quinta-feira, maio 01, 2008

Darwinismo refuta Design Inteligente?

A revista alemã Der Spiegel publicou recentemente entrevista com Daniel Dennett, que é considerado um dos defensores mais vigorosos do darwinismo. Em vários livros, o professor de filosofia da Universidade Tufts, em Massachusetts, descreveu os humanos, a “alma” e a cultura humana como sendo produtos naturais do “caldo primordial”. Em seu novo livro, Breaking the Spell (algo como “Quebrando o Encanto”), que será publicado em fevereiro deste ano, nos Estados Unidos, Dennett tenta explicar – segundo a ótica da evolução – por que os religiosos radicais têm tanto sucesso.

Dennett falou à revista alemã sobre a atração exercida pelo criacionismo e sobre como a própria religião, segundo ele, sucumbe às idéias darwinianas. Abaixo seguem alguns trechos da entrevista:

Spiegel: No centro do debate está a idéia da evolução. Por que é que a evolução parece provocar muito mais oposição do que qualquer outra teoria científica, como o Big Bang e a mecânica quântica?

Dennett: Creio que é porque a evolução conduz ao cerne da descoberta mais perturbadora da ciência nas últimas centenas de anos. Ela contesta uma das idéias mais antigas que possuímos, talvez mais antiga até que a nossa espécie.

Spiegel: Que idéia exatamente é essa?

Dennett: É a idéia de que é necessário algo de grandioso, especial e inteligente para a criação de uma coisa menor. Eu chamo isso de teoria da ordem descendente da criação. Ninguém jamais verá uma lança fazendo um fabricador de lanças. Tampouco verá uma ferradura criando um ferreiro. Nem um vaso de cerâmica gerando um ceramista. As coisas ocorrem sempre na ordem inversa, e isto é tão óbvio que simplesmente parece ser uma lei universal.

Spiegel: Você acredita que essa idéia já estava presente entre os macacos?

Dennett: Talvez entre o Homo habilis, o “faz-tudo”, que começou a fabricar instrumentos de pedra cerca de dois milhões de anos atrás. Eles tinham a sensação de serem mais perfeitos do que os seus artefatos. Assim, a idéia de um criador que é mais perfeito do que as coisas que cria é, acredito eu, uma idéia profundamente intuitiva. É exatamente a esta idéia que os defensores do desenho inteligente se referem quando perguntam: “Você alguma vez já viu uma construção sem construtores, ou uma pintura sem um pintor?” Esse raciocínio é algo que captura esta idéia profundamente intuitiva de que jamais se obtém um desenho gratuitamente.

Spiegel: É um argumento teológico antigo...

Dennett: ...que Darwin refuta completamente com a sua teoria da seleção natural. E ele demonstra que não. Não só é possível que se obtenham desenhos a partir de coisas não desenhadas, como também pode haver a evolução de desenhistas a partir dessas categorias não desenhadas. No final temos escritores, poetas, artistas, engenheiros e outros projetistas de coisas, outros criadores – que são frutos bastante recentes da árvore da vida. E isso desafia a idéia popular de que a vida possui um sentido.

[...]

Somos a única espécie cujos indivíduos sabem quem são, que sabem que evoluíram. As nossas músicas, nossa arte, nossos livros e nossas crenças religiosas são, todos eles, em última instância, um produto dos algoritmos evolucionários. Alguns acham esse fato fascinante. Outros o acham deprimente.

Spiegel: Em nenhum local a evolução se torna mais evidente do que no código do DNA. Não obstante, aqueles que crêem no desenho inteligente enxergam menos problemas no código do DNA do que nas idéias de Darwin. Por que isso?

Dennett: Eu não sei, já que a mim parece que a melhor evidência que temos da veracidade da teoria de Darwin é aquela que surge a cada dia da bioinformática, do entendimento do código do DNA. Os críticos do darwinismo simplesmente não querem encarar o fato de que moléculas, enzimas e proteínas conduziram ao pensamento. Sim, nós possuímos uma alma, mas ela é composta de vários robôs minúsculos.

