segunda-feira, novembro 03, 2008

Uma trilogia histórica: Lincoln/Kennedy/Obama


4 de novembro é o dia de uma mudança histórica. Barak Obama é eleito como o primeiro presidente negro da história norte-americana. Um marco sem dúvida. Não é qualquer branco que conseguiria vencer a dupla máquina política da senadora Hillary Clinton e seu astuto marido o ex-presidente Bill Clinton. Nem tampouco a insidiosa e muitas vezes maldosa máquina política do partido Republicano. Essa maquinaria envolve a indústria de bebidas, bélica, do fumo, grandes corporações, setores conservadores da política e a temida direita religiosa. Jimmy Carter foi derrotado por ela e por isso não conseguiu a reeleição em 1980, e depois de oito anos do governo Reagan, M. Dukakis perdeu para Bush (pai), Al Gore perdeu para G.W. Bush, Kerry também.

Mas hoje não causará surpresa se Obama ganhar em cada um dos 50 Estados americanos. E é isso que acredito que vá acontecer. A vitória de Obama nasce de um processo histórico (vale lembrar que Arnaldo Jabor dizia isso sobre G.W. Bush). Segundo Jabor, Bush representava o auge da direita cristã que começara em 1980, com Reagan; que se apoiava num conservadorismo que desejava excluir os negros e pobres, usar a força como meio de grandeza e impor a religião, conforme os ditames da direita cristã. Desde Nixon, políticos republicanos têm usado argumentos divisivos e raciais para conseguir vitórias políticas e, assim, costumeiramente, colocaram-se contra as cotas raciais em universidades e locais de trabalho, contra imigrantes e a favor de guerras mundo afora, contra os direitos de privacidade, a favor de medidas duras contra o crime, mas sem projetos políticos de prevenção ao crime. Exploraram o ressentimento doentio daqueles que desejam uma sociedade desigual e sem liberdade, onde a força ilegítima decide em favor dos mais fortes. A favor de leis de cunho religioso, proibindo o controle de natalidade, entre outras. Também apóia-se no favorecimento exacerbado de grandes empresas e grandes ricaços que recebem fortes descontos de impostos, enquanto a maioria da população é atolada neles. Também a Suprema Corte conservadora atual, que vem sendo moldada desde 1980 e usa a magistratura para defender o racismo e a injustiça social. Tanta luta para sofrer tamanha queda!

Compreender o processo histórico de Bush é importante pois se pode ver que um tremendo esquema político, econômico, mesclado com religião desmorona-se, mesmo tendo tremendas forças a seu favor e o apoio da mídia. Mas é um processo ilegítimo pelos motivos citados no parágrafo acima.

No caso de Obama, vê-se um processo histórico diferente. Obama explorou sua própria trajetória. A trajetória de um menino negro, criado por uma mãe branca e pobre e, noutro momento, criado pelos avós brancos, forçado a mudar-se de país e envolver-se com outras culturas. Mas esse menino negro, graças às lutas do movimento civil negro dos anos 1960, conseguiu estudar sem sofrer preconceito legal em escolas com imensa maioria branca. Chegou a universidades top como Harvard. Lá seu destaque foi tamanho a ponto de ser o primeiro negro a dirigir a revista universitária do curso de Direito.

Tudo o que se refere à sua trajetória é caracterizado pelo brilho da força que não aceita derrota; e que usa forças legítimas para a vitória. Forças que envolveram, acima de tudo, a fraternidade com pessoas diferentes. Para isso, devemos olhar para antes de Obama e com certeza veremos um resultado pós-Obama daqui a alguns anos.

Em encruzilhadas históricas, apareceram homens para o momento decisivo. Esses homens muitas vezes foram contra a corrente de seu tempo e mostraram-se capazes de lutar por causas que ao longo dos anos provaram-se acertadas e, acima de tudo, éticas. Vale aqui observar as semelhanças entre os três presidentes.

Lincoln perdeu uma eleição por ser contra a guerra do México. Kennedy era contra a guerra do Vietnã. Robert Kennedy, quando candidato, fez sua principal plataforma contra a mesma guerra do Vietnã. Obama posicionou-se contra a guerra do Iraque quando Bush estourava em popularidade por causa dessa guerra.

Lincoln acabou envolvendo-se numa guerra para combater a escravidão. Os irmãos Kennedy lutaram frontalmente contra o racismo legal. À época do assassinado de JFK, sua popularidade era de cerca de 25% apenas, por causa de sua postura anti-racista. Obama colhe os frutos desse processo, pois nos anos 1960 era proibido um negro filiar-se ao Partido Democrata. Hoje os negros fazem parte sólida de sua base política e há negros nos altos escalões da política e economia no país.

Lincoln era terminantemente contra a mistura Igreja-Estado. Por meio dele o congresso promulgou uma lei proibindo terminantemente relações políticas com igrejas e com o Vaticano. Kennedy é considerado pelos estudiosos e historiadores como impecável nesse quesito e quando disse: “Minha postura e a postura de Lincoln sobre este tema (Igreja-Estado) são idênticas.” Pelos seus anos de política provou ser verdade. E Obama? Veja trechos de um discurso dele sobre esse tema:

“Considerando a grande diversidade da América, os perigos do sectarismo são maiores do que nunca.” “Nós não somos mais uma nação cristã. Isto não é justo. Somos também uma nação judaica, uma nação muçulmana, uma nação indu, e uma nação de pessoas irreligiosas.” “Se expulsarmos todos os não-cristãos da América, qual cristianismo haveríamos de ensinar.” “A democracia exige que as motivações religiosas traduzam suas prioridades em valores universais, ao invés de fazê-lo em valores especificamente religiosos.” “Política envolve persuadir a todos dentro de uma realidade comum daquilo que é possível.”

