terça-feira, junho 12, 2012

Os darwinistas estavam errados

Quando li o título acima no site da Folha de S. Paulo, senti uma lufada de leve e momentânea esperança – que durou pouco e foi se dissolvendo à medida que lia o texto de Rafael Garcia. Inicialmente, pensei que alguém, finalmente, tinha reunido coragem para colocar o dedo na ferida de um modelo científico-filosófico (mas que quase ninguém sabe ser metafísico) frequentemente blindado pela grande imprensa. Mas a constatação contrária veio logo, ao ler que Garcia considera os criacionistas norte-americanos como “movimentos religiosos conservadores que tentavam sabotar o ensino da teoria da evolução no país”. Garcia cita, em seguida, a pesquisa de opinião divulgada na semana passada pelo Instituto Gallup, segundo a qual 46% dos norte-americanos acreditam que Deus criou a espécie humana do nada. “O número é o mesmo de 30 anos atrás, quando o levantamento foi feito pela primeira vez”, ele acrescenta.

Garcia diz mais: “O que os professores de biologia se perguntam agora é: O que pode ser feito? Por que as pessoas são tão refratárias à ideia da evolução por seleção natural? Por que esforços educacionais e as incontáveis obras de divulgação científica sobre o assunto têm sido inócuas na tentativa de manter o fundamentalismo religioso longe da ciência?” Então você começa a perceber que o título não se refere a erros conceituais do darwinismo, como pode parecer à primeira vista, mas a erros estratégicos. Essa é a preocupação do autor.

Garcia força a barra ao escrever que “design inteligente” é “a teoria criacionista que evita falar em Adão e Eva, mas defende o mesmo ponto”. Entre os teóricos do DI, há até ateus, se é que ele não sabe. A preocupação dessa teoria não é com a natureza do designer e sim com as evidências de design inteligente na natureza. Tanto é que os teóricos do DI nunca se valem de livros de tradição religiosa. A verdade é que, ao associar design inteligente com criacionismo, Adão e Eva, etc., jornalistas, escritores e cientistas darwinistas querem blindar o evolucionismo contra uma teoria que poderia desafiar suas premissas do ponto de vista estritamente científico. Assim, eles polarizam equivocadamente a questão como sendo controvérsia entre ciência e religião. Nada mais falso.

Para Garcia, outro exemplo de “retrocesso” vem da Coreia do Sul. “O país não apenas deixou de repelir a influência criacionista na educação como também aceitou demandas de religiosos para expurgar Darwin dos manuais de biologia”. Aqui tenho que concordar, em parte, com Garcia. Não se deve migrar de um extremo para o outro. Impedir que os alunos conheçam adequadamente a visão criacionista e/ou do DI é algo que beira à censura. Mas também não é correto proibir o ensino do darwinismo nas escolas. O ideal é que se ensinem ambos os modelos com base numa visão comparativa crítica. O ensino dos contraditórios sempre é benéfico.

Segundo Garcia, “biólogos e educadores sérios” [que, para ele, são os darwinistas], hoje, estão perdendo essa guerra [contra o criacionismo]”. E diz mais: “Não vou discutir aqui o mérito de grupos conservadores em conseguir espalhar o evangelho do criacionismo. É inútil tentar convencer o inimigo de que sua causa é nociva. Mas acredito que nós, divulgadores da ciência, estejamos cometendo alguns erros.” Note o tom belicoso, virulento: a causa criacionista é “nociva”, enquanto eles, os darwinistas, são os verdadeiros “divulgadores da ciência”. Garcia, o método científico nem existiria se não fosse o trabalho meticuloso e sábio dos primeiros cientistas. E a maioria deles era criacionista.

Garcia dá sua receita: “Acredito que aquilo que está faltando aos professores de ciências é uma estrutura mais proativa para fazer estudantes de fato entenderem de que se trata a evolução.” Traduzindo: intensificar a doutrinação evolucionista das crianças. Por que não há tanta preocupação em se fazer os estudantes entenderem de que trata a teoria da relatividade? A teoria da gravitação? As leis da genética? A deficiência do ensino de ciências está relacionada apenas com a evolução?

Esta é a pior: “A praga criacionista cresce no terreno fértil do analfabetismo científico”, diz Garcia. “Ironicamente, talvez os educadores tenham algo a aprender com a tática de guerrilha dos grupos criacionistas, que atuam de forma descentralizada para espalhar suas ideias”, completa. Na cabeça dele (e de muitos outros), criacionistas são como terroristas (fundamentalistas, lembra?), com apuradas técnicas de guerrilha e planos de ação sendo executados sub-repticiamente! Não sabia que a grande imprensa andava disseminando teorias conspiratórias por aí... Quanta imaginação!

Mas o articulista da Folha prudentemente pede cuidado: “É preciso evitar que o combate ao criacionismo se transforme numa cruzada contra a religião em si. Transformar o ensino de evolução em patrulha ideológica só vai fazer com que a rejeição a Darwin aumente.” Claro. O Brasil (e os Estados Unidos também) é um país muito religioso (ainda que nominalmente, apenas) e ir contra essa muralha de fé não é mesmo prudente. Logo, a estratégia (e os criacionistas é que são estrategistas...) é defender a evolução sem bater de frente com a religião. Como? Propondo o evolucionismo teísta, evidentemente. Darwin estava certo e Deus também pode existir, sem problema. Conciliação pra lá de conveniente. Jeitinho brasileiro.

“Para resumir, então”, diz Garcia, “acredito que o combate [então é guerra mesmo!] ao criacionismo se beneficiaria de uma atitude mais ponderada dos biólogos. É preciso explicar que a teoria da evolução não está em conflito com uma compreensão religiosa mais sofisticada sobre a natureza [então a “visão mais sofisticada” é aquela que viola tanto o darwinismo quanto a Bíblia, ao defender uma visão híbrida de ambos?], e não se pode embutir a pregação ateísta no ensino da biologia, porque a evolução não se trata disso” [no fundo, o darwinismo é, sim, naturalista e ateu, mas não querem que você saiba disso, para não rejeitá-lo, se for crente].

Conclusão de Garcia: “Não há como combater a ignorância sem investir na educação como um bem coletivo, e não há como frear o dogmatismo religioso tentando impor o ateísmo na marra. Se existe um desejo inconsciente dos cientistas de que todos se tornem ateus, talvez ele se realize num mundo onde as pessoas tenham bom repertório cultural e se sintam livres para pensar. Não vejo outro caminho.” Pronto, aqui ele resume tudo o que pensa, mas tenta sutilmente negar: não vá contra os religiosos, mas ensine bastante a evolução, para que as crianças saiam da “ignorância” e se tornem ateias.

Infelizmente, essa é uma guerra que está apenas em seus primeiros capítulos.[MB]