sexta-feira, maio 02, 2008

Propaganda disfarçada na IstoÉ

Na semana retrasada o OI [Observatório da Imprensa] abrigou o texto "IstoÉ no além – Ciência paga o pato da incompetência jornalística", pois a revista estaria confundindo com ciência alegações da religião espírita. Devemos lembrar que a IstoÉ faz parte do mesmo grupo editorial da Revista Planeta, especializada em pseudociência e esoterismo. Esta semana [9/08] escancarou na matéria da capa "A consagração da acupuntura". Sua chamada garante: "A terapia das agulhas chega aos melhores hospitais do país, ganha novos e sofisticados recursos e amplia leque de tratamento para várias doenças, câncer, asma, distúrbios do sono, dores, ansiedade e até para rugas."

Abrimos o texto curiosos. Com tanta dificuldade, o Sistema Único de Saúde oferecer acupuntura, embora desabastecido para manter a assistência aos que procuram ajuda médica e medicamentosa (o jornal Zero Hora de 8/8 apresentou reportagem, "Saúde precisa de remédio", sobre o drama das pessoas que não conseguem seus medicamentos de uso continuo; transplantados, insuficientes renais, aidéticos, portadores de neoplasias malignas... Segundo a Istoé, a acupuntura seria solução no tratamento de tudo. No Rio Grande do Sul um mutirão entre várias entidades médicas e hospitalares tenta resolver 60 mil consultas de especialidades em atraso de atendimento há anos.

Infelizmente a base da reportagem não é científica; tenta reproduzir ditas evidências científicas, mas mostra apenas que os grupos adeptos deste tratamento politicamente detêm peso nos serviços médicos no Brasil. Isto pode apenas representar que vendem bem, e não que tenha resolutividade, como o prometido. Uma abordagem, cientificamente, da situação em países mais desenvolvidos e mais sérios fica em falta. Afinal, a homeopatia, reconhecida como "especialidade" médica apenas no Brasil, também é usada em hospitais e universidades não pela evidência científica. Articulistas alegam que ela é objeto de muito estudo em instituições do porte do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. No entanto, ao procurarmos em serviços que avaliam a medicina baseada em evidências (que demonstram resultados), como The Cochrane Collaboration, americano, ou Bandolier, do Reino Unido, verificamos que falha em conseguir se diferenciar do placebo. A sua posição no FDA continua a mesma. Nunca foi merecedora de um Prêmio Nobel, apesar das promessas extraordinárias.

São propagandas disfarçadas em reportagens, que pegam o leitor desprevenido achando que está lendo uma matéria séria. Alguns anos atrás, pacientes apareciam com agulhas e sementes nas orelhas para parar de fumar e emagrecer. Hoje só incauto deixa a orelha para tentar obter o que outros não conseguiram. Um aspecto interessante da acupuntura é que não tem limite. Trata de tudo. Muito semelhante ao placebo, que serve para qualquer situação. No século 18 houve um fenômeno muito parecido. Chamava-se mesmerismo, pois fora inventado pelo Dr. Anton Mesmer (1733-1815). Consistia na aplicação de ímãs nas pessoas para tratar tudo pelo "agente magnético". Foi um furor na Áustria e grande sucesso em Paris, reunindo multidões. Hoje em dia se usa em centros espíritas como terapêutica (o passe). Com o tempo chegou a ser usado para anestesiar pacientes no século 19: o Dr. James Esdaile (1808-1859), como médico da British East India Company, realizou importantes intervenções cirúrgicas durante a guerra na Índia, inclusive 19 amputações (não existia anestesia na época) apenas sob o efeito da anestesia mesmérica, depois entendida como hipnose.

Samuel Hahnemann (1755-1843) e Allan Kardec, pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), foram adeptos do tratamento magnético antes de aderirem aos espíritas da época. A própria hipnose foi modismo, sendo a solução para tudo, prometendo cura. Igual à acupuntura atual: foi apregoado que na China eram realizadas cirurgias só com acupuntura. Assim como o toque dos imãs, consegue-se efeito espetando agulhas finas. Muitos paralelos das explicações unem as duas: energias desbloqueadas pelo agente magnético ou agulhadas. [...]

Como especialidade, a acupuntura é peculiar, pois não tem bases científicas. Não se aprende em fisiologia, anatomia, farmacologia ou patologia. Não tem nenhuma relação com a medicina interna ou a cirurgia. Apenas se descobrem seus princípios e alegações em literatura esotérica e mística. Estas são as conseqüências de usarmos abordagens baseadas em meios irracionais de tratamento. Fundamentado em pensamento mágico de energias imaginárias, acúmulos não-demonstrados, tóxicos não-detectados. A isto se opõe a moderna medicina científica, que finca sua intervenção em medicina baseada em evidências (eficácia).

(Paulo Bandarra, no Observatório da Imprensa)

Nota: Ellen White, cujos conselhos de mais um século vêm sendo confirmados pela ciência médica, escreveu: "Quando em fé o instrumento humano faz tudo que pode para combater as enfermidades, usando os métodos simples de tratamento que Deus proveu, seus esforços serão abençoados por Deus" (Conselhos Sobre o Regime Alimentar, pág. 25). E que métodos simples são esses? Ela mesma responde:

"Existem muitos meios de praticar a arte de curar [a acupuntura, inclusive], mas só existe um meio que o Céu aprova. Os remédios de Deus são os simples agentes da natureza que não sobrecarreguem nem debilitem o organismo por causa de suas propriedades enérgicas. O ar e a água puros, o asseio, o regime alimentar apropriado, a pureza de vida, e a firme confiança em Deus são remédios por cuja falta milhares estão a perecer" (Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 287).