sexta-feira, maio 02, 2008

Poderia a ciência se dogmatizar?

O cientista precisa simplificar e popularizar seus métodos, quebrando essa imagem existente de ser possuidor de uma verdade absoluta que é contrária ao próprio método científico.

Poderíamos dizer que desde o florescimento da consciência humana, o homem busca encontrar um significado de mundo, e dentre tantas visões a religião teve e ainda tem um lugar de destaque na explicação da existência humana e do funcionamento do mundo.

Neste âmbito explicativo coloca-se toda a expectativa em um ser supremo e inquestionável, restando ao ser humano uma busca eterna desses ideais.

Desta relação entre o homem (mortal e pecador) e este Ser supremo (eterno e detentor da verdade absoluta), nasce uma confiança inquestionável do primeiro, sobre os ensinamentos do segundo.

Nesta busca eterna da verdade, surgiu um novo modo de conhecer o mundo, não mais se baseando em divindades ou seres metafísicos, e sim em uma observação sistêmica dos fenômenos que circundam o homem e o meio onde ele vive, chamamos esse novo modo de conhecer o mundo de ciência.

A partir da ciência o homem pôde demolir mitos existenciais e com isso consolidou-se como uma ferramenta extremamente útil na busca pelas verdades que estavam encobertas sob as cortinas do misticismo.

Hoje em dia podemos comprovar a força das afirmações cientificas no nosso cotidiano, quem nunca usou como argumento de convencimento o termo “isso foi comprovado cientificamente”?, ou quem nunca viu propagandas de produtos que vinculam termos intimamente ligados à ciência (como por exemplo DNA) como certificadores de eficiência do produto?

Partindo dessas observações do nosso cotidiano me vem uma estranha sensação de inquietude diante dessa dogmatização da ciência, visto que um dos principais princípios da metodologia cientifica é a constante discussão dos resultados e possibilidade de falseabilidade desses resultados em detrimento de novas observações realizadas.

Nesse contexto me é possível identificar alguns agentes na formação dessa imagem de verdade absoluta que vem surgindo no senso comum.

De um lado temos o próprio cientista, que muitas vezes impõe seus resultados de forma arrogante, como se ele fosse a nova encarnação de um ser inatingível em suas proposições, surgindo assim o mito de um “Deus cientista”, um ser respeitado e inquestionável em suas afirmações.

Essa posição assumida pelos cientistas causa na sociedade uma incompatibilidade de linguagem, tornando cada vez maior o abismo entre o mundo cientifico e o não-cientifico ou social.

Dessa forma, quando a sociedade se vê confrontada por dilemas éticos envolvendo saberes científicos, tem a maior parte dos seus segmentos ausentes do debate ou sem argumentos lógicos, pois, ou não entendem a metodologia cientifica ou estão impregnados de preconceitos e ideais místico-religiosos.

Nesta sociedade, o que observamos é a retirada da sua responsabilidade de julgamento e ação, se abstendo de culpa, através da aceitação inquestionável dos resultados oferecidos pela ciência; porém, quando esta sociedade se vê confrontada por questões éticas e culturais sobre avanços científicos, a principal reação é a simples negação desse avanço sem argumentação critica, através de valores ultrapassados que estão solidificados em mitos e crenças, uma volta ao antigo modo obscuro de ver o mundo.

Neste contexto, onde a ciência aparece dogmatizada, onde ou ela é aceita sem questionamentos ou é negada por crenças, é preciso um aumento do diálogo entre os cientistas e a sociedade em geral, na busca de uma maior compreensão do método cientifico, visto que este é a maior contribuição que a ciência pode dar para a sociedade, fazendo com que esta sociedade não apenas aceite inquestionavelmente o produto final gerado pela ciência, visto que este está sujeito a modificações com o aumento da compreensão de mundo, mas discuta a confiabilidade dos meios por onde este fim foi obtido.

Na parte do cientista é preciso simplificar e popularizar seus métodos, quebrando essa imagem existente de ser possuidor de uma verdade absoluta que é contraria ao próprio método cientifico.

(Sávio Torres de Farias é doutorando em Genética da UFMG. Artigo publicado no Jornal da Ciência, da SBPC, de 26 de Outubro de 2005.)

Nota: Deixo aqui uma citação de Alfred North Whitehead: "Todas as nossas idéias estarão equivocadas se pensarmos que nessas controvérsias a religião está sempre errada e a ciência sempre certa. Os fatos verdadeiros são mais complexos e se recusam a serem resumidos nesses termos tão simples" (Science and The Modern World, págs. 182 e 183).[MB]