quinta-feira, março 18, 2010

Creation e a oração de Charles Darwin

Meu amigo e colega de mestrado Ericson Danese fez uma boa análise do filme Creation, que tenta reconstituir parte da vida do naturalista inglês e "pai" da teoria da evolução Charles Darwin. O texto é um pouco longo, mas vale a pena:

Assisti pelo YouTube ao filme Creation, que apresenta a história de Darwin e de como escreveu seu livro A Origem das Espécies. O filme mostra o drama familiar da perda de sua filha Annie e o relacionamento de suas teorias com a fé de sua afetuosa e amada esposa Emma. Apresento a seguir minha apreciação e opinião sobre o filme:

O título do filme: Por que Creation se não trata sobre criacionismo? Seria muito mais adequado Evolução ou a A história do livro de Darwin, mas tudo bem, vamos considerar seu conteúdo.

O caráter de Annie. A filha mais velha de Darwin, falecida na juventude, é mostrada como com uma suposta percepção e inteligência superior a seus outros irmãos, o que fica entendido nas entrelinhas como o fato que a leva a ser a favorita de Darwin. Annie é mostrada entre flashbacks quase fantasmagóricos, em que você fica se perguntando se Darwin está lembrando ou está falando com sua "aparição" depois de morta (é claro que são lembranças, mas há algo sutil e espiritualista nas entrelinhas).

Seus trejeitos claramente não são os de uma menina de 10 anos, ela parece encorajar Darwin a expor suas ideias, mostrado sob a capa de doçura que não está presente nos amigos de Darwin que o instigam a uma "guerra" entre a ciência e a religião, ignorando o fato de que a maioria dos cientistas do seu tempo eram religiosos e que foi o próprio ambiente religioso judaico-protestante que incentivou as universidades e o surgimento da ciência clássica.

Em suas lembranças de Annie, há uma estranha obsessão da nenina pelo prazer de ouvir histórias contadas por Darwin que sejam regadas com injustiça e finais infelizes, como o caso das crianças da Terra do Fogo e da orangotango fêmea que morre separada de sua família da selva, um claro símbolo da própria menina. Annie é um personagem revestida de doçura para cativar o telespectador e gerar revolta e descrença com sua trágica morte ainda infante, algo que talvez tenha sido gerado em Darwin e o levou a ler o mundo natural como trágico, injusto e destituído de propósito.

Isso fica claro, quando a pequena Annie é castigada pelo reverendo de sua vila e o espectador do filme é levado a se revoltar com a brutalidade e as consequências da ignorância. Sutilmente, o telespectador é levado a concordar que seria melhor não ter religião já que esta se mostra tão ignorante trazendo dor e impedindo o progresso. Assim, o propósito de generalizar religiosos como ignorantes é levado com sucesso como se tal pressuposto fosse verdade e como se tal prática hedionda fosse a instrução bíblica ou a prática de todos os crentes, quando, na verdade, religiosos coerentes defendem a pesquisa, a paz e o respeito.

O estilo taciturno e sombrio da representação de Annie e a identidade espiritualista do filme podem ser vistos claramente quando, após uma discussão com o reverendo, Darwin tem uma alucinação com Annie e a persegue pelo seu jardim até entrar em colapso nervoso.

A emoção do filme é conduzida para que o espectador conclua que a injustiça é razão suficiente para abandonar a esperança da fé. Todos os que já perderam alguém, todos os que já temeram perder alguém são levados pela empatia a se identificarem com o sofrimento e a revolta de Darwin. O cinema é um instrumento poderoso para popularizar ideias e é isso o que esse filme faz. Sem apelo científico algum, o filme está longe de ser um documentário, sendo muito mais um apelo aos sentimentos de revolta, bem naturais dentro de cada um de nós!

O que somos sem a esperança? O que restou a Darwin sem a esperança? Alcançou ele a felicidade sob a pretensa realização intelectual? Provou-se que ele estava certo ou errado? Provou-se que a Bíblia estava errada? Provou-se que Deus não existe? A dor de Darwin continuou até sua morte e as outras perguntas aqui mencionadas continuam alvo de debates sem fim.

Sobre propósito e desperdício. O design da natureza é um dos mais poderosos argumentos criacionistas, e para combatê-lo o filme sobre Darwin mostra exemplos dados pelo cientista de que as coisas são efêmeras e sem desígnio. No entanto, criacionistas nunca pretenderam que exista desígnio em cada polegada do mundo natural ou em seus acontecimentos; nós reconhecemos o caos, a desordem e a injustiça num mundo em que as coisas não estão exatamente como Deus as planejou. Por outro lado, há muitos propósitos e desígnios, alguns descobertos, outros por descobrir e outros analisados injustamente pelas lentes humanas.

