sexta-feira, maio 09, 2008

Tendências para o futuro

O casal de futurólogos Alvin e Heidi Toffler, autores de vários livros sobre tendências, esteve na semana passada em Portugal para uma conferência organizada pela Ordem dos Biólogos. A biotecnologia, disseram, vai ajudar a transformar a sociedade e a economia.

A que ponto vai a biotecnologia moldar o futuro?

Alvin Toffler: A biotecnologia é muito importante. É parte de uma quarta onda. Mas não é a única tecnologia do futuro. Terá que ser combinada com a nanotecnologia e com a tecnologia no espaço para conseguirmos dar grandes saltos. Muitas pessoas não sabem que quando usam o multibanco, ou quando vêem televisão, estão de fato dependentes de tecnologia que está no espaço. Muitos pensam que o espaço não é importante, que é uma brincadeira, ou que é um assunto militar. Mas não é. É o início de uma parte fundamental da economia do futuro.

Em que áreas pode a biotecnologia ter mais impacto?

Heidi Toffler: Todos os países hoje têm problemas com a saúde. A genética está a ajudar a resolver muitos desses problemas. Hoje sabemos que muitas das doenças que julgávamos serem causadas por vírus ou bactéria têm afinal uma base genética. Se conhecermos os genes que herdamos podemos intervir e, até certo ponto, mudar o nosso estilo de vida para nos tornarmos menos suscetíveis às doenças.

Os cientistas prevêem que as populações do mundo que estão envelhecendo serão muito caras, devido a doenças como diabetes ou Alzheimer. Ainda não sabemos exatamente quais as consequências disso para a economia e para a sociedade, mas serão enormes.

A biotecnologia será característica de uma quarta onda. Isso quer dizer que já estamos na terceira onda que descreveram no livro de vocês?

Alvin: Não. Estamos no limiar da mudança, que vai demorar provavelmente uma geração.

Heidi: Um dos exemplos são os jornais. Os jornais estão assistindo a um declínio da publicidade, que está indo para a internet. Isso é um desenvolvimento típico da terceira onda. E a transição é o que está causando o problema. Ainda não sabemos como nos adaptar a essas mudanças.

Alvin: Enquanto alguém que adora a imprensa e que fica coberto de tinta preta todos os dias ao pequeno almoço e que escreveu para jornais, acho triste que a imprensa vai de fato...

Heidi: Nós não concebemos comprar uma máquina para onde possamos descarregar as notícias. Ainda gostamos de jornais. Somos da geração errada, não lemos notícias na internet.

Alvin: Mas não vamos gostar dos jornais para sempre. Eu leio todos os dias, durante horas, pelo menos três jornais. Mas me pergunto: "Por que não leio na tela?", como fazem muitos jovens. A resposta é que não quero estar sentado em frente à tela. O fim do jornal acontecerá quando o papel for eletrônico, quando o pudermos dobrar, virar e pôr no colo. O jornal é uma invenção fantástica da segunda onda. Mas aquilo que faz é dar a todos a mesma informação. Não é personalizado.

Defendem que a personalização é uma das grandes mudanças do futuro próximo. Mas não haverá sempre produtos que precisam ser fabricados em massa?

Heidi: Com a ajuda dos computadores, os produtos poderão ser todos personalizados...

Alvin: Os diferentes produtos vão fazer a transição para a personalização a velocidades diferentes. Nem tudo terá forçosamente que ser feito à medida de cada um. Mas se alguém quiser algo à medida, poderá tê-lo. Estamos passando da produção em massa para a desmassificação. Essa desmassificação está começando a acontecer em vários setores da sociedade.

A internet está ajudando esse fenómeno. As pessoas juntam-se online em grupos de interesses muito específicos. Isso tem tido efeitos na comunicação de massa e na política, por exemplo. Numa entrevista em 1998, o professor Toffler mostrou-se cético quanto às comunidades online. Mantém essa posição?

Alvin: Não sou cético. As comunidades virtuais existem. É possível criar grupos online para todo o tipo de finalidades. São pessoas que nunca estiveram fisicamente na mesma sala, mas que se organizam. A questão é saber se essa organização pode ser transposta da tela do computador para outro nível, de forma a criar um movimento. Por exemplo, um movimento político. É possível criar um partido político online. Mas se quisermos fazer uma marcha... Bem, podemos marchar na tela, mas se queremos que as pessoas nos prestem atenção, temos que marchar à porta da casa delas.

Será que podemos transferir um movimento político, ou de outro gênero, de um espaço virtual e criar a mesma coisa no terreno, face a face? Acho que é muito difícil. Na internet, é possível juntar pessoas de todo o mundo, mas elas não vão do Japão ou da Coreia para participar numa marcha em Washington...

É possível fazer isso em algumas escalas. Todos os candidatos à presidência americana apostaram numa forte presença online. Barack Obama tem sido bem-sucedido em usar a internet para motivar os jovens. Não é um exemplo de que os movimentos online podem passar para o mundo offline?

Heidi: Sim, mas ele continua a ter que ir a cada Estado falar com as pessoas.

Alvin: Penso que virá o dia em que teremos online uma experiência que será muito próxima da interacção humana...

Heidi: Vai continuar precisando de contato face a face! Isso não pode ser substituído. Eu não me imagino sentada em casa com o Second Life como um substituto para a minha própria vida. É preciso ter uma vida muito ruim para querermos ter um substituto artificial. Até certo ponto, é triste que haja pessoas que gastem a vida assim. O que é a vida deles?

As comunidades que se formam online são novas formas de associação. Poderão vir a substituir outras formas de associação, como as religiões ou simplesmente grupos de vizinhos?

Alvin: Suspeito que vamos assistir ao nascimento de novas e estranhas religiões. Já há muitas religiões no mundo. Mas temos espaço para muitas mais. Pequenos grupos, e isso já aconteceu, podem criar novas versões de religiões já existentes, ou então religiões completamente novas. E há partes de religiões existentes que vão autonomizar-se. Podemos chamar-lhes quase-religiões.

Heidi: Pessoalmente, não me interessa o que as religiões fazem. Podem existir todos os grupos religiosos que quiserem, desde que não influenciem a política.

Essa influência existe, nomeadamente nos EUA...

Alvin: Aconteceu durante a última administração...

Heidi: E isso é um grande problema!

Alvin: As igrejas fundamentalistas têm sido muito ativas politicamente...

Heidi: E decidem quem é nomeado para o Supremo Tribunal e, portanto, decidem as leis que influenciam a minha vida. Um dos elementos-chave nestas primárias é que os grupos da direita religiosa perderam poder. [Mike] Huckabee é o único que representa a direita religiosa.

Alvin: Vamos votar em Obama. Não por causa do que ele promete. Os candidatos fazem promessas, mas a verdade é que é impossível para eles cumprir as promessas que fazem. Vamos votar nele porque é um bom sinal para o mundo que a América tenha um presidente negro. E é um candidato inteligente.

(Publico.pt)

Colaboração: Antonio M. Barradas