quinta-feira, junho 19, 2008

Se todos fossem vegetarianos...

A revista Época de 12/06 traz uma entrevista com Paul Roberts, autor do livro The End of Food (O Fim da Comida). Roberts, que é jornalista especializado em economia, tecnologia e meio ambiente, prevê que, até 2050, a demanda por comida ultrapassará a oferta. Um primeiro alerta seria a atual explosão do preço dos alimentos. Leia alguns trechos da entrevista:

Malthus estava certo?

Após 200 anos, é cada vez mais difícil dizer “não” a essa pergunta. Continuamos desenvolvendo novas tecnologias para produzir mais comida, mas enfrentamos novas restrições que os fazendeiros do passado não tinham. Historicamente, a forma de aumentar a produção era expandir a área plantada. Isso é cada vez mais difícil. A maioria das terras aráveis do planeta já é usada e a maior parte do que resta são as últimas florestas. É o caso do Brasil, onde as novas áreas de plantio são obtidas à custa da derrubada de florestas.

O que fazer?

Há três grandes desafios para criar uma Segunda Revolução Verde. O primeiro é o aumento do preço do gás natural, o principal insumo na produção de nitrogênio sintético, que por sua vez é o maior insumo dos fertilizantes. A maior parte do excedente agrícola atual se deve à disponibilidade de nitrogênio barato. Se o preço dos fertilizantes se mantiver elevado, alimentar daqui a 50 anos outros 4 bilhões de pessoas, além dos 6,6 bilhões atuais, será um tremendo desafio. É preciso alternativas para produzir novos fertilizantes.

O segundo desafio é...

A falta d’água. Para isso não existe alternativa. Não há continente onde não falte água. Cada país responde ao desafio de forma diferente. A China está substituindo a produção de grãos, que usa irrigação maciça, pela de frutas e verduras, que consome menos água. Em 2007, importou 30 milhões de toneladas de soja, boa parte oriunda do Brasil. Isso significa que a China está importando de vocês sua água. Está ocorrendo uma mudança no “mercado virtual” de água. Por algum tempo, isso deve contrabalançar a escassez. Mas, no fim das contas, não existe água suficiente no mundo para atender ao aumento projetado na demanda de alimentos.

E o terceiro?

O último é o maior de todos: as mudanças climáticas. Elas vão dificultar o aumento na produção de comida e acentuar a escassez de água. A alteração do clima também será um desafio para que grandes exportadores, como os Estados Unidos e o Canadá, consigam elevar sua produção. Os desafios são complexos e as respostas para eles também. Será preciso reduzir o uso de energia e de água na agricultura, ao mesmo tempo que se elevam a eficiência e a produtividade. Porém, isso não será o bastante. Seremos obrigados a comer menos.

A Terra pode alimentar 2,5 bilhões de bocas com uma dieta ocidental, rica em carne, ou 20 bilhões de vegetarianos. Mas somos 6,6 bilhões...

A pecuária e a avicultura consomem grande parte da produção de grãos. Tome o exemplo dos Estados Unidos, com um consumo anual per capita de 100 quilos de carne, comparado ao da Índia, com 15 quilos. É preciso elevar o consumo da Índia e desencorajar o consumo nos Estados Unidos e na Europa, para tentar atingir uma média global de consumo mais justa e sustentável.

Isso não é utopia?

É preciso reduzir o consumo de carne. A questão é como fazê-lo. Nos Estados Unidos não se toca no assunto. Achamos que comer carne é um direito eterno. Seu consumo é considerado um índice de prosperidade – apesar dos problemas de saúde, como doenças cardíacas, que seu consumo acarreta.

No Brasil, é a mesma coisa.

O Brasil está se desenvolvendo, e a lógica pressupõe que num país bem-sucedido come-se tanta carne quanto se deseja. Para inverter essa lógica, é preciso um líder corajoso e habilidoso. Essa não é uma prioridade dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos. Cedo ou tarde, essa discussão terá de ser atacada.