quinta-feira, agosto 11, 2011

Uma nova sociedade ou um tsunami social-ecológico?

No último artigo, aventei a ideia, sustentada por minorias, de que estamos diante de uma crise sistêmica e terminal do capitalismo e não de uma crise cíclica. Dito em outras palavras: foram destroçadas as condições de sua reprodução, seja por parte da devastação da natureza e dos limites alcançados de seus bens e serviços, seja por parte da desorganização radical das relações sociais, dominadas pela economia de mercado com a predominância do capital financeiro. A tendência dominante é pensar que se pode sair da crise, voltando ao que era antes, com pequenas correções, garantindo o crescimento, resgatando empregos e assegurando lucros. Portanto, continuarão os negócios usuais. As bilionárias intervenções dos Estados industriais salvaram bancos, evitaram uma derrocada sistêmica, mas não transformaram o sistema econômico. Pior ainda, as injeções estatais facilitaram o triunfo do capital especultivo sobre a economia real. Aquele é tido com o principal deslanchador da crise, comandado por verdadeiros ladrões que colocam o lucro acima do destino dos povos, como se viu agora com a Grécia. A lógica do lucro máximo está destruindo os indivíduos, as relações sociais, penalizando os pobres, acusados de dificultar a implantação do capital. A bomba foi mantida com o estopim. Um problema maior qualquer poderá acender o estopim. Muitos analistas se perguntam amedrontados: A ordem mundial sobreviveria a outra crise do tipo da que tivemos?

O sociólogo francês Alain Touraine assevera em seu recente livro Após a Crise (Vozes, 2011): ou a crise acelera a formação de uma nova sociedade, ou virá um tsunami que poderá arrasar tudo o que encontrar pela frente, pondo em perigo mortal nossa própria existência no planeta Terra. Razão a mais para sustentar a tese de que estamos em face de uma situação terminal deste tipo de capital. Impõe-se a urgência de pensar valores e princípios que poderão fundar um novo modo de habitar a Terra, organizar a produção e a distribuição dos bens, não só para nós (superar o antropocentrismo), mas para toda a comunidade de vida. Esse foi o objetivo da produção da Carta da Terra, animada por M. Gorbachev que, como ex-chefe de Estado da União Soviética, conhecia os instrumentos letais disponíveis para a destruição até da última vida humana, como afirmou em várias reuniões.

Aprovada pela UNESCO em 2003, ela contém, efetivamente, “princípios e valores para um modo de vida sustentável como critério comum para indivíduos, organizações, empresas e governos”. Urge estudá-la e deixar-se inspirar por ela, sobretudo agora, na preparação da Rio+20.

Ninguém pode prever o que virá após a crise. Há apenas insinuações. Estamos ainda na fase do diagnóstico de suas causas profundas. Lamentavelmente, são, sobretudo, economistas que fazem análises da crise e menos sociólogos, antropólogos, filósofos e estudiosos das culturas. O que está ficando claro é que houve um triplo descolamento: o capital financeiro se descolou da economia real; a economia em seu conjunto, da sociedade; e a sociedade em geral, da natureza. Essa separação criou uma fumaça tal que já não vemos quais caminhos seguir.

Os “indignados”, que enchem as praças de alguns países europeus e do mundo árabe, estão colocando esse sistema em xeque. Ele é ruim para a maioria da humanidade. Até agora eram vítimas silenciosas. Agora gritam alto. Não só buscam emprego, mas reclamam direitos humanos fundamentais. Querem ser sujeitos, vale dizer, atores de outro tipo de sociedade, na qual a economia esteja a serviço da política e a política a serviço do bem viver das pessoas entre si e com a natureza. Seguramente não basta querer. Impõe-se uma articulação mundial, a criação de organismos que viabilizem outro modo de conviver e uma representação política ligada aos anseios gerais e não aos interesses do mercado. Trata-se de refundar a vida social.

Por mim, vejo os indícios, em muitas partes, do surgimento de uma sociedade mundial ecocentrada e biocentrada. O eixo será o sistema-vida, o sistema-Terra e a Humanidade. Tudo deve servir a essa nova centralidade. Caso contrário, dificilmente evitaremos um tsunami ecológico-social possível.

(Leonardo Boff, Jornal do Brasil)

Nota: É a velha situação inescapável do “se correr o bicho pega; se ficar o bicho come”. Caso a humanidade não faça nada, o mundo vai à bancarrota. Caso faça e siga os conselhos de gente como Boff (embora o discurso seja muito bonito), teremos uma “sociedade mundial” que terá de criar um governo global ECOmênico e “organismos que viabilizem outro modo de viver” – leia-se “coletivismo”, no qual as minorias não têm vez. Boff atribui os problemas do mundo a um “triplo descolamento”: “O capital financeiro se descolou da economia real; a economia em seu conjunto, da sociedade; e a sociedade em geral, da natureza. Essa separação criou uma fumaça tal que já não vemos quais caminhos seguir.” Na condição de ex-religioso, o teólogo espiritualista verde deveria se lembrar de que o maior problema da humanidade foi se “descolar” de Deus! A fumaça nos olhos dele deve estar lhe ofuscando tanto a visão, que ele não percebe que o problema é o mesmo dos tempos de sua religião marxista (a teologia da libertação): o homem não convertido não transformará este mundo num lugar de paz. Boff continua andando em círculos e apostando em revoluções sociais. Mudou de bandeira, mas os métodos e discursos continuam praticamente os mesmos. Uma geração ficou órfã da tal teologia que não trouxe libertação (eu fazia parte desses desiludidos). Será que outra terá que dar com os burros n’água ao constatar, mais uma vez, que “maldito [é] o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor” (Jr 17:5)? O único caminho seguro consiste em entregar o coração/vida a Deus (e isso é uma atitude individual, não coletiva) e esperar ativamente a solução que vem do alto (volta de Jesus), enquanto se vive aqui da melhor maneira possível (justa, fraterna e sustentavelmente). Nesse caminho não há fumaça.[MB]