terça-feira, maio 10, 2011

EUA, paladino dos direitos humanos?

Os americanos, por natureza democráticos, amantes da justiça e da imprensa livre, não mentem. Que bom! Por isso, não seria justo reclamar que Bin Laden morreu, embora até o momento não tenha aparecido nenhum corpo (foi jogado ao mar) e o democrata Obama tenha proibido a publicação das fotos. Não coloquemos cabelo em sapo nem proclamemos conspirações fantasiosas. Admitamos que se livrar do corpo para evitar que sua sepultura se transformasse em local de peregrinação foi coerente. Afinal, os americanos sempre e zelosamente pensam um passo à frente em relação à paz mundial, sempre estão dispostos a mobilizar exércitos para libertar povos pelo mundo. Se Bin Laden foi o monstro que dizem que foi, e tudo indica que foi, já foi tarde. A morte de pessoas que levam inocentes à morte não deve ser lamentada. Mas... e sempre tem de ter um “mas”: é aceitável que um país com ideais tão democráticos agrida de forma tão abominável os direitos humanos, na medida em que reconhece ter obtido o paradeiro do terrorista mediante tortura?

Toda moeda tem duas faces, mas só uma nos foi apresentada, e, pelo poder bélico que os EUA detêm, a exibição da outra nem foi questionada. Ou o torturado não era integrante do gênero humano, daqueles que, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, tinha direito a um julgamento justo? Basta querer ler nas entrelinhas e ver que os EUA dizem ao mundo: “Em nome de nossas opiniões sobre justiça, nós podemos tudo, inclusive torturar. Vocês, outros, o resto do mundo não têm esse direito.”

Lamento sinceramente pelos 3.000 mortos das torres gêmeas. Eram inocentes. Morreram pelo ideal doentio de um monstro, mas localizado pela confissão sob tortura, como admitiu Obama.

Há menos de 150 anos, americanos mataram quase um milhão de americanos em sua guerra civil, sob a égide da mesma constituição a que ainda hoje cada um se subordina... ou deveria subordinar-se. Ambos os lados perseguiam um ideal. Uma constituição tão decantada e uma declaração universal de direitos tão idealista deveriam ser reescritas, ou se admita de vez que nem todos precisam obedecê-las, principalmente os mais fortes, formosos amantes da paz e da liberdade, guardiões do mundo, inimigos da tortura.

(Roberto Curt Dopheide é advogado. Texto publicado no Jornal de Santa Catarina, 9/5/11)

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