quinta-feira, maio 01, 2008

O ceticismo da Super

Religião vende. E as revistas seculares perceberam isso, tanto que faz tempo que vêm publicando capas relacionadas com assuntos teológicos. Além da Galileu de dezembro (leia a matéria “Galileu discute divindade de Jesus”, neste blog) e da Época desta semana, a Superinteressante deste mês também explora o filão religioso. A matéria de capa “Procura-se Deus”, de Rodrigo Cavalcante, traz como subtítulo: “Em pleno século 21, a humanidade continua tentando conciliar fé e razão. Mas será que algum dia a ciência terá condições de provar que foi mesmo Deus (ou alguma outra entidade superior) quem criou o Universo e determinou os rumos da evolução?”

O texto lembra que no século 20 Nietzche, Marx, Freud, Sartre e outros chegaram a apostar na “morte” de Deus e no início de uma “era da razão”. “Não é preciso ser especialista”, escreve Cavalcante, “para saber que esse triunfo não se concretizou. Ao contrário. O que se observa hoje é uma revalorização da fé, inclusive entre os cientistas, como Simon Morris.” Na matéria, o professor de história da filosofia moderna e contemporânea da Unicamp, Oswaldo Giacoia Júnior, pondera que “ao longo da história, a relação do homem com o sagrado tem se mostrado um traço extremamente persistente. Nos regimes socialistas em que a religião era proibida as pessoas substituíam a fé por uma ideologia”. É o velho anseio humano pela transcendência, sobre o qual falei no artigo “Por que creio”, neste blog (se quiser lê-lo, clique aqui).

O artigo da Super constata, corretamente, que foi a busca religiosa (cristianismo da Europa Ocidental) por entender a ordem no Universo que impulsionou o surgimento da própria ciência. Também trato disso num artigo postado aqui no blog (“O berço da ciência”). Mas a Super escorrega ao afirmar que essa compatibilidade entre a ciência e a religião cristã começou a ser abalada com as “mais recentes descobertas da ciência”. E diz que o estudo das camadas geológicas que formam a Terra “provava” que o planeta “tinha milhões de anos” e não milhares, segundo a visão dos “criacionistas da Terra jovem”. Ignoram-se aí pesquisas que apontam inconsistências na cronologia evolucionista. Ainda não se proveu resposta, segundo a visão evolucionista, para a disposição plano-paralela das camadas da coluna geológica. Se cada camada teria ficado exposta a milhões de anos, onde estão as marcas de erosão que se esperaria encontrar? A coluna geológica parece condizer mais com uma catástrofe hídrica que ocasionou a deposição quase imediata de detritos e lama sobre vastas regiões.

** SELEÇÃO NATURAL

A Super também cita como “descobertas da ciência” a teoria da seleção natural, de Darwin, como se esta invalidasse a visão biblico-criacionista. O fato é que Darwin acertou no varejo e errou no atacado sobre a origem e a evolução da vida. A única teoria de Darwin que se submete ao crivo estrito de verificabilidade (falseamento) é a teoria da evolução especial (microevolução). Esta é a teoria que mais aparece nas pesquisas e trabalhos científicos como “corroborada” pelas evidências. E a teoria geral da evolução (macroevolução)?

A seleção natural darwinista como um dos mecanismos macroevolutivos é totalmente vazia na explicação de como as novas formas biológicas surgiram. Há necessidade de grande informação genética para isso ocorrer. Há que se levar em conta o custo e benefício e o dilema de Haldane.

A seleção natural em si não é uma força e nem tem existência ontológica. Não é responsável pelas diferenças genéticas entre as espécies, nem o diferencial de sobrevivência de um organismo, nem tampouco pelas alegadas mudanças cumulativas em tais cenários diferenciais de sobrevivência.

“Onde uma teoria fica para trás dos fatos, nós estamos lidando com programas de pesquisas miseráveis e degenerados” (Lakatos, in Science and Pseudoscience). O darwinismo é um programa de pesquisa degenerado, pela visão lakatosiana.

Finalmente, é bom deixar claro que o conceito de seleção natural é tautologia pura, pois fala tão-somente da “sobrevivência do mais apto” (aspecto conservador na natureza) e não da “chegada do mais apto” (aspecto criativo inovador) ainda não observado na natureza e aspecto fundamental da teoria evolutiva: a seleção natural como um dos processos evolutivos.

A origem das espécies, portanto, ainda continua na mesma desde os tempos de Darwin: mysterium tremendum! Mas, a despeito de todos esses problemas passados por alto, a Super sentencia: “Mas Charles Darwin apresentou sua teoria sobre a seleção natural das espécies e colocou em xeque a idéia de que Deus era o responsável por tudo isso que está aí.” Tremenda falta de compreensão da visão criacionista (que não é fixista e nem descarta a seleção natural e as adaptações nos seres vivos).

** DESIGN INTELIGENTE

“Teorias como essa [do design inteligente] presumem que o ser humano é o resultado de um projeto perfeito, o que não é verdade. É consenso entre os especialistas que o design humano, apesar de eficiente, está longe de ser inatacável biologiocamente. A próstata do homem, para ficar em apenas um exemplo, não segue um desenho anatômico ideal”, diz a professora de genética e evolução da Unicamp, Vera Volferini.

Então, imaginemos um automóvel. Não existe mecanismo criado pelo ser humano que seja livre de defeitos. Cedo ou tarde, o veículo precisa de reparos. Já o corpo humano possui “dispositivos de auto-correção” (pense no fenômeno da regeneração de células e no sistema imunológico, por exemplo). Nosso corpo é infinitamente mais complexo que o mais avançado dos automóveis. Mas experimente dizer a um projetista de carros que a criação dele não teve criador pelo fato de não ser perfeita... Os defeitos nos seres vivos são decorrência de um ambiente e estilo de vida inadequados, e/ou apontam para o fato de que alguma coisa deu errado na história deste planeta (mas como se procura ignorar uma resposta teológica – que existe –, fica-se nas conjecturas). Mas isso não significa que não possuam, os seres vivos, design inteligente.

Numa matéria sobre a crença religiosa, mais uma vez a Superinteressante (como quase todas as revistas seculares) acaba polarizando a discussão entre evolucionismo e criacionismo/design inteligente. E a prova disto está na citação de uma frase do sociobiólogo Edward Wilson, segundo o qual “o dilema humano é que evoluímos geneticamente para acreditar em Deus, não para acreditar na biologia”.

Já que tudo é uma questão de fé, pese os argumentos, analise os fatos, e faça sua escolha.

Michelson Borges