sexta-feira, maio 09, 2008

A complexidade do cérebro e a "paleofantasia"

O darwinismo tem sido uma teoria científica que explica tudo — de uma simples dor de cabeça até a existência de vida em multiversos postulados que evoluíram (os multiversos ainda desconhecidos também) pelos mesmos processos gradualistas darwinianos: acaso, necessidade, mutações filtradas pela seleção natural (e inúmeros mecanismos evolutivos conhecidos e desconhecidos) ao longo de bilhões e bilhões de anos. O darwinismo é uma "teoria do tudo", afinal de contas essa foi, é e será a "idéia mais brilhante que a humanidade já teve" [Obrigado pela pérola, Daniel Dennett].

Bem, mas nem tudo é como 2 + 2 = 4 no darwinismo. A teoria da evolução é um produto da mente, mas quando tenta explicar o cérebro, os cientistas estão mais perdidos do que cego em tiroteio: estão completamente no escuro! Gente, esta foi a mensagem surpreendente de Richard Lewontin, da Universidade Harvard, na reunião anual da American Association for the Advancement of Science [Associação Americana para o Desenvolvimento da Ciência — a SBPC dos gringos].

Onde que eu fiquei sabendo disso? Na Folha de S. Paulo? Nem pensar! Na Vesga, oops, na Veja? Nem de longe! No resto da Grande Mídia Tupiniquim (GMT)? Nem a mil anos-luz [apesar de eu esperar contra a esperança]. Não, gente, a GMT está de rabo preso com Darwin, e não abre! "Não damos espaço" [Marcelo Leite – FSP] para visões extremas da evolução. Fiquei sabendo disso através de um gigante que leu no jornal inglês The Guardian, o blog de James Randerson. Ele começou citando Lewontin: "Nós não sabemos nada sobre a evolução do cérebro. Os cientistas ainda estão completamente no escuro sobre por que o cérebro humano evoluiu para ser tão grande." Ué, mas Darwin não havia explicado tudo sobre a evolução? O neodarwinismo não veio dar uma ajuda para o estabelecimento do fato, Fato, FATO da evolução? E nós ainda estamos "completamente no escuro" sobre a evolução do cérebro?

Randerson considera Lewontin "um dos rabugentos extraordinários da ciência." Não é pra menos. Junto com Stephen Jay Gould, Lewontin tem argumentado historicamente contra o panselecionismo, ou a idéia de que a seleção natural produziu todas as características. Algumas características são meros artefatos como os efeitos decorativos nos pilares góticos.

Randerson afirmou que Lewontin se apresentou de "forma fantasticamente rabugenta" na reunião em Boston: "A sua campanha contra o panselecionismo estava em evidência: 'A evolução não é a evolução de características, mas a evolução de organismos', disse ele.

Mas, ele ainda tinha uma mensagem mais séria e pensativa, resumida no título de sua palestra — "Por que nós nada sabemos sobre a evolução da cognição". Ele desconsiderou todas as suposições sobre a evolução do pensamento humano, chegando à conclusão de que os cientistas ainda estão completamente no escuro sobre como que a seleção natural produziu o grande aumento no tamanho do cérebro humano na linhagem humana.

Quais as razões para tanto pessimismo de Lewontin quanto à capacidade heurística da "maior idéia que a humanidade já teve"? Seguindo a Bacon — "seguir as evidências aonde elas forem dar" —, Lewontin teve os principais pontos da sua palestra resumidos assim por Randerson:

1. Fósseis: "Apesar de um punhado de fósseis hominídeos que voltam no tempo uns 4 milhões de anos ou mais, nós não podemos ter certeza de que algum deles esteja na principal linhagem até nós. Muitos ou todos eles poderiam ter sido ramos evolutivos laterais."

2. Interpretações: "Pior, os fósseis que nós temos são difíceis de interpretar. 'Eu não tenho a mínima idéia do que a capacidade craniana [de um fóssil hominídeo] significa', confessou Lewontin."

3. Postura: Lewontin expressou dúvidas de que podemos ter certeza que os hominídeos andaram eretos.

4. Forças seletivas: "Ele também não está convencido de que podemos usar as atuais forças seletivas para inferir o que a seleção natural estava fazendo com os nossos ancestrais."

Pára tudo! Pára o universo darwinista que eu quero descer! Assim não dá, assim não! Falando desse jeito, Lewontin, você vai municiar os criacionistas e a turma perversa do Design Inteligente com argumentos contra Darwin, o homem que teve "a maior idéia que a humanidade já teve"!