Spiegel: Você não acha que seja possível deixar a vida a cargo dos biólogos, mas permitir que a religião se encarregue da questão da alma?

Dennett: Era isso que o papa João Paulo 2º exigia quando baixou a sua muito citada encíclica, na qual afirma que a evolução é um fato, frisando, entretanto: exceto com respeito à questão da alma humana. Isso pode ter deixado algumas pessoas satisfeitas, mas é algo simplesmente falso. Seria tão falso como afirmar: os nossos corpos são feitos de material biológico, exceto, é claro, o pâncreas. O cérebro não é um tecido mais maravilhoso do que os pulmões ou o fígado. É apenas um tecido.

[...]

Eu daria a Darwin a medalha de ouro pela melhor idéia que alguém já teve. Ela unifica o mundo dos significados, dos objetivos, das metas e da liberdade com o mundo da ciência, com o mundo das ciências físicas. Quero dizer, nós falamos sobre a grande lacuna entre a ciência social e a ciência natural. O que preenche esta lacuna? Darwin, ao nos mostrar como objetivo, desenho e sentido podem surgir da falta de sentido algum, a partir da simples matéria bruta.

Spiegel: O darwinismo está em ação todas as vezes que algo de novo é criado? Até mesmo durante a criação do universo, por exemplo?

Dennett: É pelo menos interessante constatar que idéias quase-darwinianas ou pseudodarwinianas também são populares na física. Eles postulam uma enorme diversidade a partir da qual houve, em um certo sentido, uma seleção. O resultado é que nós estamos aqui, e isto é apenas uma pequena parte desta grande diversidade que presenciamos. Essa não é a idéia darwiniana, mas é uma idéia aparentada. O filósofo Friedrich Nietzsche teve a idéia – eu arriscaria dizer que ele talvez tenha se inspirado em Darwin – do eterno retorno: a idéia de que todas as possibilidades são concretizadas, e que, se o tempo é infinito, e a matéria também é infinita, então todas as permutações serão realizadas, não uma só vez, mas um trilhão de vezes.

Spiegel: Uma outra idéia de Nietzsche é a de que Deus está morto. Essa é também uma conclusão lógica a que chega o darwinismo?

Dennett: É uma conseqüência muito nítida. O argumento em favor do desenho inteligente, creio eu, sempre foi o melhor argumento em favor da existência de Deus. E quando Darwin surge, puxa o tapete sobre o qual esta idéia se sustenta.

[...]

Spiegel: Então, por que é que praticamente todas as culturas possuem religiões?

Dennett: Creio que a resposta a esta pergunta é parcialmente histórica, no sentido de que as tradições que sobrevivem desenvolvem adaptações para sobreviverem. Assim, as próprias religiões são fenômenos culturais extremamente bem projetados que evoluíram para sobreviver.

Spiegel: Como uma espécie biológica.

Dennett: Exatamente. O projeto de uma religião é completamente inconsciente, exatamente da mesma forma como o projeto dos animais e plantas é completamente inconsciente.

[...]

Spiegel: Você tem uma explicação para o fato de a crença no desenho inteligente ser mais disseminada nos Estados Unidos do que em qualquer outro lugar?

Dennett: Não, infelizmente não. Mas posso afirmar que a aliança entre religiões fundamentalistas ou evangélicas e a política de extrema direita se constitui em um fenômeno muito problemático, e que essa é certamente uma das razões mais fortes para a disseminação dessa crença no país. O que realmente assusta é o fato de muitas dessas pessoas realmente acreditarem que a segunda vinda está para acontecer – a idéia de que o armagedom é inevitável, de forma que nada faz muita diferença. Para mim isso é uma irresponsabilidade social do mais alto grau. É assustador.

Nota: Clique aqui e leia a resposta do coordenador do Núcleo Brasileiro de Design Inteligente, Enézio E. de Almeida Filho, à entrevista de Dennett.