segunda-feira, junho 23, 2008

Veja: a porta-voz do naturalismo filosófico

Não é novidade a falta de critério de algumas publicações quando o assunto é a controvérsia entre o Cristianismo e a Ciência Naturalista.[1] O que avulta é o destaque que as reportagens sobre essa controvérsia (que, mormente, são tendenciosas a favor de uma concepção evolucionista de origem da vida) vêm ganhando. A revista Veja, que já teve diversas reportagens contestadas por criacionistas e proponentes do design inteligente, abre mão da objetividade e do dever de informar para aumentar os preconceitos existentes em relação aos postulados tanto do Criacionismo (de viés filosófico) quanto do Design Inteligente (de caráter científico)[2], quando dedica, em sua última edição, diversas páginas a promover deliberadamente o avanço da ciência como estando próximo de prover uma explicação definitiva da origem da vida.

Iremos discutir, de forma sucinta, algumas declarações feitas no primeiro dos artigos públicados pela Veja, intitulado “No início era…”[3] O próprio título evoca a expressão que abre o livro bíblico de Gênesis. Adiante, complementando a frase, o articulista segue de forma presunçosa: "...um ponto minúsculo que concentrava toda energia do cosmo. Tentar entender como daí nasceu o Universo levou a humanidade à sua mais extraordinária aventura intelectual, que chega ao ápice neste mês."[4]

A forma de apresentar os pressupostos científicos sem qualquer questionamento, como se fossem verdade comprovada e inquestionável, desconsidera o que o físico brasileiro Marcelo Gleiser já fez notar, quando afirmou: "Um dos meus objetivos é aproximar da nossa vida a ciência, mostrando como ela é produto do ambiente cultural e emocional em que é criada."[5] Em outros termos: assim como os demais ramos do conhecimento humano, a ciência também é afetada pelos pressupostos dos que estão envolvidos com suas atividades. No caso da prática científica atual, qual seria então a visão que lhe alicerça? O próprio Gleiser responde: "Sendo uma fiel herdeira do monismo grego, a ciência também almeja atingir um estado de perfeição racional, embora seja claro para os seus praticantes que a verdadeira perfeição é uma abstração impossível de ser atingida."[6]

Conforme o exposto por Gleiser, cai por terra a idéia de que a Ciência lida com conhecimento objetivo – ela também é afetada por pressupostos e preconceitos humanos. Se fossem adotados outros pressupostos, a direção das pesquisas feitas e os próprios resultados seriam drasticamente outros. O polêmico Michael Behe sentencia: "...O compromisso filosófico de alguns indivíduos com o princípio de que nada existe além da natureza não deve ter permissão de interferir em uma teoria que flui naturalmente de dados científicos observáveis. Os direitos dessas pessoas de evitar uma conclusão sobrenatural devem ser escrupulosamente respeitados, mas tampouco se deve admitir que sua aversão ao transcendente tenha o caráter de decisão final."[7]

De forma contrassensual, a reportagem de Veja vai introduzindo questionamentos que lembram os que o DI costuma levantar: "Que forças calibraram o ritmo de expansão do Big Bang para que a Terra se acomodasse justamente na terceira órbita desse sol generoso e estável? Ninguém sabe ao certo."[8] É pura e simplesmente uma questão de cegueira voluntária deixar de reconhecer que dificilmente nosso planeta teria se estabelecido em sua localização atual por força de um acaso bem sucedido! Tal idéia é um desafio a qualquer lógica.

Na verdade, a reportagem não apresenta nada de novo, apenas repisa velhos preconceitos em nome de uma ótica tendenciosa, talvez porque polemizar ainda seja mais vendável do que apresentar responsável e imparcialmente os dois lados de um dos debates mais atuais que testemunhamos.

[1] Queremos deixar claro que não cremos em uma controvérsia natural entre Ciência e Religião, embora a mídia secular fomente a questão, alimentando uma chama fictícia. Há vários tipos de concepções religiosas, assim como várias acepções de ciência, o que a própria história do desenvolvimento e prática científica demonstra fartamente. O embate está entre as visões propostas pelo naturalismo científico e o cristianismo bíblico.
[2] Claro que entre o criacionismo e o DI há divergências; grosso modo, podem ser conciliados, como de fato alguns apologetas, cientistas e filósofos cristãos têm feito há décadas.
[3] Rafael Corrêa, “No início era…”, publicado na revista Veja, edição 2066, ano 41, nº 25, 25 de junho de 2008.
[4]Idem, p. 77.
[5] Marcelo Gleiser, O Fim da Terra e do Céu: o apocalipse na ciência e na religião (São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2001), p. 11.
[6] Idem, p.33. O filósofo Francis Bacon, séculos antes, fizera declaração muito próxima à de Gleiser: “As ciências que possuímos provieram em sua maior parte dos gregos. O que os escritores romanos, árabes ou os mais recentes acrescentaram não é de monta nem de muita importância; de qualquer modo está fundado sobre a base do que foi alimentado pelos gregos.” Coleção “Os pensadores - Francis Bacon: Novum Organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza”(São Paulo, SP: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1974), 2ª edição, p.40, axioma LXXI.
[7] Michael Behe, A Caixa Preta de Darwin (Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar editora1997), p.253.
[8] Corrêa, p. 79.

(Douglas Reis, Questão de Confiança)