dover perderam nas urnas. Os oito republicanos que defendiam a teoria perderam a eleição para o Conselho de Educação. Oito democratas foram eleitos para o lugar deles.

O reverendo Pat Robertson ameaçou os moradores da cidade depois da eleição: “Se houver um desastre na região de vocês, não peçam ajuda a Deus, pois vocês acabaram de rejeitá-Lo.”

Mas o pastor Eschbach não vê conflito entre religião e ciência. Diz que a criação do mundo em sete dias e do homem a partir de Adão e Eva são simbolismos bíblicos, que não foram escritos para serem levados ao pé-da-letra. “A Bíblia não foi escrita para se tornar o livro científico do século 21”, diz.

(Fim da matéria.)

O texto diz que “Darwin notou diferenças e muitas semelhanças em vários grupos de animais” e “explicou que os animais mais bem adaptados ao meio ambiente sobrevivem e passam suas características às gerações seguintes”. Qual o problema? O criacionismo não nega isso! Adaptações nos “grupos de animais” são evidentes e inegáveis (tome-se o exemplo dos cães). E a seleção natural, de certa forma, pode ser aceita. O criacionista aceita o conceito de isolamento geográfico, que acaba dando origem a tipos diferenciados de animais (ex.: canguru na Austrália). O problema está no trecho abaixo:

“O museu mostra, lado a lado, os esqueletos de vários mamíferos. Embriões de morcego, rato e cavalo. Quase idênticos, a não ser no tamanho. Provas de que os animais têm ancestrais comuns.”

Provas? Até hoje não se provou a ancestralidade comum dos seres vivos, e os elos perdidos continuam perdidos (a mídia continua confundidno prova com evidência). Aí está o problema: as extrapolações. Se a teoria da evolução lidasse apenas com aspectos como a seleção natural, não haveria dificuldades e nem contradições com o criacionismo. Mas a insistência em assuntos como abiogênese (ou seja, surgimento de vida a partir de elementos não-vivos), ancestralidade comum de todos os seres, etc., faz com que pesquisadores não dados a abraçar tão facilmente certas definições taxativas, baseadas em modelos, sejam resistentes ao evolucionismo (e não há apenas criacionistas entre eles).

Pena que para muita gente programas como o Fantástico sejam a única fonte formadora (e deformadora) de opinião.

Fica aqui uma sugestão de pauta para os editores do programa: Por que não entrevistam cientistas defensores do criacionismo ou da Teoria do Design Inteligente? Que tal um contraponto? Isso seria cumprir o dever de casa do “bom jornalismo”.

Quanto à declaração do pastor Eschbach, que afirma que a criação do mundo em sete dias e do homem a partir de Adão e Eva são "simbolismos bíblicos" e que não foram escritos para serem levados ao pé-da-letra, comentarei em outro texto.

Michelson Borges