Questões sobre justiça. Tudo na natureza é mostrado sob a ótica de se existisse um Deus de amor não poderia permitir a injustiça da morte de um inocente tal como um orangotango, um coelho nas presas de uma raposa ou da pequena Anny. O acaso é postulado como a única explicação de "consolo" para o inocente que sofre e a religião é mostrada como superstição que ensina que é da vontade de Deus que alguns sofram. Mas não é assim que acontece e nem é assim que ensina a Bíblia! Nada faria sentido se não fosse a realidade de um grande conflito entre forças espirituais do bem e do mal, conflito no qual o planeta Terra tem servido de campo de batalha.

Ao mostrar Deus como injusto, a fé como tirana e os religiosos como ignorantes, cumpre-se o grande desígnio de Satanás, o de macular a imagem e o caráter de Deus impingindo-lhe a própria imagem de Satanás, enquanto este passa oculto e disfarçado como se fosse apenas fruto do folclore popular religioso.

Outro desastre do filme é a tentativa de mostrar que a fé não permite questionar a injustiça, ato muitas vezes ilustrado pelos diálogos de Darwin com o inculto reverendo de sua vila. Mas isso também não é assim; a Bíblia mostra Jó, Davi, Jeremias, Habacuque e muitos outros questionando a Deus por injustiças muito maiores que vermes parasitas de humanos ou larvas de vespas que devoram lagartas vivas. O mundo é um lugar complicado; Deus criou todas as coisas, mas não as criou todas como estão agora. Criacionistas não são fixistas, isto é, não acreditam que Deus criou tudo exatamente como conhecemos hoje. Muita coisa aconteceu desde que o pecado entrou neste mundo: a dor, a morte e a injustiça. O problema é complexo e não pode ser resolvido com meras especulações filosóficas. A Bíblia nos incentiva a buscar a justiça num mundo injusto e a aguardar a esperança!

A representação da fé religiosa mostra estereótipos de pessoas que o ateísmo darwinista deseja generalizar, para que a leitura da sociedade moderna seja feita em tais moldes. O reverendo é uma imagem do charlatão que controla o povo pela superstição. A esposa de Darwin é uma imagem do pobre povo religioso iludido pelas farsas dos seus mestres. Os amigos de Darwin são mostrados como os cientistas a frente de seu tempo, homens revoltados com os grilhões intelectuais da igreja. Mas o filme até que é coerente em mostrar Huxley e seu ódio pela religião, ao mesmo tempo em que pede a morte de Deus e pragueja em nome de Jesus Cristo, revelando seu caráter colérico.

Pressupor que todos os religiosos são ignorantes e desdenham a ciência é definitivamente não compreender o momento cultural da Inglaterra Vitoriana e ser muito mais ignorante quanto à fé dos cientistas do passado e da atualidade, tal como o erro evidente ao mostrar que religiosos negavam a existência dos dinossauros, quando na verdade o termo "dinossauro" foi cunhado por [Richard] Owen, um cientista que defendia que esses animais existiram e foram extintos pelo Dilúvio, assim como o pensamento de Steno, considerado como pai da Paleontologia e que, junto com Owen, ambos cientistas criacionistas, foram totalmente ignorados devido ao preconceito com a religião.

O perder a fé religiosa. Para mim, o mais venenoso argumento da falácia do filme é a sugestão de que um homem que estuda a natureza perde sua fé. Isso é mais uma forma preconceituosa de tentar mostrar os religiosos como pessoas que amam a ignorância e mais uma mentira, levando em conta tantos cientistas com convicções religiosas. É realmente muito desleal supor que conhecer as maravilhas da criação possa fazer um homem descrer.

Homens descreem mesmo sem conhecer a natureza; homens descreem por decepções com a instituição religiosa; descreem por não ter suas expectativas correspondidas de acordo com a forma de teologia que aprenderam; homens descreem pela dúvida natural do coração carnal e descreem também pela tentação. Todavia, a ciência e o estudo da criação têm ajudado muitos a crerem mais e mais, a tal ponto que mesmo hoje, depois de tantos avanços científicos, continuamos a ter homens cultos, letrados e cientistas que creem. Crença é um dom que nada tem que ver com estudo e muito menos pode ser obtido pelo esforço ou descoberta humana; a fé sempre foi e sempre será um dom de Deus, aceito ou desperdiçado.

O trecho mais traiçoeiro das intenções desse filme se encontra na cena em que Darwin, lutando pela vida de sua filha, vai até uma igreja, ajoelha-se diante do altar, contempla um vitral com a imagem de Cristo e clama orando que Deus a poupe por ser apenas uma menininha. Darwin oferece sua vida em lugar da menina, caso "Deus" queira levar alguém, e propõe que se Ele a curar, ele (Darwin) terá fé pelo resto de sua vida. A seguir a cena o mostra, tempos depois da morte de Annie, conversando com seu médico sobre sua própria doença, decorrente da depressão como resultado da perda da querida filha. O médico tenta confortá-lo dizendo que a menina está no Céu e Darwin se recusa a crer nisso assim como sua esposa o faz.

