sexta-feira, maio 02, 2008

Jornalismo científico de araque

Aqui e ali os cientistas e jornalistas científicos contrapõem a ciência com a religião. Essa “contraposição mórbida” é proposital: visa a demonizar os “crentes” e os críticos do materialismo filosófico, mesmo que suas críticas sejam cientificamente embasadas.

Exemplo mais recente dessa “demonização” é o artigo de Marcelo Leite [Caderno “Mais”, Folha de S. Paulo, 3/12/2006] intitulado “Bíblia de araque: Se o genoma for o Livro da Vida, é obra de um copiador maluco”, destacado no JC E-Mail, órgão da SBPC voltado exclusivamente para a divulgação de ciência e tecnologia.

Eu esperava muito mais dele vez que ele é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Nem ia comentar o artigo ideologizado, mas vale a pena ressaltar aqui que Marcelo Leite culpa os jornalistas por terem bombardeado os leitores com reportagens sobre o genoma humano, entre 2000 e 2004, popularizando a noção de que havia 99,9% de coincidência no DNA de duas pessoas.

Solução? Marcelo Leite pede aos leitores que esqueçam isso, pois é muito mais complicado. Um estudo divulgado há pouco mais de uma semana mostra que isso é muito mais complicado mesmo: a identidade e diferença não residem só nas seqüências de letras do DNA, mas também no número de cópias dessas seqüências.

Em vez de lidar com a verdadeira questão científica – aqui, no caso, metodológico –, Marcelo Leite diz que a ficha ainda não caiu para os leitores leigos que continuam a acreditar em DNA como destino. Ainda bem que ele destacou que os especialistas nada fazem para desfazer esse equívoco.

Pelo seu subtítulo, Marcelo Leite dá ares arrogantes de onisciência, dando a entender que conhece a mente do “copiador maluco”. Além disso, sua analogia de que a postura dos cientistas é a mesma que “um vendedor de Bíblias alertar o cliente potencial de que elas não contêm toda a verdade para guiar a vida”, é forçar um pouco a barra de sua subjetividade atéia ou agnóstica [não sei] antagônica a respeito de um livro que, dizem, se propõe dizer tão-somente como se vai ao céu e não como os céus vão [Galileu Galilei].

O que Marcelo Leite deveria fazer, não fez e nem fará porque está de “rabo preso” com a Nomenklatura científica, era denunciar mais veementemente essa desonestidade acadêmica dos pesquisadores quando se deparam com evidências contrárias às suas preferências ideológicas e não seguirem as evidências aonde elas forem dar.

O estudo daqueles pesquisadores levanta inúmeras questões sobre a metodologia e aquelas pressuposições embutidas que geralmente não são reveladas para os que estão fora da comunidade de pesquisadores. Repensar três áreas se mostra mais do que necessário e inadiável:

1. A muita anunciada e incensada afirmação de que o genoma humano é somente 3% diferente dos chimpanzés. Nós realmente inferimos agora que as populações humanas são muito mais próximas dos chimpanzés do que de outras populações? Parece que algo mais significativo está acontecendo nesta área.

2. O conceito de que o genoma humano pode ser documentado, com todas as variantes tratadas como mutações aleatórias. A indicação é, antes, de que o genoma é muito mais dinâmico do que isso, e que a maioria das variações não são na verdade mutações aleatórias. Uma perspectiva de design tem grande potencial para estimular novas hipóteses.

3. Por que a Grande Mídia não informa os leitores não-especializados sobre a insuficiência epistêmica do neodarwinismo? Que me desculpem os meus amigos jornalistas, isso é “jornalismo científico de araque” que precisa mudar. Desde 1998 tento junto às editorias de ciência que publiquem sobre a questão científica fundamental de mudança paradigmática, mas em vão.

A História da Ciência vai mostrar a relação incestuosa da Grande Mídia Internacional e Tupiniquim com a Nomenklatura científica. Quem viver, verá.

(Do blog Desafiando a Nomenklatura Científica)