sábado, maio 03, 2008

Parar de comer carne pode salvar a Amazônia?

A revista Época desta semana fala de um movimento que cresce em todo o mundo. Para essas pessoas, os bifes das refeições diárias são a causa da destruição de vários ecossistemas naturais, como a Amazônia. É uma idéia incômoda, mas tem lógica. Afinal, 78% do desmatamento na Amazônia aconteceu para abrir espaço para os pastos, segundo o Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O argumento é que, se o consumo de carne cair, também se reduz a pressão para expansão dos pastos sobre a floresta.

Parar de comer carne sempre foi a bandeira dos vegetarianos. Suas razões eram principalmente a saúde humana e os direitos dos animais. Hoje, o foco mudou. "Agora o meio ambiente pesa na decisão de não comer carne", diz o biólogo Sérgio Greif, da Sociedade Vegetariana Brasileira. Um dos pioneiros nessa nova onda foi o pesquisador britânico Norman Myers, da Universidade de Oxford, um dos mais respeitados naturalistas do mundo. Na década de 80, criou o termo "Conexão Hambúrguer" para ligar o consumo de carne nas redes de fast-food dos Estados Unidos à destruição das florestas na América Central. Um dossiê inspirado no termo de Myers foi feito em 2003 pelo Centro para Pesquisa Florestal Internacional, desta vez sobre a Amazônia. De lá para cá, a causa só cresceu.

Um dos mais expoentes adeptos da campanha por menos carne e mais florestas é o biólogo americano Edward Wilson, da Universidade Harvard. Segundo ele, só será possível alimentar a população mundial no fim do século, estimada em 10 bilhões de pessoas, se todos forem vegetarianos. "O raciocínio é matemático", diz Greif. Para ele, alimentar os bois com pasto ou grãos é o meio menos eficiente de gerar calorias. A produção de grãos de uma fazenda com 100 hectares pode alimentar 1.100 pessoas comendo soja, ou 2.500 com milho. Se a produção dessa área for usada para ração bovina ou pasto, a carne produzida alimentaria o equivalente a oito pessoas. A criação de frangos e porcos também afeta as florestas. Para alimentar esses animais, é necessário derrubar árvores para plantar soja e produzir ração. Mas, na relação custo-benefício entre espaço, recursos naturais e ganho calórico, o boi é o pior.

O gado tem sido considerado o grande vilão da Amazônia. Hoje, o Brasil mantém 195 milhões de bovinos. Há mais bois que pessoas. Cerca de 35% desse rebanho está na Amazônia. Para alimentar o gado, os pecuaristas desmataram uma área de 550 quilômetros quadrados, o equivalente ao Estado de Minas Gerais. Criados livres no campo, sem ração, os bois precisam todo ano de novas áreas derrubadas para a formação de pasto. ...

A tendência é que os bois avancem mais sobre a floresta, para atender a uma demanda crescente de carne para exportação. Hoje, 10% dos bois abatidos na Amazônia abastecem o mercado internacional. O grande obstáculo é a ocorrência de febre aftosa no rebanho da região. O Ministério da Agricultura, os produtores e os pesquisadores acreditam que, com a erradicação da doença, o rebanho pode até duplicar para atender à demanda internacional.

Diante desse quadro, pregar a redução no consumo de carne faz sentido. Isso não quer dizer que funcione. Para o próprio coordenador do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adário, a idéia de salvar a floresta pela campanha contra o consumo de carne é "problemática". O primeiro obstáculo, para ele, é o gosto do brasileiro pelo churrasco. "Não somos um país culturalmente vegetariano", diz Adário. "Essa redução é mais fácil em alguns países, em outros não." O segundo obstáculo é convencer a parcela da população que acabou de comemorar sua ascensão social, com acesso à carne, a abrir mão do churrasco no fim de semana. Com a desvalorização do dólar e a estabilização da economia mundial, muitas pessoas começaram a comer seus primeiros bifes diários nos últimos dez anos. Essa mudança de hábito alimentar é mundial. Aconteceu no Nordeste brasileiro e até na China, abrindo um novo mercado para a carne. "Falar para essa população que agora ela não pode comer carne pelo bem da Amazônia é, no mínimo, cruel."

[E o que se faz com os animais, não é cruel?]