quinta-feira, maio 01, 2008

Por que creio

Não costumo ler o caderno de esportes dos jornais, mas a edição do dia 29 de setembro de 2005 de O Estado de S. Paulo trouxe um texto que me chamou a atenção, sob o título “Porém, eu sinto a Sua falta”.

O articulista e compositor Nando Reis escreveu, dentre outras coisas, o seguinte: “Infelizmente não acredito em Deus. Digo infelizmente pois essa impossibilidade muitas vezes faz da minha vida um trajeto silencioso e solitário. Gostaria de poder dividir com alguém as penúrias e as agruras dessa vida tão complicada. Quantas vezes não quis, eu, olhar para o alto e me sentir amparado pela mão do Senhor, quando me vi impotente diante de tantos perigos. Quando temi pela vida de meus filhos, vindos e criados para desfrutarem a graça deste mundo, mas que, como todos nós, são vulneráveis à violência que nos acua e nos ameaça – me sinto só sem poder pedir proteção para meus entes amados.”

Por que Nando sente a falta de Deus? Porque o ser humano foi criado para crer. Somos seres com vocação religiosa, mesmo que muitos entre nós não queiram admitir isso.

Algum tempo atrás li um livro do ex-professor de Neurologia e Psiquiatria da Universidade de Viena e fundador da Logoterapia, Viktor Frankl (1905-1997), que me fez pensar nessa necessidade humana nem sempre satisfeita. Por ser judeu, Frankl foi enviado para campos de concentração, entre 1942 e 1945, inclusive os de pior fama como o de Therezin e o de Auschwitz, onde perdeu a esposa (recém-casada), a mãe e um irmão. Durante os anos de cativeiro, o que manteve o médico ativo e animado foi seu grande interesse pelo comportamento humano, o que o levou depois à conclusão de que esse interesse o havia salvo e que aqueles companheiros de prisão que tinham algum tipo de esperança e davam um significado a suas vidas, predominavam entre os sobreviventes da selvageria e da fome a que todos haviam sido submetidos.

O livro a que me refiro é A Presença Ignorada de Deus. Nele, Frankl fala de uma “fé inconsciente” e de um “inconsciente transcendental” que inclui a dimensão religiosa. Para ele, quando a fé, em escala individual, se atrofia, transforma-se em neurose; e na escala social, degenera em superstição.

“Somente a pessoa espiritual estabelece a unidade e totalidade do ente humano”, garante Frankl. “Ela forma esta totalidade como sendo bio-psico-espiritual. ... Somente a totalidade tripla torna o homem completo.” – A Presença Ignorada de Deus, pág. 21.

As palavras de Frankl fazem eco a algo escrito quase um século antes, por Ellen White: “Todos quantos consagram corpo, alma e espírito a Seu [de Deus] serviço estarão constantemente recebendo nova provisão de poder físico, mental e espiritual. Os inesgotáveis abastecimentos celestes se acham a sua disposição. Cristo lhes dá o alento de Seu próprio espírito, a vida de Sua vida. O Espírito Santo desenvolve suas mais altas energias para operar na mente e no coração.” – A Ciência do Bom Viver, pág. 159.

Não conheço Nando Reis pessoalmente, mas acho que dá para dizer que ele “sente falta de algo” porque, segundo Frankl, não é um homem completo; e, segundo Ellen White, falta-lhe o “alento de Cristo”.

Frankl afirma que a consciência mostra nossa origem e a compara ao umbigo. O umbigo só pode ser compreendido a partir da história pré-natal do homem, como sendo um “resto” no homem que o transcende e o leva à sua procedência do organismo materno. Da mesma forma, a consciência só pode ser entendida em seu sentido pleno quando a concebemos à luz de uma origem transcendente.

Para o psicanalista, “a consciência é a voz da transcendência e, por isso mesmo, ela mesma é transcendente. O homem irreligioso, portanto, é aquele que ignora essa transcendência da consciência. O homem irreligioso ‘tem’ consciência, assim como responsabilidade; apenas ele não questiona além, não pergunta pelo que é responsável, nem de onde provém sua consciência”. – A Presença Ignorada de Deus, pág. 42.

Na página 45 de seu livro, Frankl faz outra comparação interessante: “O homem irreligioso se deteve antes do tempo no seu caminho em busca de sentido, já que não foi além de sua consciência, não perguntou para além dela. É como se tivesse chegado a um pico imediatamente inferior ao mais alto. Por que não vai adiante? É porque não quer perder o ‘chão firme sob seus pés’, pois o verdadeiro pico não está visível para ele, está oculto na neblina, e nesta neblina, nesta incerteza, ele não se arrisca a penetrar. Somente a pessoa religiosa assume este risco.”

O que falta, para Nando e tantos outros, é dar o passo da fé; subir o monte que lhes trará verdadeira satisfação existencial e senso de completude. Afinal, é essa tendência (muitas vezes inconsciente) em direção a Deus que precisa ser satisfeita. E não adianta tentar preencher esse vazio com qualquer outra coisa ou pessoa. Só Deus satisfaz, pois foi Ele quem “pôs no coração do homem o anseio pela eternidade” (Ecles. 3:11).

Michelson Borges