domingo, janeiro 02, 2011

Cosmos versus caos, ou discurso conveniente?

[Meus comentários seguem entre colchetes e logo abaixo deste texto de Marcelo Gleiser:] Aconteceu novamente, mais um ano passou. Alguns acham que passou rápido, outros devagar. Queremos aprender com nossos erros, evitá-los, começar novas atividades, dietas, exercícios, um blog novo, trabalhar como voluntários em alguma ONG “do bem”. Fazemos isso para tornar o ano novo realmente novo, separá-lo daquele que acaba de terminar, torná-lo melhor e, nesse processo, melhorarmos também. Somos artesãos, construímos para desfazer a tendência da natureza a desfazer as coisas [se essa é a tendência da natureza – a de desfazer –, como explicar que um dia essa mesma natureza tenha feito algo ordenado como o Universo?]. Tentamos trazer ordem, um senso de controle sobre a desordem que nos cerca: cosmos (ordem) versus caos. Alguns podem discordar do que afirmei acima, da ideia de que a natureza tende a desfazer as coisas.

Diriam que vemos ordem por toda a parte, nas flores, no arco-íris e, claro, em nós mesmos. Segundo as leis da termodinâmica, em particular a segunda, a desordem (entropia) tende a aumentar num sistema fechado. E nós, as flores e outras estruturas naturais não somos um sistema fechado: trocamos energia uns com os outros e, mais importante, recebemos energia do Sol. Somos criaturas solares, dependemos dele para sobreviver [dependemos do Sol ou do Criador do Sol?].

Muitas das estruturas organizadas que vemos à nossa volta, furacões, ondas e tempestades, todos os seres vivos, podem ser interpretados como mecanismos para aumentar a desordem cósmica [é só isso?], degradando a luz que vem do Sol, transformando-a em radiação infravermelha que a Terra emite para o espaço. A segunda lei diz: essas estruturas são meros obstáculos ao inexorável fim, quando a desordem triunfará. Esse tipo de pensamento deprimia muita gente no século 19. Ainda o faz hoje.

Está na hora de mudar o foco; algo mais a fazer neste novo ano. [Mas dá para mudar o foco ou isso se trata de mera ilusão, tendo em vista que, sob a ótica naturalista, estamos fadados à destruição inexorável? O que Gleiser (ou a ciência naturalista) tem para nos oferecer?]

Quanto mais nos preocupamos com o “fim”, menos vivemos o agora [então, comamos e bebamos iludidamente, porque amanhã morreremos. Esqueça o amanhã. Laissez-faire, amigo]. Nós e todas as criaturas vivas (e as estruturas ordenadas não vivas, como os furacões e o arco-íris) somos quem faz a diferença [então podemos mudar o fim simplesmente por não pensar nele? Hmm...].

Eis a riqueza das estruturas organizadas que emergem na rota em direção à desordem -essas guerreiras contra o decaimento final da matéria. Olhar para as coisas de forma unidimensional nos leva a uma visão distorcida da realidade [é o que os criacionistas sempre têm dito, mas o que Gleiser disse deles, certa vez? Leia abaixo]. Alguns acham que ciência é isso, que usa apenas a razão para compreender a natureza. Pelo contrário, existem muitas formas de olhar para um arco-íris, e cada uma tem o seu objetivo e a sua importância [Dawkins e outros cientistas menos subjetivistas não pensam assim. Os óculos naturalistas deles têm apenas uma lente].

Só quando olhamos para um arco-íris de modos diferentes é que podemos admirá-lo em sua plenitude. Cientistas não são unidimensionais. Não usamos apenas a razão para explorar a natureza. Buscar explicações para os fenômenos naturais é, como disse Einstein, uma forma de devoção religiosa. Admirar uma flor ou um arco-íris por sua beleza e tentar entender suas funções dentro da natureza os torna ainda mais belos.

A palavra religião vem de religare, reconectar. Mas com o quê? Escolhas diferentes para religiões diferentes. Ao buscarmos as leis que descrevem a natureza e suas criações, estamos nos reconectando com nossas origens cósmicas. Esse é o meu religare, que traz sentido à minha vida e lhe dá direção. Se a vida é fruto da luta contra o inexorável crescimento entrópico e o decaimento material, é ainda mais bela por isso. Por que não chamá-la, afinal, de sagrada? [Sei não, mas acho que Gleiser andou assistindo Avatar ou está abraçando o panteísmo.]

(Marcelo Gleiser, Folha de S. Paulo)

Nota: Quando li A Dança do Universo, até considerei Gleiser um escritor equilibrado e tolerante. Mas isso mudou quando li entrevista em que ele chama criacionistas de criminosos. Criminosos por quê? Por que não limitam sua área de estudos ao que possibilita o método científico, embora o utilizem como quaisquer outros cientistas? Por que não querem ser “unidimensionais”? O texto acima mostra, novamente, o Gleiser subjetivo e de preconceitos seletivos.

Se ousar enxergar a realidade de modo diferente, com lentes bifocais (ciência e religião), como fazia Isaac Newton e outros grandes, equivale a “crime”, Gleiser acabou de estender as mãos para ser algemado. Ele precisa decidir o que é: um materialista restrito a la Dawkins ou um cientista que não dá as costas ao subjetivismo, exatamente como os criacionistas. Discurso conveniente é que não vale.[MB]

Em tempo: Por falar em conveniência, a Folha de S. Paulo de hoje traz o seguinte texto/anúncio: “‘No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra estava deserta e vazia, as trevas cobriam o oceano e um vento impetuoso [sic] soprava sobre as águas. Deus disse: ‘Faça-se a luz!’ E a luz se fez. Deus viu que a luz era boa. Deus separou a luz das trevas. E à luz Deus chamou ‘dia’, às trevas chamou ‘noite’. Fez-se tarde e veio a manhã: o primeiro dia.’ Essas célebres palavras abrem o livro mais vendido de todos os tempos: a Bíblia Sagrada, volume 18 da Coleção Folha Livros que Mudaram o Mundo, que chega às bancas no próximo domingo, 9/1. [...] A edição que faz parte da Coleção Folha tem, ao todo, 826 páginas, divididas em duas grandes seções: Antigo e Novo Testamento.”

Isso é pura jogada de marketing da Folha para atrair novos assinantes e leitores. Querem atrair os milhões de potenciais leitores religiosos, ao mesmo tempo em que mantém formadores de opinião ateus e agnósticos, os quais, sempre que podem, escrevem contra a fé e os valores dos crentes. Um exemplo nítido de uma no cravo e outra na ferradura dos religiosos. Não tiro o mérito da iniciativa e reconheço o bem que ela pode trazer, mas não deixo de perceber a jogada conveniente dos idealizadores desse projeto.[MB]