terça-feira, maio 17, 2011

Átomos individuais podem nunca ter sido vistos

[As observações entre colchetes são minhas, bem como os grifos em bold – MB.] Microscópios capazes de fazer imagens de átomos, e até imagens de átomos neutros, não são nenhuma novidade, e podem ser comprados no comércio. O público também já se acostumou com imagens como as do lado, geradas pela varredura dos materiais pelas finíssimas pontas desses microscópios eletrônicos. Mas agora um grupo de cientistas da Espanha e da República Checa afirma que o que se vê nessas imagens não são os átomos - os pontos brilhantes seriam na verdade o espaço entre os átomos, que sequer aparecem na foto. O nascimento da nanotecnologia está intimamente vinculado ao surgimento dos microscópios capazes de gerar imagens em escala atômica. Os chamados microscópios eletrônicos de varredura por tunelamento (STM - Scanning Tunnelling Microscope) foram os primeiros a atingir uma resolução suficiente para detectar os átomos. Ora, se há até microscópios no mercado que prometem fazer imagens de átomos, como se pode agora dizer que o que eles enxergam não são os átomos?

Neste ponto, entra em cena um assunto delicado, daqueles sobre os quais dificilmente se fala em público: a “certeza” sobre as observações científicas. É um assunto sobre o qual a maioria dos cientistas concorda, mas apenas tacitamente - qualquer referência a ele costuma colocar alguns acadêmicos na defensiva, gerando reações muito tenazes.

Dessa forma, é melhor não tocar muito no assunto, que passa ainda mais ao largo das “preocupações” do público, que recebe uma visão mais dogmática do que seria a ciência, suas conclusões, suas provas e suas certezas. Por exemplo, é comum que os cientistas usem termos como “evidências científicas” - coisas que falariam por si sós, independentemente de qualquer interpretação -, ou “comprovação científica”, como algo que encerraria de vez um debate qualquer.

Na verdade, tudo o que a ciência coleta são indícios, e todas as conclusões dos cientistas são interpretações de determinados experimentos, nunca palavras finais. É por isso que você vê tantas vezes a palavra “pode” nas manchetes aqui do Site Inovação Tecnológica – “pode ser” é bastante diferente de “é”, por mais que os indícios sugiram que seja. Felizmente é assim, senão, como já temos teorias para quase tudo, chegaríamos à insensata conclusão de que sabemos tudo - o que seria a morte da própria Ciência enquanto instituição.

Que não se vá ao extremo oposto, propondo que nada do que a Ciência propõe seja válido ou substancial - por observação direta podemos ver o contrário. Mas não é razoável permanecer em um extremo só pelo risco de cair no outro - destacando mais uma vez que estamos levantando peculiaridades do processo de “comunicação da ciência”, não do método científico.

Senão, vejamos: os experimentos permitem a elaboração de teorias, e as teorias levam à construção de modelos, que são geralmente usados para descrever comportamentos e propriedades ou para prever eventos. A teoria nunca equivale à realidade, é apenas uma interpretação dela. E o modelo quase nunca consegue abarcar toda a teoria.

Por exemplo, a Teoria da Relatividade, adequadamente restringida por várias simplificações úteis, levou ao modelo do Big Bang. Embora a maioria dos cientistas e a imprensa em peso fale do Big Bang como se ele fosse um “fato histórico”, sua conexão com a realidade é muito tênue - essa conexão é mediada por uma série de pressupostos, conjecturas e simplificações.

Obviamente, modelos e teorias não sobrevivem muito se não tiverem um bom poder explicativo - uma capacidade de explicar os fenômenos observados. Assim, modelos que sobrevivem são muito bons, provavelmente fundamentados em teorias excelentes - é o que acontece com o modelo do Big Bang e com a Teoria da Relatividade [cadê a Teoria da Evolução?]. Mas isso não quer dizer que tais explicações durarão para sempre - de fato, pode-se dizer, com altíssimo índice de probabilidade de acerto, que elas não durarão por muito tempo da forma como estão hoje.

No mundo da física clássica, onde maçãs caem, ímãs atraem ferro e combustíveis queimam, a leitura do indício coletado no experimento se aproxima dos sentidos humanos - as leis da termodinâmica estão aí para exemplificar isso. Então, nesse nível, as teorias são propostas com maior nível de “aderência” ao real. Talvez esteja aí a origem da mitologia das observações inquestionáveis, das conclusões definitivas e, finalmente, da ciência conclusiva e infalível.

Se, nesse nível, tais mitos já são questionáveis, tudo se complica quando o fenômeno a ser estudado se afasta dos sentidos humanos, seja em dimensões, seja em velocidade ou em qualquer outro aspecto [o tempo, por exemplo, na escala de milhões e bilhões de anos]. Nesse caso, o cientista precisa construir equipamentos para fazer os experimentos. Esses equipamentos, contudo, são feitos segundo interpretações da realidade - só se constrói um microscópio para ver átomos depois que se aceita que átomos existem, e só se constrói os sensores capazes de detectar os átomos depois que se elaboraram teorias sobre o que se pode detectar em um átomo, e assim por diante. [A experiência falida de Urey-Miller é outro bom exemplo de equipamento baseado numa premissa impossível de ser provada/observada. Quiseram provar a origem abiótica da vida segundo a hipótese que eles defendiam e planejaram o experimento para obter o resultado desejado.]

