terça-feira, setembro 22, 2009

Projeto Atlanta 2010: as vacas

Depois do susto com as serpentes no primeiro dia de viagem, acordei neste 15 de agosto, quinta-feira, disposto a conquistar meu alvo: Atlanta. Faltam “apenas” 13.650 km.

Viajando em media 20 km/h, 100 km por dia, parece faltar uma eternidade. E falta mesmo, porém, sobra fé de que alcançarei. Acredito que minha ajuda principal vem do Céu. Ter escapado da serpente é uma prova. Pedalar 100 km sob um sol de uns 40 graus e subindo montanhas é outro. Suportar o peso angustiante da saudade é ainda outro. Viver todo momento escapando da morte e grato sempre pela luz de um novo dia; outro. Tenho percebido que Deus está aqui. Não fico um minuto só. Ele é minha sombra. Enquanto durmo, Ele não cochila, para me salvar de perigos que nem mesmo posso ver.

Por isso, vou prosseguindo. Estou no segundo dia desta maratona. Tenho ainda intermináveis dias, porém, sinto o gosto aromático, agradável e restaurador da vitória. Isto tão-somente porque sei em quem tenho crido. O que está diante de mim não falha. Nunca perdeu uma batalha. Ele é o Senhor dos Exércitos. Esse é o que vai adiante de mim. Por isso e tanto mais, serei vencedor. Venha comigo para os Estados Unidos por meio destas linhas. Seja um vitorioso em nome de Jesus Cristo!

O Rei do Universo é meu Pai. Sou herdeiro de tudo que meus olhos contemplam, minhas mãos tocam, meus ouvidos escutam e meus pés pisam. O que não posso ver, também não posso tocar, nem pode passar pela minha mente ou coração, é o que Deus ainda tem reservado para mim. Todavia, necessito servi-Lo, enquanto humano mortal, para tomar posse dessas promessas.

Ir aos Estados Unidos correndo, pedalando, pregando e exaltando o nome grandioso do meu Deus é uma maneira de agradecer essa herança. É maravilhoso receber as bênçãos do Céu. Quero vencer pela força, coragem, garra e extrema determinação. Não posso me enganar e você também: saiba que os covardes não entrarão nos portais da Terra Santa.

Por tudo isso (e acho pouco o que digo), é que prossigo nesta maratona de fé. Posso falar em “fé” porque não consegui quem patrocinasse esta jornada e arranquei na certeza de que Deus iria prover tudo de que necessito. Assim mesmo, Ele fez. Estou montado na “gorducha”, a Atlanta. Tenho alguns trocados para os primeiros dias. Tenho roupa para vestir. Calçado nos pés. Uma Bíblia, passaporte e identidade. Levo pouca coisa, mas tenho o coração abarrotado de esperança e certeza de que alcançarei meu alvo. Estou feliz porque sei que uma vida sem sonhos não merece ser vivida. Quando deixar de sonhar, sei que estarei na curva descendente dos meus dias. É por isso que tenho 49 anos e a disposição de um menino.

As rodas da Atlanta giram suavemente pela BR-174. O alvo hoje é chegar a Pacaraima, cidade divisa com Santa Helena de Uairém, na Venezuela. Neste segundo dia, já me sinto integrado à natureza local. Sou parte dela. Ela me encanta e me deixa deslumbrado. Ver as coisas ao redor a 20 km/h é muito mais agradável do que a 80 ou 100 km, em um carro, caminhão, moto ou ônibus. Até onde a vista alcança tudo é belo. Até o vento daqui é “bonito”. Ele me abraça e me envolve com um manto de frescor, aliviando de vez em quando o calor ardente da pista asfaltada. São quase 13h da tarde e não me apareceu outro “paraíso de serpentes” para poder refrescar a pele. Necessito com urgência encontrar um lugar onde aliviar um pouco o calor forte do sol que me queima. Uns dez minutos sob uma árvore será suficiente. Ligo meu radar da fé e permito que os céus saibam dessa necessidade por meio de breve oração. Ao estender a vista ao longe, não vejo uma árvore frondosa e sim uma caminhonete parada. Quando me aproximo dela, desce um homem. Está sozinho e, mesmo distante, noto um olhar estranho para minha “gorducha”. Depois do carro tem uma curva. Resolvo passar por ele em velocidade máxima e com a ideia de após a curva achar um lugar onde me esconder.

Assim, acho que estou a uns 40 km/h quando passo pelo estranho. Faço a curva e imediatamente avisto a uns 200 metros algumas arvores formando um bosque espesso. Deixo a pista e rapidamente me enfio por entre os galhos mais fechados. Logo que entro, aparece uma baixada e ali me deixo envolver por seus galhos e me deito, colocando a Atlanta ao meu lado. A seguir, passa a caminhonete e, sem perceber para onde fui, o condutor resolve continuar seu caminho. Caso estivesse com alguma intenção maligna, teria algum trabalho para me localizar.

Depois de alguns minutos, quando senti ter passado o perigo, relaxo e fecho os olhos. Estendo os músculos cansados sobre o chão frio daquele simples refúgio. No entanto, passado o perigo, logo me vejo cercado por outro, porque, de repente, me cercam umas dez vacas. Isto mesmo: dez novilhas se aproximam rápido e se postam a minha direita e esquerda. Tão perto que posso sentir o cheiro agradável de leite fresco e o aroma selvagem do campo. Os cascos se aproximam mais e mais e tenho que ficar imóvel. Um gesto brusco de minha parte pode assustá-las e, provavelmente, serei pisado, o que pode me deixar com sérias lesões.

Nao demora muito e descubro a razão por que me cercaram. É que sentiram o cheiro do sal em meu corpo e, então, passaram a me lamber por completo. Sinto as línguas ásperas em minhas pernas, nos braços, no pescoço. Uma tenta puxar um dos meus tênis e outra quer me lamber a barriga, nem que para isso deva primeiro comer a camiseta que lhe atrapalha. Fico nessa situação por cerca de meia hora. Acho que sou agora o primeiro homem no mundo a tomar banho de língua de vaca! Quem sabe ativa a circulação...

Depois de lamberem todo o sal da minha pele, uma delas olhou para alguma coisa do outro lado da pista e saiu bem devagar, sem me machucar. Ato que foi imitado pelas demais.

Levanto-me e, certo de que os anjos de Deus impediram qualquer ato mais danoso por parte das vacas, volto à estrada para continuar minha saga: hoje, 15 de agosto, chegar a Pacaraima. Jesus, muito obrigado por mais esse livramento.

Bom, vou em frente. Venha comigo porque Deus está aqui!

(George Silva de Souza, atleta e autor livro Conquistando o Brasil)