terça-feira, dezembro 15, 2009

Atos falhos de um ateu

A linguagem pode dizer mais do que queremos, ou o contrário do que gostaríamos. Não temos controle absoluto sobre o que falamos e escrevemos. Aliás, não temos controle absoluto sobre nada. Vamos administrando nossas palavras dentro das possibilidades. Ler bem consiste em superar a "leitura deslizante ou horizontal", como explicava o filósofo espanhol Ortega y Gasset, substituindo-a pela "leitura vertical, a imersão no pequeno abismo que é cada palavra, fértil mergulho sem escafandro". Tudo o que lemos pode e deve passar por esse crivo. É preciso ter fôlego, manter a mente alerta e aberta, tornar-se leitor das entrelinhas, intérprete, para que as informações não se tornem "enformações" (aprisionamento em fôrmas) e as opiniões e crenças dos que têm acesso a espaços da mídia sejam ocasião para pensarmos por conta própria (como se fosse legítimo pensar um pensar "por conta alheia"!).

Um dos desafios do físico Marcelo Gleiser, articulista da Folha de S.Paulo, tem sido traduzir em linguagem compreensível para o leitor comum (e vem realizando esta tarefa de divulgação com maestria), princípios e conceitos científicos. O risco está em desdizer com o texto, por força da simplificação didática, aquilo em que pensa.

Embora não seja cientista ateu radical (aquele tipo de ateu que se torna tão ou mais intolerante do que os mais intolerantes religiosos), Marcelo Gleiser se posiciona como não crente em Deus, conforme revelou em sabatina promovida pela Folha em 26/06/2005:

"Eu não acredito em Deus. Acredito que coisas maravilhosas podem ser criadas com base apenas nas leis da natureza."

Somemos estas palavras a uma passagem de seu mais recente artigo "A vida e as rochas" (Folha, 13/12/2009):

"Se os seres unicelulares deram origem, ao mesmo tempo, tanto à complexidade da vida quanto à complexidade dos minerais, a hipótese de que a Terra, como um todo, é, de certa forma, uma criatura viva, ganha força."

"Criar" e "criatura" destoam deste contexto. São termos impregnados de ideias religiosas: a rigor, criatura pressupõe Criador, ou não faz sentido chamar-se "criatura". E se os seres unicelulares criaram... quem os teria criado?

O advérbio "apenas" denuncia, na declaração da sabatina, uma redução que é fruto de crença. O autor afirma não acreditar em Deus, mas usa o mesmo verbo "acreditar" em relação às leis da natureza. Crê, portanto, mas crença não se explica cientificamente...

(Gabriel Perissé, Observatório da Imprensa)

Nota: Quando li (dez anos atrás) o livro A Dança do Universo, do judeu ateu Marcelo Gleiser, ele ainda não era o físico midiático que acabaria se tornando (especialmente depois do quadro "Poeira das Estrelas", apresentado no programa de TV Fantástico). No livro, Gleiser se mostra até respeitoso com a visão religiosa, discutindo ciência sem deixar vir à tona ostensivamente sua visão ateísta. Tempos depois, esse mesmo físico a quem julguei equilibrado e respeitoso diria à Folha de S. Paulo que ensinar criacionismo é "crime" e que "à medida que você considera um criacionista um cientista, está dando uma credibilidade que ele não merece" (confira aqui). Gleiser parece ignorar deliberadamente homens como Isaac Newton e depois dele um panteão de verdadeiros cientistas crentes que fizeram ciência de ponta e foram responsáveis pela ciência moderna. Talvez o "físico pop" tenha se deixado levar pela onda promovida por alguns ateus ultradarwinistas incensados pela mídia secular de achincalhar o criacionismo e a crença alheia.[MB]

Leia também: "O verdadeiro Senhor do Universo"