Os primeiros estudos sérios sobre a origem da vida datam de 1920, quando John Burdon Haldane e Aleksander I. Oparin sugeriram independentemente que a vida se originou espontaneamente de matéria não-viva, na superfície da Terra, num passado remoto e descreveram um cenário para essa ocorrência. Como naquele tempo a visão que se tinha era de que a vida não passava de uma "química complicada", suas idéias se tornaram amplamente aceitas entre aqueles que procuravam estabelecer uma origem naturalista para a vida na Terra. Mas foi só em 1953 que a idéia da origem espontânea da vida recebeu aceitação científica, quando Stanley Miller realizou os seus experimentos que hoje são famosos.
Miller usou o ambiente redutor proposto por Oparin (metano: CH4, amônia: NH3, água: H2O e hidrogênio: H2) em um aparelho de vidro energizado por uma bobina de Tesla, e conseguiu gerar vários compostos simples, incluindo alguns aminoácidos além de algum alcatrão (sedimento orgânico polimerizado, sem interesse para os paleobiogeoquímicos). Miller e Urey propuseram que a luz ultravioleta (UV), descargas elétricas e relâmpagos produziram pequenas moléculas biológicas precursoras na “Terra primitiva”, que subseqüentemente foram depositadas nos oceanos pelo ciclo hidrológico. O astrônomo Carl Sagan propôs que a “Terra primitiva” era submetida a um fluxo de raios UV cem vezes mais forte que o de hoje, e que o ácido sulfídrico proveniente de vulcanismo era o agente que catalisava a transferência de energia da luz UV para os elementos transparentes UV na atmosfera. No início da década de 1970, Bar-Num demonstrou que ondas de choque de alta velocidade eram 10 mil vezes tão eficientes quanto os outros métodos em converter a atmosfera gasosa redutora de Oparin em pequenas moléculas, formando assim quatro aminoácidos.
Em anos mais recentes, sob condições um pouco suspeitas, Yuasa (1984) conseguiu produzir purinas e pirimidinas (tipos de bases presentes no DNA e no RNA). Atualmente, 14 dos 20 aminoácidos podem ser produzidos sob condições de atmosfera redutora que se propôs existir na “Terra primitiva”. Infelizmente para os que acreditam na origem espontânea da vida, a maioria dos aminoácidos produzidos por esses experimentos são glicina e alanina, os dois aminoácidos mais simples. Além disso, vários aminoácidos não proteicos são produzidos, os quais competirão com os vinte aminoácidos proteicos em qualquer reação abiogênica.
Existem muitos outros problemas, mas, para aqueles que querem acreditar na origem espontânea da vida, a mera articulação de um modelo para produzir a “sopa orgânica primordial” de Haldane e Oparin ou a “sopa diluída de galinha” de Sagan, não importa quão insatisfatórios sejam, os encorajam a acreditar que esses modelos podem explicar a origem da vida.
Investiguemos essa crença.
** EVIDÊNCIAS DE UMA ATMOSFERA REDUTORA
A pergunta que se deve fazer é: essa atmosfera realmente existiu na Terra?
Uma análise minuciosa do ponto de vista geológico, químico e cosmológico revelou que essa atmosfera, se é que algum dia existiu, teria uma vida muito curta. J. C. Walker disse: “A evidência mais forte para uma atmosfera redutora é fornecida pelas condições necessárias para a origem da vida” (1976). Logo, essa “evidência” é baseada inteiramente em um modelo científico. Frágil, não?
Philip Adelson (1966) e J. W. Schopf (1972) concluíram que não havia evidências para a existência de uma atmosfera com metano (CH4) e amônia (NH3). Desde o lançamento da nave espacial Apollo 16, descobriu-se que os raios UV causam a foto-dissociação de moléculas de água na camada superior da atmosfera terrestre e isso produz a maior fonte de oxigênio atmosférico livre. Tal oxigênio teria sido produzido em grande quantidade na “Terra primitiva” devido a ausência da camada de ozônio que filtra os intensos raios UV do Sol. Análises feitas em rochas sedimentares pré-cambrianas indicaram a presença de oxigênio livre, talvez em níveis semelhantes aos atuais (Davidson, 1965). A atmosfera primitiva seria, portanto, tudo, menos redutora.
Durante os últimos vinte anos foram acumulados outros dados contra uma atmosfera redutora. Muitos que, no passado, consideravam a atmosfera redutora como um requerimento indispensável estão agora pensando melhor. Muitas considerações teóricas requerem que a atmosfera tenha se originado do desprendimento de gases do manto, e tais gases estão atualmente oxidados uniformemente. A probabilidade de uma atmosfera neutra (CO2, H2O, N2 e possivelmente algum traço de H2) já foi admitida pela maioria dos pesquisadores da área. Entretanto, tal situação não parece ter diminuído o entusiasmo da maioria dos pesquisadores. A presença de oxigênio livre impossibilita virtualmente todos os cenários propostos até hoje para a abiogênese de formas de vida, e tal atmosfera atualmente parece estar confirmada. Todavia, para alguns, a crença continua.
(Extraído do livro A História da Vida, de Michelson Borges)