terça-feira, abril 24, 2012

Thomas Kuhn em retrospectiva

Já se passaram 50 anos desde que o livro The Structure of Scientific Revolutions [A Estrutura das Revoluções Científicas] apresentou uma perspectiva radicalmente diferente sobre o modo como os cientistas realizam seu trabalho. A maioria dos leitores desse livro teria familiaridade com o método científico, que define a maneira como a ciência deve funcionar. Mas o “método científico” dos livros didáticos subestima as contribuições criativas fornecidas pelos cientistas, e Thomas Kuhn sabia que a História da Ciência fornece evidência abundante demonstrando que os fatores humanos merecem um perfil muito maior em nosso pensamento. Mesmo assim, ele sabia que seu livro era iconoclástico:

“Kuhn não estava totalmente confiante sobre como o livro Structure seria recebido. A ele fora negado estabilidade no emprego na Universidade Harvard, em Cambridge, Massachusetts, alguns anos antes, e ele escreveu a diversos correspondentes após o livro ter sido publicado que ele sentia que tinha  ido ‘muito além da conta’. Todavia, dentro de meses, algumas pessoas estavam proclamando uma nova era no entendimento da ciência. Um biólogo brincou que todos os comentários poderiam ser agora datados com precisão: seus próprios esforços tinham aparecido ‘no ano 2 a.K.’, antes de Kuhn. Uma década mais tarde, Kuhn tinha recebido tanta correspondência sobre o livro que se desesperou pensando se novamente conseguiria fazer algum trabalho.”

Após duas décadas, o “Structure tinha alcançado o status de arrasa-quarteirão”. As vendas estavam beirando a casa de um milhão de cópias e numerosas edições em línguas estrangeiras tinham sido publicadas. “O livro se tornou a obra acadêmica mais citada de todas as ciências humanas e sociais entre 1976 e 1983.” Esta última estatística foi a chave para entender seu destino subsequente: o livro foi como um imã para os sociólogos de ciência porque sua mensagem era sobre a face humana da ciência. Embora Kuhn tenha começado sua carreira acadêmica como físico, ele passou para a História e Filosofia da Ciência. O que ele tinha a dizer era menos atraente para a comunidade científica.

A palavra-chave para Kuhn foi “paradigma”. Originalmente, a palavra foi usada para se referir a um exemplo definido, padrão ou modelo. Mais tarde, foi associada com um referencial teórico para entender um aspecto do mundo em nosso redor. A abordagem de Kuhn se baseou nesses dois significados e lhes deu novas profundidades de significados.

“[Kuhn] separou seus significados intencionais em dois grupos. Um significado se referia às teorias e métodos dominantes de uma comunidade científica. O segundo significado, que Kuhn argumentou era tanto mais original e mais importante, referia-se aos exemplares ou problemas modelos, os exemplos trabalhados nos quais os estudantes e os jovens cientistas iniciam seus estudos/pesquisas. Assim como Kuhn reconheceu a significância de seu treinamento em Física, os cientistas aprenderam por meio da aprendizagem imersiva; eles tiveram que aprimorar o que o químico e filósofo de ciência húngaro Michael Polanyi tinha chamado de “tácito conhecimento”, ao trabalhar através de grandes coleções de exemplares em vez de memorizar regras explícitas ou teoremas. Mais do que a maioria de especialistas do seu tempo, Kuhn ensinou os historiadores e filósofos a considerar a ciência como prática em vez de silogismo.”

A análise de Kuhn foi e continua sendo uma grande influência no meu pensamento. Sua primeira contribuição foi demonstrar que o progresso crescente na ciência é somente parte da história. Isso é uma parte importante, e tende a dominar o pensamento da maioria dos cientistas ativos. Kuhn explicou como as anomalias na teoria são abordadas: a ciência normal considera as anomalias como problemas a serem resolvidos gradualmente, enquanto os cientistas revolucionários consideram as anomalias como indicadores para outra maneira melhor de abordar a evidência e definir os problemas. Descobrir aquela melhor maneira conduz a um novo quadro conceitual e se constitui em uma revolução científica.

Tendo contribuído com esse entendimento de revoluções na ciência, Kuhn também lançou luz em algumas disputas que acontecem antes e depois dessas revoluções. Há disputas expressas com palavras fortes; cientistas mostram emoção; pessoas se sentem afrontadas!

[Nota 1: Recentemente Francisco Salzano, Sergio Pena e vários cientistas enviaram uma carta ao presidente da Academia Brasileira de Ciência dizendo-se “afrontados” pelo avanço e a divulgação da teoria do Design Inteligente entre membros da ABC.
Veja aqui.]

Kuhn explicou que as pessoas que desenvolveram paradigmas diferentes de entendimento da evidência acham muito difícil se comunicar uma com a outra. 

“Mais controversa foi a afirmação de Kuhn de que os cientistas não têm como comparar conceitos nos dois lados de uma revolução científica. Por exemplo, a ideia de ‘massa’ no paradigma newtoniano não é a mesma no paradigma einsteiniano, argumentou Kuhn; cada conceito tira o significado de teias de ideias, práticas e resultados separados. Se os conceitos científicos  estiverem presos em maneiras específicas de ver o mundo, como uma pessoa que vê somente um aspecto da figura pato-coelho de um psicólogo de Gestalt, então como é possível comparar um conceito com outro? Para Kuhn, os conceitos eram incomensuráveis: nenhuma medida comum poderia ser encontrada com que relacioná-los, porque os cientistas, argumentou ele, sempre interrogam a natureza por meio de um dado paradigma.”

Uma figura ambígua na qual o cérebro muda entre ver um coelho e um pato

Esses insights são extremamente úteis quando se consideram questões controversas em nossos dias. Considere a questão de design inteligente, por exemplo. Durante o surgimento da ciência, os acadêmicos trabalhavam com paradigmas que eram capazes de lidar com o conceito de design na natureza - e eles encontravam design em toda a parte. Com as influências secularizantes do Iluminismo, veio uma aceitação do Deísmo - e assim o design era admitido somente até onde pudesse ser empurrado para os começos da história natural. Mais tarde, veio a ascensão do materialismo e do naturalismo e o desejo de redefinir a ciência exclusivamente em termos de causação natural, e isso nos levou ao ponto de vista do mundo evolucionário e à exclusão rígida do design inteligente da ciência. Essas mudanças paradigmáticas foram acompanhadas por uma incapacidade de entender os acadêmicos com um paradigma diferente: daí a representação de qualquer um que defenda o design inteligente como um defensor da anticiência e da superstição.

Hoje a análise kuhniana mesma está sob fogo de pessoas que são profundamente influenciadas pela cosmovisão materialista. Elas se apegam às ênfases positivistas com uma paixão que está parecendo cada vez mais como fervor religioso.

[Nota 2: Foi justamente esse “fervor religioso” que vi na carta assinada por Francisco Salzano, Sergio Pena e vários cientistas, enviada ao presidente da Academia Brasileira de Ciência, por causa do avanço e divulgação da teoria do Design Inteligente entre cientistas de renome da ABC. Veja aqui.]

Todavia, é bom ler essa resenha na revista Nature. Há certamente áreas de divergência com Kuhn, mas não percamos de vista sua abordagem magistral e ilustradora.

“Mesmo assim, ainda podemos admirar a destreza de Kuhn em abordar ideias desafiadoras com uma mistura fascinante de exemplos da psicologia, história, filosofia e mais além. Dificilmente precisamos concordar com cada uma das proposições de Kuhn para usufruir - nos beneficiar - desse livro clássico.”