O resumo de tudo isso é a descrição de como os pesquisadores evolucionistas usam antolhos epistêmicos intencionalmente, e não podem, por isso mesmo, ter certeza sobre as causas e os efeitos nos artefatos bióticos ou fossilizados pesquisados.

Randerson encerrou o seu texto com uma frase que arrebenta com as décadas de pesquisa e contos da carochinha: "Resumindo, apesar de milhares de artigos científicos e inumeráveis capas da National Geographic, não temos feito muito progresso em compreender como surgiu o nosso órgão mais complicado e misterioso." E citou Lewontin: "Estamos em dificuldades muito sérias tentando reconstruir a evolução da cognição. Eu nem estou certo do que nós queremos dizer com o problema."

Até aqui vimos o relato de um blogueiro. E como que a Nomenklatura científica acima do Rio Grande reportou a fala de Lewontin? Com vocês, a revista Science, órgão da AAAS [1]: "Richard Lewontin sabe como ganhar a atenção de uma platéia" foi a linha de abertura da notícia. Depois eles mencionaram mais de sua técnica de ganhar a atenção da platéia: "Não temos o registro fóssil da cognição humana. Por isso, inventamos estórias." Título bem sugestivo do artigo de Michael Balter, da Science: "How human intelligence evolved — is it science or 'paleofantasy'?" [Como evoluiu a inteligência humana – é ciência ou paleofantasia?].

Balter salientou imediatamente que outros cientistas na reunião discordaram do pessimismo de Lewontin. Dean Falk (Universidade estadual da Flórida) apontou para a evidência fóssil [?], e Christopher Walsh (da Escola de Medicina de Harvard) citou pesquisas genéticas. Leslie Aiello (Fundação Wenner-Gren para Pesquisa Antroplógica) apontou para a pesquisa que pode "nos levar além da paleofantasia de que Richard Lewontin está falando". Ela disse que existe bastante evidência para grandes períodos de tempo na história evolutiva, tais como "a divisão entre as linhagens dos chimpanzés e humanos cerca de 6 milhões de anos atrás, e a invenção de ferramentas de pedra começando há cerca de 2,5 milhões de anos atrás". Alguns desses grandes períodos de tempo podem ser correlacionados com a mudança climática, ela argumentou. Tudo isso parece se tratar de meras sugestões que podem fornecer insight, mas não são séries de evidências definitivas que resultam em conclusões sólidas.

Marc Hauser (psicólogo de Harvard) disse coisas que pareciam reforçar o pessimismo de Lewontin. Ele argumentou que as lacunas entre os humanos e outros animais inteligentes são muito maiores do que a lacuna entre aqueles animais e os vermes. Ao mostrar as muitas maneiras pelas quais a cognição humana é única, Hauser descreveu as capacidades de animais inteligentes como sendo estreitas, "inteligências de raios laser", por focalizarem em problemas estreitos, enquanto que os humanos têm "inteligência de holofote", aplicável a uma ampla gama de problemas. Até o uso de ferramentas pelos chimpanzés é "colossalmente diferente" do que os humanos fazem, disse ele. Balter finalizou: "Ele espera que as diversas diferenças humanas resumidas na sua 'hipótese de exclusividade humana' [humaniqueness hypothesis, em inglês] produzirá pistas sobre como a nossa espécie evoluiu."

Uau, pensar que eu e você pensávamos que Darwin já tinha explicado tudo sobre a "origem das espécies"...

Para saber mais sobre as opiniões de Marc Hauser sobre a "hipótese da exclusividade humana" que enfatiza as quatro lacunas cognitivas entre os humanos e os animais (capacidade de recombinar informação, de aplicar informação a novos problemas, de usar representações simbólicas, e de pensar abstratamente), vide Science Daily.

No fim do artigo, Hauser é novamente citado: "Para os seres humanos, essas capacidades cognitivas importantes podem ter aberto outras avenidas de evolução que os outros animais não exploraram, e essa evolução do cérebro é a fundação sobre a qual a evolução cultural foi construída." [Pausa para reflexão: essa declaração de Hause assume o fato, Fato, FATO da evolução, em vez de mostrar quais mutações ou variações cruzaram a divisão interespécies. Medir o rio Amazonas não é a mesma coisa que encontrar uma ponte cruzando aquele majestoso rio que tanto nos orgulha.]

[1] Michael Balter, "How human intelligence evolved - is it science or 'paleofantasy'?" Science, 22 February 2008: Vol. 319, n. 5.866, p. 1.028, DOI: 10.1126/science.319.5866.1028a.

(Do blog Desafiando a Nomenklatura Científica)