terça-feira, novembro 30, 2010

Eles nunca leram Cantares de Salomão...

Os paranaenses Roberto, 35, e Fernanda, 29, estavam quase se separando. A rotina corrida da médica colidia com o trabalho desgastante do advogado e os momentos íntimos do casal acabaram virando um balé sem graça debaixo dos lençóis, segundo eles. Mera necessidade. “Ele botava a culpa em mim, na minha falta de tempo. Mas ele também não me procurava, se é que você me entende”, conta Fernanda. Um dia, aconselhado por colegas, Roberto levou para casa uma mulher que falava abertamente sobre diferentes posições sexuais e que carregava em sua mala aquela coisa toda de sempre: algemas, vibradores, você sabe. Fernanda diz que achou estranho: “A gente estava cogitando a separação e meu marido ainda põe dentro de casa uma bonitona e que se dizia consultora sexual.”

A intrusa era (ainda é) Elis Medeiros, 34, curitibana que se formou em administração de empresas e fez curso de “sex coaching” nos EUA. As sessões com Elis, que se estenderam por três meses, rolavam três vezes por semana e duravam uma hora.

Nos primeiros encontros, ela ouviu as queixas de cada um separadamente. Depois, passou a dar dicas íntimas. Quais? Aquela coisa toda de sempre: mude o cenário, mude a roupa, você sabe. “Somos professores, ensinamos, eles fazem a lição de casa”, diz a “sex trainer”.

Nem todas as lições têm sucesso. Uma noite, Fernanda foi dançar para o marido sobre a cama, como mandou a treinadora. “Acabei não vendo a beirada e caí no chão. O sexo terminou ali.” Mesmo assim, o casal pagou R$ 2.500 para descobrir aspectos multifuncionais do chuveiro e da cozinha. “No começo, foi constrangedor, mas no fim, voltamos a ser como antes”, diz o marido. E Fernanda completa: “Hoje, algema é rotina.”

Orientadores sexuais desse naipe não faltam na praça - se é que alguém precisa de um, tendo TV e internet. Alguns desses fiscais da vida alheia, por sinal, se comparam aos conselheiros Tracey Cox e Michael Alvear, do programa inglês “Os Inspetores do Sexo”, que até agosto esteve na grade do GNT. No reality show, as relações sexuais do casal em crise são filmadas por câmeras instaladas na casa. Os apresentadores assistem às imagens gravadas, diagnosticam e depois passam a lição. “A única diferença é que eu não tenho câmeras para acompanhar o casal o tempo todo. Só fico sabendo pelo que eles me contam”, diz Rita Rostirolla, 45, que se apresenta como a “primeira personal sex trainer do Brasil”. [...]

Esse investimento todo em agradar o homem pode ser um desperdício, na opinião da sexóloga e psicanalista Regina Navarro Lins, autora do livro A Cama na Varanda (Best Seller). “O sexo tem que ser valorizado pelo prazer que ele proporciona, pela sua espontaneidade, e não a representação de um papel”, afirma ela. A terapeuta acha “abominável” a mulher se fantasiar ou dançar apenas para se ajustar ao desejo masculino.

O papel de treinadores sexuais também é questionado por sexólogos, em especial quando envolve aconselhamento de casais. “Elas dão conselhos sem ter nenhuma formação”, critica Maria Luiza Macedo de Araújo, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana. “Nós lidamos com coisas muito mais complexas do que isso de ‘beija aqui, põe a mão ali’, conselhos que qualquer amigo de bar dá”, diz.

Segundo a sexóloga, muitas insatisfações sexuais podem esconder problemas que só em uma psicoterapia a pessoa vai conseguir trabalhar, como traumas, repressões e até abusos.

A psiquiatra Carmita Abdo, do Programa de Estudos em Sexualidade do Hospital das Clínicas, concorda. “O trabalho de ‘personal’ pode ser interessante para casais que têm muita falta de percepção deles mesmos, mas se o problema é uma disfunção sexual ou um conflito psicológico, daí só o terapeuta é que pode resolver.” [...]

(Folha de S. Paulo, 30/11/10)

Nota: Orientadores profissionais para ensinar a usar... algemas [!]; TV e internet... É dessas fontes que virão boas dicas para uma vida sexual plena? Duvido. E os números mostram isso. Os brasileiros estão entre os que se declaram mais sexualmente ativos, no entanto, cerca da metade da população em nosso país se diz insatisfeita com sua vida sexual. Pelo visto, erotismo explícito e quantidade (como apregoado pelas revistas femininas e masculinas, por exemplo) não é o problema. Se a sociedade atual não descartasse a Bíblia como manual da vida, poderia ser muito mais feliz em várias áreas, inclusive a sexual. O livro Cantares de Salomão (ou Cântico dos Cânticos) é um poema de exaltação do amor erótico puro, do relacionamento abençoado entre homem e mulher. Ali há declarações de amor como estas: “Beija-me com os beijos de tua boca; porque melhor é o teu amor do que o vinho” (1:2); “O meu amado é para mim um saquitel de mirra, posto entre os meus seios” (1:13); “Qual o lírio entre os espinhos, tal é a minha querida entre as donzelas” (2:2); “A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a direita me abrace” (2:6); “O meu amado é meu, e eu sou dele” (2:16); “Como és formosa, querida minha, como és formosa!” (4:1); “Sim, ele é totalmente desejável. Tal é o meu amado, tal, o meu esposo” (5:16); “Quão formosa e quão aprazível és, ó amor em delícias! Esse teu porte é semelhante à palmeira, e os teus seios, a seus cachos” (7:6, 7); “Eu sou do meu amado, e ele tem saudades de mim” (7:10); “Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre o teu braço, porque o amor é forte como a morte, e duro como a sepultura, o ciúme; as suas brasas são brasas de fogo, são veementes labaredas. As muitas águas não poderiam apagar o amor, nem os rios, afogá-lo” (8:6, 7). Não faltam assessórios eróticos, mais sexo ou “criatividade” nas relações. Falta verdadeira religião que banha o relacionamento conjugal com carinho, fidelidade, respeito, paixão e doação.[MB]

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