domingo, maio 04, 2008

Dawkins age como se fosse Deus

Ele é um “delinqüente psicótico”, inventado por pessoas loucas e iludidas. E essa é uma das críticas mais amenas de Dawkins. Dawkins, professor de Compreensão Pública da Ciência, na Universidade de Oxford, está numa cruzada. Sua enxurrada de indignação e zombaria tem a intenção de libertar o mundo de seu maior mal: a religião. “Se esse livro funcionar como eu espero”, diz ele, “os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando terminá-lo.” Mas ele admite que esse resultado é improvável. Isto é, as pessoas que crêem em Deus são “imunes a argumentos”, diz ele.

Conheço Dawkins há mais de 20 anos; somos professores em Oxford. Acredito que, se existe alguém “imune a argumentos”, este é ele. Ele surge como um propagandista dogmático e agressivo. É claro que, nos anos 60, todos que eram importantes nos diziam que a religião estava morta. Eu era ateu naquela época. Tendo crescido como protestante na Irlanda do Norte, cheguei a acreditar que a religião era a causa dos problemas da província. Embora eu adorasse estudar ciências na escola, essa matéria era importante por outra razão: a ciência desmentia Deus. Crer em Deus era algo para pessoas tristes, loucas e ruins apenas, que ainda precisavam ser iluminadas pela ciência. Fui para Oxford para estudar ciências em 1971, esperando que meu ateísmo se consolidasse. Mas meu mundo virou de cabeça para baixo. Desisti de uma crença (ateísmo) e adotei outra (cristianismo).

Por quê? Houve muitos fatores. Para começar, eu estava alarmado com alguns escritos ateístas, que pareciam mais preocupados em destruir a religião do que buscar a verdade. Acima de tudo, encontrei, em Oxford, algo que não conseguira encontrar na Irlanda do Norte — cristãos articulados que eram capazes de desafiar meu ateísmo. Logo descobri duas coisas que mudaram minha vida. Em primeiro lugar, o cristianismo fazia muito sentido. Isso me proporcionou uma nova forma de ver e compreender o mundo e, acima de tudo, as ciências naturais. Em segundo lugar, descobri que o cristianismo, na verdade, funcionava: ele trouxe propósito e dignidade para a vida. Continuei estudando ciências e me tornei Ph.D. em biofísica molecular. Mas meu coração e minha mente haviam sido seduzidos pela teologia. Isso ainda me faz vibrar hoje em dia.

Dawkings e eu adoramos ciência; nós dois cremos na razão baseada em evidências. Então como podemos ver sentido em formas diferentes de enxergar o mundo? Essa é uma das questões sobre as quais eu sempre quis ter uma boa discussão. Nossos caminhos realmente se cruzam nas redes de televisão e até mesmo debatemos rapidamente num sofá da BBC alguns meses atrás. Também já fomos filmados num debate para o recente programa "A Raiz de Todo Mal", de Dawkins, no Canal 4. Dawkins resumiu suas principais críticas a Deus e ofereceu respostas a claros exageros e mal-entendidos.

Por exemplo, Dawkins costuma comparar a crença em Deus à crença infantil no Papai Noel ou no Bicho Papão, dizendo que é algo que todos deveríamos superar. Mas essa analogia é falha. Quantas pessoas conhecemos que começaram a acreditar em Papai Noel quando adultos? Muitas pessoas descobrem Deus décadas depois de terem parado de acreditar no Bicho Papão. Evidentemente, Dawkins simplesmente responderia que pessoas como essas são senis ou loucas, mas esse não é um argumento lógico. Dawkins não pode “provar” a não-existência de Deus assim como ninguém pode realmente provar que Ele existe. A maioria de nós está ciente de que tem crenças que não pode provar serem verdadeiras. Isso nos faz lembrar de que devemos tratar os que discordam de nós com respeito intelectual, em vez de repudiá-los — assim como faz Dawkins — como se fossem mentirosos, patifes e charlatães.

Mas, quando debati esses pontos com ele, Dawkins pareceu desconfortável. Não fiquei surpreso ao saber que minha contribuição seria cortada. O programa "A Raiz de Todo Mal" foi posteriormente criticado acerbamente devido à sua flagrante discriminação. Onde estão as respostas cristãs responsáveis e cultas para Dawkins?, perguntaram os críticos. Resposta: na sala de edição.

The God Delusion é igualmente cheio de mal-entendidos. Dawkins simplesmente nos apresenta um outro fundamentalismo dogmático. Talvez seja por isso que alguns dos ataques mais ferrenhos a The God Delusion estejam vindo de outros ateus, e não de crentes. Michael Ruse, que se designa um filósofo “darwiniano linha-dura”, confessou que The God Delusion o deixou “constrangido de ser ateu”. O dogmatismo dessa obra atraiu muitas críticas da comunidade secular. Muitos que se esperariam dar suporte a Dawkins estão tentando se distanciar do que eles consideram como constrangimento. Cientes da obrigação moral de críticos da religião de lidar com esse fenômeno da melhor e mais persuasiva forma possível, muitos ateus estão incomodados com os estereótipos grosseiros e a hostilidade igualmente patológica quanto à religião. De fato, The God Delusion poderá se tornar um monumental gol contra — persuadindo as pessoas de que o ateísmo é tão intolerante quanto o pior que a religião possa oferecer.

(Alister McGrath é professor de Teologia na Universidade de Oxford. Seu novo livro, The Dawkins Delusion, escrito em parceria com Joanna Collicutt McGrath, foi publicado pela SPCK. Esta crítica foi originalmente publicada no Daily Mail)