segunda-feira, março 28, 2011

“Charles Darwin estava errado”

O americano Samuel Bowles, 71 anos, é dono de um currículo invejável. Ph.D em economia pela Universidade Harvard, onde também foi professor durante quase uma década, atualmente ele dirige o Programa de Ciências Comportamentais do Instituto Santa Fé, na capital do Novo México, e leciona na Universidade de Siena, na Itália. Autor de diversos livros, Bowles foi conselheiro econômico em Cuba, na Grécia, do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela e dos ex-candidatos à presidência dos Estados Unidos Robert F. Kennedy e Jesse Jackson. Seus estudos sobre a evolução genética e cultural dos humanos têm repercutido em publicações de prestígio, como as revistas Nature e Science, porque põem em dúvida nada menos do que a teoria da evolução, de Charles Darwin, e a ideia de que os homens são inteiramente egoístas. “O comportamento humano é muito mais complexo do que a teoria da evolução supõe”, diz Bowles. “A seleção natural pode, sim, produzir espécies altruístas e cooperativas.”

O senhor defende a ideia de que a gentileza foi fundamental para a evolução humana. Por quê?

A teoria da sobrevivência do mais gentil é uma crítica à teoria da sobrevivência do mais apto, de Charles Darwin. Diversas pesquisas feitas nos últimos anos, muitas delas por mim, têm mostrado que a seleção natural pode, sim, produzir espécies altruístas e cooperativas – em vez de seres humanos inteiramente egoístas. Darwin estava errado.

Como o senhor chegou a essa conclusão?

Por inúmeros fatores. A maioria das pessoas, em certas situações, é completamente altruísta. Muitas vezes, elas são generosas inclusive com estranhos e são extraordinariamente corajosas ao servir suas nações ou suas famílias. Como quando ocorrem desastres naturais ou para defender uma causa. Essa evidência de que os seres humanos não são inteiramente egoístas tem sido bastante estudada recentemente. Há diversos experimentos feitos em laboratórios que mostram que indivíduos que recebem dinheiro para dividir com outras pessoas, em geral, são generosos. Na maioria das vezes, eles fazem isso anonimamente, quando não estão sendo vigiados. Nesses experimentos, a maioria das pessoas não age de maneira egoísta, como costumávamos imaginar no passado, à luz da teoria da evolução.

Como as pessoas agem?

Às vezes, são incondicionalmente altruístas, do tipo Madre Tereza de Calcutá. Em outros momentos, só são altruístas enquanto outras pessoas do grupo também agem assim. As pessoas têm compromissos morais. Claro que, em muitas situações, agem por interesse próprio. O egoísmo é uma parte importantíssima do repertório humano e não pode ser ignorado. Mas é fundamental ter em mente que o comportamento humano é muito mais complexo do que a teoria da evolução supõe. [Aliás, muitas outras coisas são muito mais complexas do que a teoria da evolução supõe.]

[...] Tenho estudado o comportamento humano durante toda a minha vida. Se assistirmos à tevê, vemos que há muita gente fazendo coisas incríveis e perigosas para defender uma causa. As manifestações nas ruas do Cairo, no Egito, são um claro exemplo. Talvez, muitos economistas se surpreendam porque acreditam que o “homem econômico” é egoísta. Muitos biólogos também, porque acreditam que a seleção natural só é capaz de produzir animais egoístas. Essa interpretação equivocada da teoria de Darwin é mostrada num livro que será lançado em breve, do qual sou coautor, chamado Uma Espécie Cooperativa: Reciprocidade Humana e sua Evolução.

A espécie humana é essencialmente cooperativa?

Exatamente. A questão central não é por que pessoas egoístas agem de maneira generosa, mas como a genética e a evolução cultural produziram uma espécie em que um número substancial de pessoas se sacrifica para manter as normas éticas e para ajudar, inclusive, pessoas estranhas. A seleção natural e a transmissão genética de pais para filhos podem, sim, produzir espécies cooperativas. Os primeiros seres humanos – de 50 mil anos atrás, dez mil anos atrás e assim por diante – viveram em condições adversas, de variações climáticas e desafios diante de outros grupos, em que indivíduos egoístas teriam sido bastante prejudiciais na competição pela sobrevivência. Os grupos mais cooperativos foram mais capazes de se reproduzir em larga escala. Creio que essa foi a razão de a espécie humana ter se tornado cooperativa. [Como esse cenário é fictício, poderiam ser dadas outras explicações para esse comportamento humano, sem se partir do mito para justificar o altruísmo.]

[...] O que sabemos é que, em geral, menos de um terço das pessoas é egoísta. Ao contrário do que diz o senso comum, as sociedades mais avançadas economicamente – como os Estados Unidos e países europeus – não são mais nem menos egoístas do que países africanos, asiáticos ou latino-americanos.

A teoria da sobrevivência do mais apto e a da sobrevivência do mais gentil é mais ou menos presente, dependendo da sociedade estudada?

Não há uma única sociedade que eu estudei e onde experimentos tenham sido feitos que tenham confirmado a hipótese do “homem econômico egoísta”. Posso dizer, com certeza absoluta, que não há uma única sociedade já descoberta na qual os pressupostos dos economistas ou os da seleção natural – de que a espécie humana é inteiramente egoísta – tenham sido confirmados. O que temos são vários graus e diferentes tipos de altruísmo coexistindo com o autointeresse. [...]

De acordo com a sua teoria, como o comportamento altruísta influenciou a evolução cultural e genética dos humanos?

A pessoa é altruísta, de acordo com biólogos e também segundo a minha definição, se ajuda os outros sacrificando a si mesma. Para os biólogos, isso significa ajudar as outras pessoas a se adaptar, produzir mais crianças e cuidar delas até que elas próprias possam se reproduzir. Para os biólogos, no entanto, esse tipo de sacrifício só seria possível entre irmãos ou parentes próximos. Porque, se a pessoa abrir mão do próprio sucesso reprodutivo para ajudar um desconhecido, seu tipo altruísta é eliminado. O problema é que essa teoria desconsidera uma questão importantíssima: seres humanos vivem em grupos e nós sobrevivemos por causa disso. Se estivéssemos num grupo em que todos são egoístas, ele funcionaria precariamente e acabaria extinto. [...]

(IstoÉ)

Leia também: “Evolución de sapos desafía la teoría de Darwin” (um bom exemplo de diversificação de baixo nível [microevolução] tido como “evolução”).