terça-feira, abril 27, 2010

Sob o império da bobagem

No conto “A muralha e os livros”, do escritor argentino Jorge Luis Borges, ele nos fala de um imperador chinês chamado Che Huang-ti, que mandou queimar todos os livros antes dele e que ordenou também a construção da Muralha da China. Queria dar inicio à história a partir dele e, consequentemente, apagar o passado. Nenhum registro do passado, como se nada houvesse ocorrido. Tudo começa a partir dele e a muralha é uma espécie de extensão do próprio ego. A partir desse breve apanhado do texto de Borges, ocorreu-me falar de um império imposto hoje à sociedade: o império da bobagem. Se o imperador chinês achou por bem dar fim aos livros para aniquilar a história, o distanciamento dos livros, a não leitura e a não recorrência provoca, a meu ver, determinado aniquilamento dos livros, consequentemente, da nossa história.

Uma mídia que massifica cada vez mais a sociedade, eliminando o senso crítico, a depuração cognitiva e o senso estético nos faz caminhar para o império de Che Huang-ti. Sem passado e com uma muralha à nossa frente.

No livro Quem Somos Nós, que originou o filme homônimo, à página 126, os autores William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente escreveram: “Que tipo de conhecimento a mídia de hoje apresenta às pessoas? Só o necessário para que saiam e comprem um hambúrguer. Nunca o suficiente, de fato. Nunca o bastante para inspirar e mostrar o que é possível na vida.”

Vivemos sob o império da bobagem e da coisificação. Recentemente, a Rede Globo, pela décima vez, colocou no ar o programa BBB que atingiu os maiores índices da história de reality shows do planeta. A última votação para dar o prêmio ao finalista bateu a faixa dos 135 milhões de acessos. O que leva tanta gente a desejar dar um prêmio a um ilustre desconhecido que nada fez pela sociedade, nenhum livro escrito que merecesse um Nobel, nem uma descoberta cientifica que viesse tirar milhões de pessoas da doença e do sofrimento? Ouviu-se aqui e acolá que tal personagem tem caráter. Caráter? Um milhão e meio de reais anda remunerando caráter? Quanto vale o seu e o meu caráter?

Ainda fazendo menção ao livro Quem Somos Nós, os autores dizem o seguinte a respeito da fama e do dinheiro: “O bombardeio diário da publicidade procura dar ênfase à ideia de que a realização é alcançada quando obtemos alguma coisa no mundo exterior. Mas o fato é que depois de conseguir mais automóveis, casas, dinheiro e fama, o que resta é você mesmo” (p. 129).

O império da bobagem nos faz acreditar na religião da coisificação. O “caráter” vai sempre ter um processo associativo ao aquisitivo. Mensura-se a pessoa pela propriedade. Se não estou lá para ganhar o prêmio, vou premiá-lo como se fosse a mim mesmo. No fundo, todos os votantes do escrutínio do BBB são os ganhadores do um milhão e meio.

E assim vamos sucumbindo sob império da bobagem, auxiliando nosso grande Che Huang-ti a queimar livros e a nossa própria história. E similarmente aos fatos históricos, contribuímos para a grande construção da nossa muralha que, ao fim, servirá a uns poucos que se locupletarão desse vazio impositivo, desse desmemoriar de um povo.

(Livingston Santos Streck, bacharel em Direito)