quarta-feira, janeiro 12, 2011

O cruz credo do Schwartsman

Dilma Rousseff desceu do palanque e, ao que parece, se livrou da Bíblia e do crucifixo que adornavam seu gabinete. Fé é questão íntima e, se a mandatária não é religiosa, como sugere sua biografia, não há por que manter os adereços em seu escritório. Passada a eleição e as tentativas de catequizar o processo político, é hora de voltar a discutir com serenidade os limites da separação entre Estado e igreja. Uma boa oportunidade para isso será o julgamento da Adin (ação direta de inconstitucionalidade) que o Ministério Público move contra o ensino religioso nas escolas públicas e, de quebra, contra a concordata com o Vaticano. Na Adin, protocolada em agosto, a subprocuradora-geral Deborah Duprat sustenta que a única forma de conciliar o princípio constitucional da laicidade do Estado (art. 19) com a exigência das aulas de religião no ciclo fundamental (art. 210 da Carta e art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da educação) é vetando o ensino de caráter confessional e adotando uma abordagem histórico-antropológica. Todas as partes já se manifestaram, e o processo, que corre sob rito abreviado, está pronto para ser julgado.

Estou com Duprat, mas receio que o buraco seja mais embaixo. O ensino religioso às expensas do Estado é, até onde vai a lógica formal, sempre incompatível com o princípio da laicidade. É claro que a abordagem histórica é preferível à confessional, mas, vale lembrar, estamos falando de crianças de 6 a 15 anos. Desde 88, quando os constituintes, saldando seu dízimo para com a Igreja Católica, aprovaram o dispositivo, a ideia sempre foi doutrinar a garotada, não incutir-lhes noções de filosofia e antropologia - o que só seria feito com algum proveito a partir do ensino médio.

O melhor diagnóstico é o de Schopenhauer. Para ele, há na infância um período, entre os 6 e os 10 anos, durante o qual qualquer dogma bem inculcado, não importando quão extravagante ou absurdo, será mantido por toda a vida.

(Folha de S. Paulo, 11/1/2011)

Nota: Desta vez, concordo com quase tudo o que o Hélio Schwartsman escreveu. A separação entre igreja e Estado é importante para se preservarem as liberdades de consciência. Assim, escolas públicas não deveriam mesmo privilegiar o ensino de dogmas de determinada religião. Quem quiser que seus filhos recebam ensinamentos religiosos que procure uma escola confessional alinhada com suas crenças e convicções. Quanto à citação de Schopenhauer, Dawkins deve conhecê-la bem, já que se empenha em inculcar o ateísmo na cabeça de crianças em tenra idade (clique aqui para conferir). Bem, no meu caso (e em muitos que conheço), essa regra não se aplica: tornei-me criacionista e adventista aos 18 anos, por decisão livre e espontânea.[MB]