quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Mobilização revoluciona costumes e relações no Egito

Vestindo luvas cirúrgicas sujas de chorume, Farida Abboud, 20, segura um saco plástico azul no qual recolhe lixo desde cedo na praça Tahrir (da Libertação) do Cairo, centro simbólico das manifestações que exigem a renúncia do presidente do Egito, Hosni Mubarak, há 30 anos no poder. Um dia depois de frustrar as expectativas ao descartar deixar o poder, Mubarak partiu da capital egípcia para Sharm el-Sheik com sua família. No início da terça-feira 8 de fevereiro, ela e mais cinco jovens faziam o trabalho; à tarde, eram 35. Desde 25 de janeiro, primeiro dia dos protestos, Farida, muçulmana que não usa véu e estuda na Universidade Americana do Cairo, anda pelas ruas do Cairo sem ouvir gracejos machistas, antes uma repetitiva rotina diária. Também pode fumar um cigarro na rua e vestir-se como quiser, sem ser recriminada. Ao contrário, a todo momento, alguém se aproxima e lhe faz um agradecimento respeitoso por ajudar na limpeza.

Embora ainda sem um desfecho político definido, o movimento contra o regime autoritário do país operou uma silenciosa revolução nos costumes e nas relações entre as classes sociais na sociedade egípcia, ainda invisível aos olhos de muitos estrangeiros. Numa sociedade claramente estratificada – ou mesmo “segregada”, na visão de muitos ouvidos pelo iG –, as manifestações uniram o povo egípcio em um novo projeto de país.

Na opinião de dezenas de entrevistados pela reportagem, as enormes disparidades socioeconômicas, o discurso desagregador do regime e a falta de liberdade levaram a população à apatia, frustração, raiva e incentivavam o ressentimento entre os diferentes grupos sociais e religiosos. Era um habilidoso método de dividir para imperar.

A “revolução”, como a chamam os seus integrantes, trouxe de volta a autoestima, o orgulho nacional – milhares portam bandeiras do Egito – e o sentimento de que o país lhes pertence. “É a primeira vez que me sinto pisando em meu solo. Renasci, sou dona das ruas, que eram de Mubarak. A única coisa boa que Mubarak fez foi unir todos contra ele. Sinto-me como se tivesse 18 anos”, disse ao iG Nema Khalija, que vive de US$ 45 de pensão.

Para a cientista política Salma, que omitiu o sobrenome por trabalhar no gabinete de um ministro, o movimento teve um impacto social muito positivo na interação das pessoas e na liberdade das mulheres egípcias. “É impressionante, as mulheres eram praticamente tratadas como propriedade pública. Mas aqui não há nenhum assédio, nada de assovios ou cantadas grosseiras, nada. Faça o que quiser, vista o que quiser, as pessoas não vão te olhar torto. Os mais velhos nos dizem: ‘Vocês nos trouxeram esperança.’ Antes, as pessoas odiavam o país e assim, não cuidavam. Estavam frustradas, ressentidas, não eram elas mesmas. Agora todos dividem água, alimentos... Nunca vi isso, todos se preocupam em ser gentis, e há diálogo entre as classes. Há um senso de responsabilidade social, e estamos orgulhosos disso. Socialmente, é uma enorme conquista, é grandioso”, afirmou Salma, que antes andava com spray de pimenta na bolsa.

A antropóloga Noha Roushdy, 27, concorda. “Mulheres nunca fumariam aqui antes. Não há nenhum assédio, as pessoas pedem desculpas dez vezes se esbarram em você.”

Para a estudante Farida El-Gueretly, 20, os egípcios eram “muito egoístas, voltados para si”. “Ninguém fazia nada pelo outro, não havia conexão. A sociedade era tão dividida, e agora existe uma integração como nunca houve antes. As pessoas se sentam juntas, e antes ninguém ouvia ninguém. Não sei o que está acontecendo, mas isso é muito bom”, disse.

Para a maioria dos cidadãos, há apenas três semanas era impossível imaginar que tudo isso pudesse acontecer. Os protestos raramente reuniam mais de 300 e eram controlados por policiais em quantidades ao menos dez vezes superiores. A marcha que começou com jovens de classe média em um bairro rico do Cairo, porém, espalhou-se e agora junta milhões. [...]

Uma canção entoada na Tahrir ilustra as diferenças religiosas tradicionalmente existentes que se procuram dissipar no discurso de um “novo Egito”, unido pela nacionalidade: “Olhe aí os egípcios! Não são os muçulmanos, não são os cristãos, são os egípcios!”

Todos os dias na praça, é possível observar conversas entre religiosos, como os da Irmandade Muçulmana, e muçulmanos, seculares ou até cristãos. “Eles vão mudar, e nós também mudaremos”, disse o arquiteto Tamer Elp-Shayal.

“Quem atacou as igrejas (no início do ano, houve uma onda de ataques a igrejas no Egito, e ele insinua que foi o governo)? Desde o começo das manifestações não há ataques, e as igrejas são protegidas por muçulmanos”, disse o farmacêutico Hamdy Tawfik, 45. [...]

(Ultimo Segundo)

Nota: Os desdobramentos da revolução que se espalha por outros países árabes mostram alguns pontos positivos, especialmente para aqueles interessados em partilhar a mensagem do evangelho com os muçulmanos: (1) o povo daquela região clama por liberdade (ainda que seja a de fumar em público), e essa liberdade passa pela religiosa; (2) revoluções podem mudar costumes e posturas em pouquíssimo tempo; (3) já parece haver maior diálogo (ainda que limitado) entre cristãos e muçulmanos. Que esta seja a derrubada da “cortina de ferro” dos países árabes. Deus ama aquele povo e devemos orar muito por ele.[MB]