domingo, março 21, 2010

Projeto Atlanta: Sierra de la Morte

Foi duríssimo alcançar San Isidro porque tive que pedalar 101 km dos quais 33 foram só de subidas. Na Colômbia, cheguei a enfrentar montanhas com mais de 70 km apenas de ascendência. Porém, após a cidade de Medellín, depois de Cruzar a Cordilheira dos Andes Ocidental, mais de 2.000 km atrás, meu corpo já se desacostumou com as subidas. Por isso deixo essa cidade preocupado com uma serra de 80 km, conhecida aqui como “Sierra de la Morte”, porque seu topo esta a mais de 3.800 metros de altitude e muitos já morreram viajando por suas curvas bastante sinuosas.

Início uma viagem impossível. Nas condições em que estou, nem mesmo devia sair da cama. Meus dedos e ponta do pé direito (parte inferior) estão feridos. Tenho dores na panturrilha esquerda. Tenho outra ferida no joelho esquerdo e coxa direita. Vou necessitar da ajuda dos anjos. Só um milagre me levará a San José.

Começo a subida da serra e devido a uma rara indisposição, vou parando inicialmente a cada 2 km. Depois que completo os primeiros dez quilômetros, começo a parar a cada 1,5 km e a partir dos 20 km de subida, paro a cada 1 km. Nunca fiz isso antes. Não me sinto bem ou forte. Há muita neblina e bastante frio. Em alguns pontos recebo uma chuva fina e gelada. Não há nada plano. Só subidas íngremes.

Duro caminho este para alguém que está com 5.284,6 km acumulados no odômetro da “gorducha” (bike). São quatro meses de pedaladas. Estou sentindo algo raro: cansaço, desânimo, dores e o medo de não poder vencer a montanha “Sierra de la Morte”. Preciso da ajuda dos anjos!

Para completar meu desespero, o câmbio de montanha da “gorducha”, a catraca grande, a mais leve, não está passando. Tento todas as regulagens, mas ela não engata. Ou seja, o esforço aumenta em trechos muito acidentados. Sinto que estou fazendo algo sobre-humano. Preciso mesmo da ajuda dos anjos.

Em uma dessas subidas, encontro um caminhante, um peregrino. Um jovem moreno, magro, cabelos negros, alto. Ele está totalmente desorientado. Não sabe de onde vem e para onde vai, quando chega, quantos dias viajará. Vive a vida no tanto faz e tudo lhe parece muito bem. Carrega uma mochila surrada e dentro vi um tesouro: um exemplar da Bíblia Sagrada. Ele me disse que essa é sua arma. Sua espada.

Disse que caminha para San José e que no fim da tarde espera estar lá. Então lhe informei que a capital de seu país fica mais de 100 km à frente. Que a maior parte do percurso é subindo e que se ao invés de ir caminhando fosse correndo a 10 km/h, ele ainda assim chegaria tarde da noite. Ele fez pouco caso dessas informações técnicas. Deu-me duas laranjas que havia colhido das árvores pelo caminho. Ele também precisa da ajuda dos anjos para chegar a seu destino.

Deixo o peregrino para trás e avanço lento. Pedalo 10, 20, 30, 40 km de subidas. Depois de 42 km e a mais de 3.500 metros de altitude, começo a me sentir mal. Sabia que algo não estava bem desde San Isidro.

Não sinto os braços e as pernas. Não sinto a cabeça, os ombros, o tronco e abdômen. Enfim, parece que estou sumindo. Percebo que vou apagar e me encosto a uma rocha na beira da pista. Sinto meu corpo tão leve, quase a flutuar. Acho que vou desmaiar. Preciso da ajuda dos anjos. Sem eles não posso chegar.

Por um milagre, consigo me manter consciente. Bebo bastante água. Respiro fundo. Paro em um lugar com as pernas para cima. Renovam-se minhas energias e então retorno da morte. Estou humanamente só, porém, mãos de amor controlam meu viver. Esta não é minha hora e descubro forças para prosseguir. No alto desta montanha gelada, desmaiar seria fatal. O anjo do Senhor me anima e me faz pensar em meu sonho: Atlanta.

Levanto-me com dificuldade. Empunho o guidão da “gorducha” e volto a pedalar macio. Subo parando a cada 500 metros. Todavia, avanço mais e mais e confio que irei chegar.

Estou no fim da tarde. Quase no cimo da Sierra de la Morte. Estou muito longe de San José. Muito longe de Atlanta. Apenas bem perto do Céu, o qual posso sentir, mas não posso tocar.

Forçando o cambio da gorducha em uma subida mais íngreme, a corrente sai do passador e se enfia entre os raios e a catraca. Tento consertar, mas vejo que não será possível fazê-lo na estrada e sem ferramentas adequadas. Está muito frio devido à altitude (mais de 3.800 m). Peço ajuda, mas os carros não param.

A noite se aproxima e meu corpo começa a congelar. Sem o calor gerado pela energia do pedalar, meu organismo vai esfriando. Se ninguém parar, morrerei congelado na Sierra de la Morte. Preciso da ajuda dos anjos!

Ergo os braços aos Céus e clamo bem alto: “Senhor Deus! Socorre-me! Ajuda-me!”

Olho para a esquerda e um caminhão se aproxima. Aceno com a mão e ele para. Explico o que se passa ao motorista. Ele pede que coloque a bicicleta na carroceria e entre na cabine. Quando o caminhão dá a partida e vai deixando a Sierra de la Morte para trás, percebo que um milagre aconteceu e que tenho um Deus no Céu cuidando de minha vida na Terra. Ele não me larga. Ele é um amigo fiel. Ampara-me nas horas mais difíceis.

Precisei do auxílio dos anjos para vencer a Sierra de la Morte e obtive. Estou seguindo com a gorducha para “Atlanta” guiado por um Deus de amor.
Venha comigo porque Ele está aqui.

(George Silva de Souza, atleta e autor livro Conquistando o Brasil)