segunda-feira, novembro 23, 2009

Projeto Atlanta: Colômbia (parte 4)

Talvez você esteja muito impressionado com o que tenho passado nesta viagem até o momento. Este é o diário que chamo, por ora, de “Colômbia parte 4”. Certamente em meu livro ele terá outro nome e não será um simples resumo. Convido que você a que leia o que escrevi em Colômbia partes 1, 2 e 3 [é só clicar no marcador Projeto Atlanta, logo abaixo deste texto], para que entenda melhor o que vou contar a partir de agora. Antes de ingressar neste maravilhoso, belo e indomável país, recebi o seguinte aviso pessimista: você não terá como cruzar a Colômbia de bicicleta por dois motivos: (1) por causa das três cordilheiras e (2) por causa das forças paramilitares (guerrilheiros) que controlam certas regiões isoladas. Ou seja, disseram, se você tiver forças para vencer as montanhas, certamente será sequestrado nas regiões desertas do Golfo de Darién, próximo do Panamá.

Em realidade, os que não acreditavam em minhas condições físicas para ultrapassar as grandes cordilheiras pedalando, não entenderam o treinamento que fiz pelo Brasil, Uruguai e Paraguai. Sendo assim, louvo a Deus que tem renovado minhas forças e me ajudado a alcançar cada pico e bradar aos Céus grande grito de vitória.

Após chegar às principais cidades da Colômbia, como Bucaramanga, Bogotá e Medellin, sendo esta o ponto de partida para a última cordilheira, a Ocidental, os que duvidavam e me viam chegar pedalando a “gorducha” (minha bike), se admiravam e indagavam de onde me vem tanta força. A resposta os fazia entender vir de um poder sobrenatural, o que deixa evidente para todos a mão de Deus neste desafio.

Outros se perguntavam: Qual o Deus capaz de me livrar viajando sozinho por estradas quase sempre desertas em direção ao Panamá? A Rodovia Interamericana liga todos os países entre si, desde o Chile até a Colômbia, porém, é interrompida neste país pelo Golfo de Darién e só recomeça no Panamá. E acontece que viajo exatamente para essa zona, dominada pela guerrilha e onde esses paramilitares logram êxito em sequestrar cidadãos colombianos e estrangeiros, mantendo-os em cativeiros em troca de recursos para alimentar seu exército mercenário.

Desde que deixei Medellin e tomei o rumo de Turbo, uma pequena cidade portuária a noroeste da Colômbia, recebo constantes avisos de que estou em “zona vermelha”.

Um pastor me deu o seguinte conselho: “Durante a viagem, nas estradas, não fale com ninguém. Evite parar em lugares com grande número de pessoas. Não responda a muitas perguntas. Cumprimente a todos apenas com aceno de cabeça. Não deixe que percebam seu sotaque ao falar e descubram que é estrangeiro. Tenha muito, muito cuidado.”

Era nesse clima que eu viajava de Chigorodo para Apartado. Com o coração palpitante de preocupações. Grande alívio sentia ao encontrar um grupo de soldados do exército colombiano em patrulha. Passava sorrindo por eles e sabia que estava protegido por vários quilômetros enquanto durasse o raio de ação daquela milícia.

Estavam faltando apenas duas cidades para sair dessa zona vermelha: Apartado e Turbo.

Quando chegasse a Turbo, a viagem prosseguiria em barco até a primeira cidade do Panamá com estradas. Eram “apenas” 100 km, longos 100 km. Apartado já estava perto e as estradas não tinham mais grandes montanhas. Meu odômetro já passou dos 4.000 km. Completei essa marca após deixar Medellín, e só na Colômbia estou alcançando 1.450 km.

Por isso que hoje estou sentindo um certo e raro “cansaço” nas pernas. Não gosto de admitir que sinto isso, que é próprio de todos os mortais. Digo a mim mesmo que Deus tem me feito um “homem de ferro” para a execução deste ministério. Na verdade, não entendo, nem tampouco os irmãos que me recebem em suas casas, como tenho enfrentado tantas intempéries sem adoecer. Sol extremo, chuvas torrenciais, finas e garoas, ventos e tempestades, frio congelante. Tenho convivido com isso tudo, às vezes em um único dia...

