sexta-feira, agosto 14, 2009

A condição humana, segundo Dráuzio Varella

No dia 9 de maio, a Folha de S. Paulo publicou o artigo “A condição humana”, do Dr. Dráuzio Varella. Com todo respeito ao médico que faz grande trabalho de conscientização na área de saúde, o texto é mais um panfleto darwinista que de vez em quando ele espalha na mídia. Confira alguns trechos, com meus comentários entre colchetes:

“Os chimpanzés e nós descendemos de um mesmo ancestral que viveu até 6 milhões de anos atrás, época em que divergirmos deles, geneticamente. Somos tão próximos, que seríamos considerados seres da mesma espécie, caso adotássemos para os primatas os mesmos critérios usados para classificar os pássaros, por exemplo. O fato de compartilharmos cerca de 99% dos genes [isso é contestável... confira aqui, aqui e aqui] não é de surpreender, dadas a existência do ancestral comum e as semelhanças de aparência física, constituição bioquímica e até de relacionamento social.”

[O segundo argumento – das semelhanças de aparência física, constituição bioquímica e de relacionamento social – é factual e observável, e explica bem por que há tantas semelhanças genômicas entre humanos e símios. Mas a hipótese do ancestral comum é apenas imaginação e extrapolação com base na observação. Não há provas disso. Seria mais ou menos como dizer que um velocípede é o ancestral de uma Harley-Davidson pelo fato de possuir rodas e outras similitudes. Na verdade, essas semelhanças podem ser interpretadas como marcas de um mesmo designer. O Criador não precisaria usar múltiplas linhas para despachar trens diferentes.]

“O que intriga [prossegue o Dr. Dráuzio] é como 1% de diferença basta para explicar porque eles dormem em árvores, enquanto nós construímos cidades. ... A conclusão é que as diferenças se acham confinadas em trechos de DNA formados por apenas 15 milhões de bases. Nesses estudos começam a emergir alguns genes, reunidos em uma revisão escrita por Katherine Pollard, da Universidade da Califórnia, na revista Scientific American. O primeiro deles foi HAR1, gene ativo em alguns neurônios cerebrais. Esse gene é encontrado em todos os vertebrados, mas em galinhas e chimpanzés (espécies que divergiram há 300 milhões de anos [sic]) as diferenças são mínimas: cerca de 2%. Já entre nós e os chimpanzés (espécies que divergiram há 6 milhões de anos [sic]) elas ultrapassam 10%. HAR1 é um gene ativo num tipo de neurônio essencial para o desenvolvimento do córtex cerebral, a camada mais externa do cérebro, cheia de reentrâncias e saliências, nas quais se acham entranhadas as atividades cognitivas que nos permitem compor sinfonias. Quando HAR1 sofre mutações podem surgir doenças congênitas eventualmente fatais, como a lisencefalia, enfermidade na qual a parte externa do cérebro fica lisa, sem as reentrâncias e saliências características do córtex humano.”

[Note bem: quando sofre mutação, o gene não funciona direito e pode levar a pessoa à morte. Ele teve que surgir perfeito para dar vantagem aos seres humanos sobre outros seres vivos e funcionar bem desde o princípio. Isso apenas confirma que a informação genética era maior no passado e que, quando um gene sofre mutação, há perda e não ganho.]

“Outro gene que mostrou diferenças significativas com o similar em chimpanzés foi FOXP2, envolvido numa das mais importantes características humanas: o domínio da linguagem. Quando ocorrem mutações em FOXP2 as crianças perdem a capacidade de executar determinados movimentos faciais necessários para a articulação da palavra. Mas, o que distingue a fala humana das vocalizações empregadas na comunicação entre outros animais não são simplesmente as características do aparelho fonador, mas o tamanho do cérebro. Nos últimos 6 milhões de anos, o volume de nosso cérebro mais do que triplicou [como?]. Um dos genes envolvidos nesse processo é ASPM, que, quando defeituoso, leva à condição congênita conhecida como microcefalia, na qual o cérebro chega a ficar reduzido a 70% de seu volume.”

[Outra vez vemos as mutações sendo deletérias, deformando algo que a princípio funcionava bem. É fácil dizer que a fala “evoluiu”; difícil é explicar como todos os componentes necessários à articulação vocal das ideias evoluíram praticamente ao mesmo tempo, interconectados para garantir o funcionamento da tremenda capacidade de comunicação de que são dotados os seres humanos. Alguns desses componentes, como neurônios especializados na fala, seriam inúteis até que um sistema fonador apropriado “emergisse”. Por outro lado, tal sistema também seria inútil sem os neurônios específicos para coordená-lo.]

“Nem todas as características unicamente humanas se acham restritas ao cérebro, no entanto. A conquista do fogo há 1 milhão de anos e a da agricultura há 10 mil anos criaram oportunidades de acesso farto aos carboidratos. As calorias disponíveis nesses alimentos só puderam ser aproveitadas porque no genoma humano surgiram múltiplas cópias do gene AMY1, responsável pela produção de amilase na saliva, enzima essencial para a digestão dos açúcares. Outro exemplo é o gene LCT, responsável pela produção da lactase, enzima encarregada da digestão da lactose, o açúcar do leite que os mamíferos digerem bem apenas na infância. Mutações no genoma humano, ocorridas há 9 mil anos, produziram versões de LCT que tornaram possível a digestão de leite também na vida adulta, ampliando as possibilidades de sobrevivência em tempos de penúria.”

[A pergunta é simplista, admito, mas aí vai: Por que, em todos esses milhões de anos, outros símios não desenvolveram capacidades e habilidades similares ou superiores às nossas? Só porque nós temos acesso fácil a carboidratos e leite e podemos digeri-los facilmente? Não sei, não...]

E Dráuzio conclui: “Descobrir a estrutura e as funções desses e de outros genes com mutações exclusivas da espécie humana, ocorridas ao acaso e submetidas ao crivo da seleção natural através da competição pela sobrevivência [sic], permitirá conhecer a organização das moléculas que deram origem à condição humana. Não é mais instigante do que aceitar a ideia de que o homem seria fruto de um sopro divino e a mulher criada a partir de sua costela?”

[Para um ateu, o Dr. Dráuzio revela fé que supera a de muitos religiosos. Ele acredita que a organização supercomplexa e específica das moléculas é fruto do acaso cego e da seleção natural. Não, doutor, essa ideia não é mais instigante que o relato de Moisés no Gênesis. É apenas mais carente de fé para ser crida. E fé é uma condição bem humana que, se não dirigida para o objeto certo, deriva em sandices ilógicas como o ultradarwinismo. – MB]

Leia também: "Somos 'macacos-pelados'?" e "O que nos faz humanos"