quarta-feira, fevereiro 15, 2012

A porrada nossa de cada dia

Primeiro, a notícia de que haverá uma luta beneficente em frente ao Palácio do Planalto e, depois, outra de que mulheres disputarão um torneio de mixed martial arts (MMA). Neste último caso, o promotor do espetáculo avisa que não é “aquela coisa de briga de mulher”, mas de profissionais do ringue, coisa muito séria. Mesmo que não tenha havido maiores repercussões do assunto neste Observatório da Imprensa ou em colunas de jornal, não é difícil imaginar o que pensa disso gente de primeiro time como Alberto Dines, Zuenir Ventura e Ancelmo Góis, para mencionar apenas alguns dos jornalistas que têm criticado esse tipo de espetáculo em ascensão no gosto do público e da mídia.

Como não lhes dar razão? O cenário é assustador: num ringue, que pode assumir forma octogonal a depender da empresa promotora, homens fortíssimos, reinterpretações pós-modernas dos gladiadores romanos, trocam socos e pontapés até que um deles, às vezes coberto de sangue, desmaie ou dê as batidinhas convencionais de desistência (tap out). O MMA é o reality show da porrada.

(Não é, aliás, sem algum arrepio que grafo “porrada”, pois me lembro bem que, no auge da ditadura militar, o finado Tarso de Castro foi levado à polícia política porque havia empregado, em uma nota no Pasquim, essa palavra. Nos porões, a porrada dava o tom aos “diálogos”, mas só como passagem ao ato: como fala, era proibida.) [...]

Ninguém jamais se preocupou muito com esse assunto no espaço público. Por que agora a comoção? Uma resposta hipotética é que o espetáculo da violência disseminou-se na mídia, passando a ser visto por novas frações de público, como crianças e mulheres. Mais ainda, a coisa chegou à Globo, ainda em horário tardio, mas nada indica que não possa adiantar-se na grade de programação, aparecendo à beira do jantar.

Admitamos que seja patética a possibilidade de estetização do ato de violência dentro do horário “nobre”. Violência pode ser ato e estado (instituição). É preciso levar em conta a hipótese de que a porrada física do MMA possa ser de fato menos violenta do que o espetáculo da violência institucional e moral a que assistimos, dentro e fora do horário “nobre”, quando as figuras da República vêm a público tentar explicar a corrupção do dia a dia.

(Muniz Sodré, Observatório da Imprensa)

Nota: Mais absurda é a mistura de religião com “porrada”, como na foto abaixo, ou como no caso dos lutadores /espancadores que agradecem a Deus o fato de terem detonado o oponente.[MB]


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