Como hoje, em que estou um dia inteiro subindo serras. No fim da tarde, atinjo o pico, depois de 80 km. Neste dia já choveu, recebi rajadas de ventos frios, a poeira e o gás carbônico dos carros... Para ficar pior, cai a noite e ainda não enxergo as luzes da próxima cidade. E mais: após atingir a marca dos 4.000 km, na euforia da comemoração, em uma descida, a “gorducha” desliza em um banco de areia. A roda dianteira vira e trava e tomo uma queda desastrosa.

Por misericórdia de Deus não estava passando na hora nenhuma veículo e apenas sofri cortes no corpo, sem quebrar nenhum osso. Nessa queda, a primeira desta viagem, tive os seguintes danos: amassou o guidão dianteiro e o suporte da bagagem. E em meu corpo, as seguintes sequelas: dedo mindinho direito cortado, braço e antebraço direito com a pele rasgada, parte interna da coxa direita cortada e perfurada, perda de um pouco de sangue. Porém, dou graças a Deus por este milagre: nenhum osso foi quebrado ou fraturado, pois meu Pai sabe que com ossos danificados eu não poderia prosseguir a viagem.

Levanto e oro. Faço um check-up na “gorducha” e avanço. Vencendo todos estes sacrifícios, consigo chegar a Apartado. Após outros 30 km, chego finalmente à última cidade em que ainda há alguma estrada em direção ao Panamá, Turbo. Esta é a derradeira fronteira por terra na Colômbia. Penso que se até o momento, por uma bênção de Deus, as Farcs não puseram as mãos em mim, chegarei ao próximo país em paz e poderei continuar sonhando em pedalar pelas ruas da cidade sede da 59ª Conferência Geral dos adventistas do sétimo dia, em Atlanta, na Geórgia, Estados Unidos.

Acompanha-me nesta travessia estimada em 15.000 km uma bicicleta feita por grossos tubos de alumínio que tive a alegria de receber de presente da loja Mercadão das Bicicletas, na capital de Roraima, em Boa Vista, na Região Norte do Brasil. O apelido carinhoso dela é “gorducha”, exatamente por ser muito pesada. Levo ainda numa pequena mochila num bagageiro traseiro com duas calças de tactel uma camiseta, duas blusas, uma bermuda de nylon, uma capa de chuva e um boné. Tenho também um canivete, uma lanterna e um kit de remendos. Carrego à frente do guidão dianteiro outra mochila (menor que a traseira), contendo mapas, passaporte, identidade, câmara fotográfica, uma Bíblia pequena e uma “dispensa” para lanches (sacos plásticos impermeáveis). Tinha um capacete amarelo, mas o perdi.

Esse é o conjunto que arrancou do Brasil, rumo à conquista das três Américas. Sozinho, sem pai, sem mãe, sem irmãos, sem filho ou filha, sem esposa, sem amigos. Todavia, com Deus, com o Espírito Santo, com Jesus e com os anjos. Assim, viajo com um grande exército. Invisível, invencível e incontável exército. À frente dele, tenho o Comandante que jamais perdeu uma batalha, nem na Terra, nem no Céu ou em qualquer ponto do Universo: Jesus Cristo. Ele tem sido meu pai, minha mãe, meu irmão, minha filha, meu filho, minha esposa e meu maior amigo.

Quando estou cansado, Ele me restaura as forças. Quando estou triste, Ele me traz alegria. Quando estou angustiado, Ele desfaz meus problemas. Quando sinto solidão, Ele me faz sentir a presença dos Seus anjos. Quando a saudade sufoca o coração, Ele me faz entender que em breve nunca mais irei me separar de quem amo.

Eu e a “gorducha” somos dois peregrinos. Eu e a “gorducha” nos fizemos peregrinos. Somos peregrinos do Senhor. Somos representantes neste mundo escuro do Senhor da Luz e que também é o protagonista de sua redenção, através do sangue, suor e lágrimas vertidos na cruz do Calvário.

As cordilheiras já venci. As Farcs nem me viram. Por isso tenho dito que Deus está aqui. Eu sinto. Venha comigo para Atlanta e permita que o Todo-poderoso ilumine também sua existência.

(George Silva de Souza, atleta e autor livro Conquistando o Brasil)

Nota: O Atleta da Fé, George Silva, está enfrentando grandes dificuldades financeiras para prosseguir nessa missão esportivo-evangelística e precisa urgentemente fazer uma revisão na bicicleta. Ele não me pediu isso, mas eu convido: se você puder colaborar de alguma maneira, escreva para ele: georgepalestras@yahoo.com.br