Lincoln enfrentou uma guerra contra o sul racista que fundava outro país, com outras prioridades e leis totalmente contra a Constituição americana. Kennedy enfrentou essas leis e usou toda a máquina federal para desmantelá-las. Obama consegue agora uma vitória que até o ano passado era inimaginável. Há 50 anos não houve um presidenciável democrata branco que conseguisse ganhar maioria dos votos na Virgínia, Estado central das forças da Confederação do Sul. Mas Obama (um presidenciável democrata negro) está ganhando estourado por lá, mesmo em cidades que erguem a bandeira americana e a bandeira confederada ao lado; mesmo depois de dizer em um discurso que “muitas pessoas de mentalidade atrasada buscam resolver seus problemas apoiando-se na religião e nas armas”. Fato que foi repetido sem parar pelos seus inimigos políticos.

Lincoln e Kennedy ganharam vitórias apertadas tendo o voto negro; a vitória de Obama é incontestável e folgada tendo uma imensa massa do voto branco e jovem, principalmente. E volto a dizer: Obama ganhará em cada um dos 50 Estados americanos.

Jonh Kennedy recebeu o apoio do pastor negro Martin Luther King Jr.; Obama, de Carolyn Kennedy, filha do assassinado presidente – o que o circundou com uma aura de grandeza, pois Carolyn nunca se manifestou politicamente desde a morte de seu pai, em 1964.

Jonh Kennedy e Jaqueline formavam um charmoso e jovem casal quando ele assumiu a presidência; o mesmo se podia dizer do seu irmão Robert e o mesmo se pode dizer de Obama. Os Obama formam um simpático e belo casal para ocupar a Casa Branca.

E o financiamento de campanha? Aí você tem um aspecto questionável tanto em Kennedy como em Obama. Kennedy teve como grande financiador seu pai, um milionário que chegou à fortuna pelo tráfico de álcool na época da lei seca. Um dos financiadores de Obama é Bill Ayers (se bem que a maior parte do caixa da campanha venha de doadores pequenos via internet), hoje respeitado professor universitário em Chicago, mas nos anos 1960 um terrorista que explodiu espaços públicos e fez a famosa declaração: “A única coisa errada é que eu não bombei mais.”

Assim como os Kennedy, Obama tem uma capacidade comunicativa extraordinária e é capaz de cativar as pessoas pela aparência e pelos discursos. Assim como nos anos 1960 os Kennedy cativavam o público num novo meio de transmissão chamado TV, Obama vem cativando pela TV e pela internet.

Lincoln foi assassinado, assim como os irmãos Kennedy. Espero que o mesmo não ocorra com Obama.

O jornalista da Folha, Paulo Sotero, em entrevista no canal Globo News (1º/11), disse que o que cativa em Obama é que ele é genuíno naquilo que fala. Essa surpresa o faz equivaler a Kennedy; a superar, e muito, Ronald Reagan – sendo que este último recebeu o apelido de o Grande Comunicador, mas sua mensagem demonstrou-se vazia, pois suas políticas não surtiram o efeito de melhora significativa do país.

Perguntava-se desde 1968 o que seria dos sonhos de fraternidade entre as raças expressos pelo pastor Martin Luther King Jr. no famoso discurso de Washington: “I have a dream” (eu tenho um sonho). Hoje um homem negro sobe ao poder e é julgado exclusivamente pelo seu caráter e não pela sua raça. O sonho de King hoje é real? O que Obama fará dele?

Jonh Kennedy disse: “Vamos pagar qualquer preço, suportar qualquer dificuldade, enfrentar qualquer desafio, apoiar qualquer amigo, enfrentar qualquer inimigo para assegurar a vitória da liberdade.”

Depois de um caminho tão espinhoso que em séculos significou até mesmo assassinatos de presidentes, pastores e outros cidadãos; que culmina com a vitória de Obama; o que virá depois?

Talvez os obamistas (como eu) tenham muito a comemorar, mas essa vitória coroa as lutas e decepções de outros heróis que nunca viram em vida serem realizados seus sonhos.

Como será o Presidente Obama? O que será dos gritos dos universitários que o apoiavam com as palavras “We will change”? Poderá ele, embasado na legitimidade democrática dizer: “I will change”? Conseguirá ele mostrar que num governo democrático é possível efetuar grandes mudanças? Até quando durarão os sucessos de um presidente Obama?

Pelo menos por um momento podemos gritar: “We will change!”

(Silvio Motta Costa é professor em Campinas, SP)

Nota: Pelo carisma que Obama tem (até mesmo em setores islâmicos), quem sabe não será ele quem vai recuperar a América dos arranhões feitos pelos Bush e recolocar a locomotiva norte-americana em seus trilhos de liderança global, cumprindo finalmente a profecia de Apocalipse 13?[MB]