Ora, vamos analisar a oração de Darwin. Na verdade, não sei se isso é um fato verídico ou apenas imaginado pelos autores do filme, mas façamos algumas considerações.

A Bíblia registra que Davi orou pela vida do seu primeiro filho com Batseba, mas a criança morreu e Deus Se calou. A Bíblia registra a morte dos infantes inocentes no nascimento de Moisés e depois na tentativa de Herodes matar Jesus, mas foi isso motivo para a descrença? Alguma vez encontramos a promessa de que o inocente não morrerá? A única coisa que encontramos é a promessa da ressurreição e de que um dia haverá novo Céu e nova Terra.

Darwin clamou por um milagre, mas o que dizer de Paulo que clamou que o Senhor o curasse e a resposta foi que a graça de Deus lhe bastaria? A graça e o conforto de Deus em meio ao sofrimento, a vitória final e restauração de tudo não são o bastante para Darwin? A dor de um pai não pode ser estimada ou ignorada, mas é a dor que o Pai sentiu ao ver Seu Filho Jesus sobre a cruz em prol da humanidade que O rejeitou.

Darwin se propôs a crer mediante um sinal, uma prova. Mas não é assim que as coisas funcionam. Deus não faz seus milagres porque tem que nos provar algo. Por isso a Bíblia aconselha a não tentar o Senhor nosso Deus. Na verdade, Deus opera milagres, mas se o fizesse sempre para provar que Ele existe, então não precisaríamos de fé. E precisamos de fé, porque ela agrada a Deus e nossos pais duvidaram mesmo quando viram o invisível. O cientista reclama que não pode crer sem ter provas, mas a fé vai além disso. Deus não seria o Soberano, se tivesse que obedecer a todos os nossos pedidos. Estamos invertendo as posições!

Você não pode tomar a soberania de Deus como explicação de que é Ele que mata e leva nossos queridos, pelo contrário, a Bíblia diz que Deus não Se agrada da morte - aliás, a Bíblia nem sequer ensina que as pessoas que morrem vão imediatamente para o Céu, apenas diz que, enquanto os mortos dormem, a fé e a esperança devem nos consolar de que chegará um dia em que eles serão despertos na ressurreição, e com a volta de Cristo, o mal terminará de uma vez por todas e as coisas serão concertadas!

É nesse ponto que a oração de Darwin é sutil semente da mentira e descrença. Você se emociona com um homem que se humilha, apesar de seu grande conhecimento científico, e clama a Deus desesperadamente de forma inútil por sua doce filha, sem considerar que o filme está sorrateiramente induzindo você a pensar de Deus aquilo que Ele não é e nunca prometeu fazer ou ser!

O diálogo Darwin com seu médico deixa escapar uma verdade interessante: o fato de pessoas diferentes reagirem e interpretarem o mesmo evento de forma diferente. Nenhum exemplo é melhor do que Darwin, que se afastou de Deus, e sua esposa Emma, que buscou a Deus como fonte de consolo. O que há de lamentável é o fato de mais uma entre tantas vezes no filme a trama aproveitar isso para mostrar que a ciência, que foi o "consolo" de Darwin (se é que o consolou de fato), está destituída da fé em Deus ou de que a religião seja um "ópio" para os menos cultos se consolarem. Fé e ciência não são caminhos opostos.

Contudo, o filme sobre Darwin revela um fator histórico interessante a respeito da influência da morte de Annie sobre as teorias de Darwin. Então, a teoria da origem das espécies seria o esforço em explicar o mundo diante da revolta e decepção religiosa de um homem traumatizado? Até que ponto a emoção influenciou as conclusões de um homem e sua teoria? O fato é que Darwin, apesar de estudar o tema por anos, só publicou depois da morte de Annie. Por quê? Por que precisava disso?

A mensagem que fica nas entrelinhas. “Se Deus não agiu como você esperava, se você se decepcionou, se você foi tratado com injustiça, se perdeu aquilo que amava e Deus Se mostrou indiferente, então escreva um livro que o(a) liberte da obrigação de seguir esse Deus; seja um ateu livre da culpa apoiado na lógica e num fundamento intelectual que lhe permita explicar tudo sem precisar mais desse Deus. Você se magoou com Deus? Então O ignore, para não sofrer mais, ainda que Ele exista, apesar de você não poder compreendê-Lo.”

Essa mensagem do filme é o fundamento do ateísmo e a melhor forma de compreender o âmago do pensamento ateu. O filme nem sequer trata sobre ciência ou sobre a teoria da evolução. Pena que todo esse esforço mental, toda essa reconstrução intelectual nunca tenha livrado ninguém do sofrimento e acabou colocando Darwin e tantos outros contra Aquele que seria o único que poderia dar-lhes esperança e forças para livrar-se do sofrimento!

A todos os darwinistas inconformados com a injustiça, a todos os ateus que continuam a sofrer, Deus continua a clamar: "Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei" (Mateus 11:28).

(Ericson Danese, Azimute)