terça-feira, fevereiro 23, 2010

Descobertas põem em dúvida início das navegações

Parece que os primeiros seres humanos, possivelmente até mesmo seus ancestrais, já iam para o mar há muito mais tempo do que se supunha. Essa é a impressionante implicação de descobertas realizadas nos dois últimos verões na ilha de Creta, na Grécia. Ferramentas de pedra ali encontradas, segundo arqueólogos, datam de pelo menos 130 mil anos atrás [sic], e são consideradas fortes evidências das mais antigas atividades de navegação no Mediterrâneo, e fazem com que sejam repensadas as capacidades marítimas das culturas pré-humanas. Creta já é uma ilha há mais de cinco milhões de anos [sic]; isso significa que os fabricantes das ferramentas precisariam ter chegado em barcos. Tal fato parece levar a história das viagens pelo Mediterrâneo mais de 100 mil anos para trás [sic], dizem arqueólogos especializados na Idade da Pedra. Descobertas anteriores de artefatos tinham mostrado povos chegando ao Chipre, a algumas outras ilhas gregas e possivelmente a Sardenha, não antes de 10 ou 12 mil anos atrás.

A mais antiga viagem marítima estabelecida foi a migração além-mar do Homo sapiens anatomicamente moderno à Austrália, que começou há cerca de 60 mil anos [sic]. Existe também uma sugestiva corrente de evidências, especialmente os esqueletos e artefatos na ilha indonésia de Flores, de mais hominídeos antigos chegando a novos habitats por via marítima.

E ainda mais intrigante, os arqueólogos que encontraram as ferramentas em Creta apontaram que o estilo dos machados de mão sugeria uma idade de até 700 mil anos [sic]. Isso pode ser exagero, eles reconhecem, mas as ferramentas são semelhantes a artefatos da tecnologia de pedra conhecida como Acheulense, que teve início com populações pré-humanas na África.

Mais de dois mil artefatos de pedra, incluindo os machados, foram coletados na costa sul de Creta, perto da cidade de Plakias, por uma equipe comandada por Thomas F. Strasser e Eleni Panagopoulou. Ela trabalha junto ao Ministério da Cultura da Grécia e ele é professor-associado de história da arte do Providence College, em Rhode Island. Eles foram auxiliados por geólogos e arqueólogos gregos e norte-americanos, incluindo Curtis Runnels, da Universidade de Boston.

Strasser descreveu a descoberta no mês passado, num encontro do Instituto Arqueológico da América. Um relatório formal foi aceito para publicação no Hesparia, o jornal da Escola Americana de Estudos Clássicos, em Atenas, um dos financiadores do trabalho de campo.

A equipe de pesquisa de Plakias começou buscando restos de materiais de artesãos mais recentes. Tais artefatos seriam lâminas, pontas de lanças e cabeças de flecha típicas dos períodos Mesolítico e Neolítico.

"Nós encontramos essas ferramentas e, em seguida, encontramos as machadinhas", afirmou Strasser em entrevista na semana passada. "Ficamos aturdidos", disse Runnels em entrevista. "Aquilo simplesmente não deveria estar lá".

A notícia da descoberta está circulando entre os acadêmicos que estudam a Idade da Pedra. Os poucos que viram os dados e algumas fotos - a maioria das ferramentas está em Atenas - disseram estar empolgados e cautelosamente impressionados. A pesquisa, se confirmada por estudos adicionais, embaralha as linhas do tempo do desenvolvimento tecnológico e as informações de livros didáticos sobre a mobilidade de humanos e pré-humanos.

Ofer Bar-Yosef, autoridade na área de arqueologia da Idade da Pedra em Harvard, disse que o valor da descoberta dependeria da idade do sítio. "Assim que os pesquisadores obtiverem as datas", disse ele por e-mail, "teremos uma compreensão melhor da importância da descoberta".

Bar-Yosef disse ter visto apenas algumas fotos das ferramentas de Creta. As formas só podem indicar uma idade possível, afirmou ele, mas "o manuseio dos artefatos pode proporcionar uma impressão diferente". E a idade, segundo ele, contaria toda a história.

Runnels, que possui 30 anos de experiência com pesquisas da Idade da Pedra, afirmou que uma análise conduzida por ele e três geólogos "não deixou muita dúvida sobre a idade do sítio, e as ferramentas devem ser ainda mais antigas".

Os penhascos e cavernas acima da costa, segundo os pesquisadores, foram elevados por forças tectônicas onde a placa africana, que fica por baixo, empurrou a placa europeia. As camadas elevadas expostas representam a sequência de períodos geológicos que foram bem estudados e datados, em alguns casos correlacionados a datas estabelecidas de períodos glaciais e interglaciais da era de gelo mais recente. Além disso, a equipe analisou a camada onde estavam as ferramentas, e determinou que o solo dali estava na superfície entre 130 e 190 mil anos atrás [sic].

Runnels disse considerar essa uma idade mínima para as ferramentas em si. Elas incluem não só machadinhas de quartzo, mas também cutelos e pás, todos no estilo Acheulense. As ferramentas podem ter sido feitas milênios antes de chegarem ali e ficar como estavam, congeladas no tempo nos penhascos de Creta, afirmam os arqueólogos.

Runnels sugeriu que as ferramentas poderiam ter pelo menos o dobro da idade das camadas geológicas. Strasser sustenta que elas podem chegar a 700 mil anos [sic]. Mais explorações estão planejadas para o próximo verão.

A data de 130 mil anos colocaria a descoberta numa época em que o Homo sapiens já havia evoluído [sic] na África, em algum momento depois de 200 mil anos atrás [sic]. Sua presença na Europa não se tornou evidente até cerca de 50 mil anos atrás [sic].

Arqueólogos só podem especular sobre quem eram os fabricantes dessas ferramentas. Há 130 mil anos [sic], os humanos modernos dividiam o mundo com outros hominídeos, como o Neanderthal [que também parece bem moderno...] e o Homo heidelbergensis. Acredita-se que a cultura Acheulense tenha começado com o Homo erectus.

A hipótese padrão era que os fabricantes de ferramentas Acheulenses chegaram à Europa e à Ásia através do Oriente Médio, atravessando o que hoje é a Turquia e os Bálcãs. As novas descobertas sugerem que sua dispersão não foi confinada a rotas terrestres. Elas podem dar credibilidade a ideias de migrações da África, pelo Estreito de Gibraltar, para a Espanha. A costa sul de Creta, onde foram encontradas as ferramentas, fica 200 milhas ao norte da África.

"Não podemos afirmar que os fabricantes de ferramentas atravessaram as 200 milhas partindo da Líbia", afirmou Strasser. "Se você está numa jangada, essa é uma longa viagem mas eles podem ter vindo do continente europeu por travessias menores, através das ilhas gregas."

Contudo, arqueólogos e especialistas em história náutica antiga dizem que a descoberta parece mostrar que esses marinheiros surpreendentemente antigos possuíam embarcações mais robustas e confiáveis do que simples jangadas. Eles também deviam ter a habilidade cognitiva para planejar e realizar repetidas travessias marítimas por longas distâncias, buscando estabelecer populações auto-sustentáveis que produziam uma abundância de artefatos de pedra.

(Folha Online)

Nota: Das duas, uma (ou as duas): (1) as datações muito antigas estão furadas, ou (2) será preciso admitir que nossos ancestrais não eram assim tão primitivos como a ciência os têm pintado ao longo dos anos. Vamos ver quando os livros didáticos vão trazer essas novas descobertas e discutir as implicações relacionadas a elas.[MB]