Logo, qualquer que seja o resultado do experimento, e as conclusões que se tira dele, esse experimento tem, em sua sequência de execução, uma equivalente sequência de “intermediários”, eivados de interpretações. Nos complicados laboratórios modernos, com seus sensores e medidores ultrassofisticados, existem várias “camadas” de interpretação, embutidas nas inúmeras peças que compõem esses equipamentos cada vez mais complexos. É por isso que a usual referência a evidências, provas e certezas, como comumente se lê e se ouve, é algo tão distante da realidade daquilo que os cientistas realmente fazem.

É isso o que agora é ilustrado pelo caso dos microscópios eletrônicos e das imagens que eles geram dos átomos. Na verdade, mesmo antes do questionamento agora publicado, os cientistas já sabiam que essas imagens não são realmente imagens dos átomos, no sentido que se fala da fotografia de uma bola de gude, por exemplo. Um microscópio de tunelamento por varredura usa uma minúscula ponta eletrificada, eventualmente com apenas um átomo em sua extremidade, que é passada, a uma pequena distância, sobre toda a extensão da amostra a ser observada. A imagem é gerada medindo a corrente dos elétrons que tunelam entre a ponta do microscópio e a superfície da amostra. Assim, o que a imagem mostra seriam, na verdade, variações espaciais na densidade do estado de elétrons da superfície da amostra próximas ao nível de Fermi - o nível de energia dos elétrons mais fracamente mantidos em um sólido.

Contudo, como a densidade dos estados nem sempre é o mais alto quando a ponta está diretamente acima dos átomos, não é possível saber com absoluta certeza se aqueles pontos brilhantes que aparecem nas imagens geradas pelo STM correspondem aos átomos ou ao espaço entre eles. Nesse caso, pode-se argumentar que seria simplesmente uma questão se saber se estamos vendo uma imagem dos átomos ou um negativo da imagem dos átomos.

Ocorre que as imagens geradas são totalmente diferentes dependendo da estrutura e da composição da ponta do microscópio - no sentido discutido acima, a ponta individualmente representa uma “camada” de interpretação embutida na interpretação mais geral do resultado do experimento, ou seja, da imagem. Assim, os cientistas precisam conhecer com detalhes e com precisão as forças químicas e físicas presentes e atuantes entre a ponta e a superfície - e lá vai outra camada de interpretação, melindrando quaisquer pretensões de certeza.

O que os cientistas fizeram agora foi tentar partir da situação mais simples possível, realizando os chamados cálculos de primeiros princípios, quando se parte de propriedades mais fundamentais e que podem ser certificadas com maior acurácia - sem nenhuma “certeza”, obviamente.

Usando nanotubos de carbono e grafite, e uma ponta específica de microscópio, os pesquisadores concluíram que os pontos brilhantes que aparecem nas imagens geradas pelo microscópio de varredura por tunelamento correspondem aos espaços vazios entre os átomos, e não aos próprios átomos. A diferença não é pequena, e pode impactar resultados de inúmeras pesquisas. [...]

A pergunta que se coloca então é: Os átomos individuais já foram de fato “vistos”? Se essa nova interpretação estiver correta, a resposta é não: os átomos estariam nos espaços vazios entre os pontos brilhantes. Como eles aparecerão numa futura imagem irá depender da avaliação dos diversos tipos de pontas usadas nos microscópios e dos softwares que traduzem as leituras do sensor em imagens mostradas na tela do computador - pontas que terão que ser refeitas com exigências mais estritas e softwares que terão de ser atualizados.

Outra pergunta a ser respondida é por que os espaços vazios aparecem como pontos. Ou, outra possibilidade plausível, esperamos até que outra equipe de cientistas encontre falhas na demonstração agora publicada e diga para esquecermos este episódio e que, sim, já estávamos vendo os átomos individuais desde o início.

(Inovação Tecnológica)

Nota: O texto é muito bom e revela as limitações da frequentemente endeusada ciência. Sem dúvida nenhuma, o método científico é uma grande invenção humana, mas, como tudo que é humano, é limitado e eivado de preconceitos e filosofias. Pena que o texto não tenha aberto mais a discussão para outros campos, como a biologia evolutiva, e tenha se limitado mais à física. Frequentemente, os cientistas utilizam modelos computacionais alimentados por dados oriundos de suposições. Depois publicam os resultados e fazem a população crer que se trata de “descoberta científica”. Esse tipo de assunto – as limitações da ciência – deveria ser mais abordado pela grande imprensa. Parabéns ao Inovação Tecnológica.[MB]