quinta-feira, fevereiro 11, 2010

O látex como forma de moral

A questão das campanhas públicas para conter o avanço da aids revela um problema, a meu ver, substancialmente mais grave: a satanização do ponto de vista cristão nos debates de interesse coletivo. A ortodoxia cristã indica duas medidas contra as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e a gravidez indesejada: abstinência sexual para os não-casados e fidelidade conjugal. Mas, muito melhor que prevenir esses dois flagelos contemporâneos, as propostas cristãs resolvem ainda vários outros, essencialmente mais devastadores. Afinal, o sexo consensual é uma relação interpessoal que deriva de escolhas privadas, e provoca grande impacto sobre o indivíduo e a sociedade. Logo, deve ocorrer em um contexto adequado.

Ora, gritam muitos, os humanos somos falhos, por isso a melhor solução passa ao largo do idealismo religioso; por ser tangível, a camisinha é mais confiável que boas intenções. Essa retórica marota visa a confundir o debate. Vejamos por quê:

A Igreja desaprova, ou não seria cristã, a política de saúde pública do governo quanto à aids. Transformar o preservativo em categoria de pensamento significa minimizar nossa dimensão moral subordinando-a à mera pulsão fisiológica. Quando essas campanhas (aliás, de uma vulgaridade assombrosa!) são aplicadas prioritariamente às camadas mais humildes da população, a coisa desanda para o mais primário e odioso reacionarismo; é como se o brasileiro de baixa renda não passasse de um animal, incapaz de pautar sua vida sexual pelas próprias escolhas. E vai além: colocar máquinas de distribuição de camisinhas em escolas primárias fere a primazia dos pais em educar os filhos, e em função do modismo, da curiosidade e da pressão dos grupinhos ainda antecipa escolhas privadas de pessoas imaturas e despreparadas sob todos os aspectos.

Uma comparação: se as mortes por imprudência no trânsito se multiplicam, o que é mais producente: promover campanhas educativas ou baratear o custo dos air-bags? Ambas as opções, é evidente! Elas se complementam; não se excluem. Errado é ignorar a primeira estratégia e dizer que somente a segunda pode resolver a situação – e ainda demonizar quem apoia as tais campanhas educativas. Pois é bem isso que os círculos de influência midiática fazem com as igrejas cristãs quando o tema é prevenção de DSTs.

Uma pergunta às nossas autoridades: Se o indivíduo transfere suas responsabilidades para um pedaço de látex, terá autodomínio suficiente à falta deste? A atitude sexual individual é influenciada, e muito, pela atitude sexual coletiva, da cultura da sociedade. Ademais, se o preservativo for promovido à única via de responsabilidade acaba virando atalho para o oba-oba, o liberou-geral. Imerso em uma cultura de promiscuidade generalizada e cada vez mais precoce, uma pessoa fará todo tipo de sexo – como sugerido pela propaganda governamental. Com ou sem o tal de preservativo.

Mas não para por aí. E a questão do aborto, defendida pelo tal Programa Nacional de Direitos (direitos????) Humanos, o PNDH-3?

Ironia das ironias, as mulheres de hoje se voltam contra a mesma Igreja que no passado as valorizou e protegeu. Alegação? “Somente à mulher cabe decidir sobre seu próprio corpo.” Não, eu não inventei isso, não; o argumento é esse mesmo. E que dizer da distribuição nos postos de saúde de pílulas abortivas para meninas de 13, 12, 10 anos de idade – sem o conhecimento dos pais.?

Poucos sabem, mas um dos motivos de o Cristianismo ter florescido em Roma, mesmo com suas inúmeras regras de conduta e apesar de toda perseguição, foi a sua aceitação em peso pelas mulheres do Império. Quando alguma mulher dava à luz naquele tempo, o recém-nascido era posto aos pés do pai. Se este o levantava nos braços, a paternidade estava publicamente reconhecida. Caso contrário, era devolvido à mãe, que se não o pudesse criar abandonava-o nos lixões da periferia para ser devorado por ratos e abutres. Mesmo crescido, a vida de uma pessoa estava submetida aos caprichos e às conveniências do próprio pai, que poderia matá-la ou vendê-la. A defesa irredutível da fidelidade conjugal mais a firme condenação às práticas de filicídio e aborto (esse último, um dos agravantes para a baixa expectativa de vida entre as mulheres romanas) cativou os corações femininos da época. E não ficou só por aí; entre os cristãos, mesmo quando escondidos para salvar a vida, o percentual de mortes por epidemias era muito menor que entre os pagãos por causa de sua solidariedade para com os enfermos. Essas práticas caritativas formaram o embrião das santas casas de misericórdia, que evoluíram para os hospitais modernos. Órfãos abandonados à morte? Orfanatos, outra genuína invenção cristã.

Por essas e muitas, muitas outras (tantas, aliás, que não caberiam neste espaço), cabe perguntar: A capacidade cristã de opinar para a construção de uma sociedade melhor, mais justa e mais digna prescreveu? Devemos conformar nossos princípios e valores ao âmbito privado, como algo meramente subjetivo, particular? Para os que pensam assim, uma advertência:

A doxa materialista, com falsas vestes de neutralidade objetiva e encastelada no desvirtuamento do estado laico, também possui seu deus. Ele se chama Pragmatismo, que é inimigo de morte do Cristianismo.* Esse falso deus sempre acaba sendo evocado em situações de crise ou mesmo por interesses ordinários. Pensemos: os alicerces de uma sociedade são os seus valores. Como o materialismo é relativista, chega sempre uma hora em que ele, por força de necessidades ou circunstâncias, questiona esses valores e, pragmaticamente, ou os minimiza ou os substitui. E é aí que mora o perigo. Quem hoje se julga beneficiado por essa, digamos, visão de mundo, amanhã pode acabar sendo muito prejudicado por ela. É apenas uma questão de tempo.

(Marco Dourado, analista de sistemas formado pela UnB, com especialização em Administração em Banco de Dados)

(*) Quem quiser, pesquise: os piores momentos do Cristianismo não se devem à obediência aos seus princípios e valores, mas à sagração do Pragmatismo como Norte moral.