Quando
li o título acima no site da Folha de S. Paulo, senti uma lufada de leve e momentânea
esperança – que durou pouco e foi se dissolvendo à medida que lia o texto de Rafael
Garcia. Inicialmente, pensei que alguém, finalmente, tinha reunido coragem para
colocar o dedo na ferida de um modelo científico-filosófico (mas que quase
ninguém sabe ser metafísico) frequentemente blindado pela grande imprensa. Mas
a constatação contrária veio logo, ao ler que Garcia considera os criacionistas
norte-americanos como “movimentos religiosos conservadores que tentavam sabotar
o ensino da teoria da evolução no país”. Garcia cita, em seguida, a pesquisa de opinião divulgada na semana passada pelo
Instituto Gallup, segundo a qual 46% dos norte-americanos acreditam que Deus
criou a espécie humana do nada. “O número é o mesmo de 30 anos atrás, quando o
levantamento foi feito pela primeira vez”, ele acrescenta.
Garcia
diz mais: “O que os professores de biologia se perguntam agora é: O que pode
ser feito? Por que as pessoas são tão refratárias à ideia da evolução por
seleção natural? Por que esforços educacionais e as incontáveis obras de
divulgação científica sobre o assunto têm sido inócuas na tentativa de manter o
fundamentalismo religioso longe da ciência?” Então você começa a perceber que o
título não se refere a erros conceituais do darwinismo, como pode parecer à
primeira vista, mas a erros estratégicos. Essa é a preocupação do autor.
Garcia
força a barra ao escrever que “design
inteligente” é “a teoria criacionista que evita falar em Adão e Eva, mas
defende o mesmo ponto”. Entre os teóricos do DI, há até ateus, se é que ele não
sabe. A preocupação dessa teoria não é com a natureza do designer e sim com as
evidências de design inteligente na
natureza. Tanto é que os teóricos do DI nunca se valem de livros de tradição
religiosa. A verdade é que, ao associar design
inteligente com criacionismo, Adão e Eva, etc., jornalistas, escritores e
cientistas darwinistas querem blindar o evolucionismo contra uma teoria que
poderia desafiar suas premissas do ponto de vista estritamente científico.
Assim, eles polarizam equivocadamente a questão como sendo controvérsia entre
ciência e religião. Nada mais falso.
Para
Garcia, outro exemplo de “retrocesso” vem da Coreia do Sul. “O país não apenas
deixou de repelir a influência criacionista na educação como também aceitou
demandas de religiosos para expurgar Darwin dos manuais de
biologia”. Aqui tenho que concordar, em parte, com Garcia. Não se deve migrar
de um extremo para o outro. Impedir que os alunos conheçam adequadamente a
visão criacionista e/ou do DI é algo que beira à censura. Mas também não é
correto proibir o ensino do darwinismo nas escolas. O ideal é que se ensinem
ambos os modelos com base numa visão comparativa crítica. O ensino dos
contraditórios sempre é benéfico.
Segundo
Garcia, “biólogos e educadores sérios” [que, para ele, são os darwinistas],
hoje, estão perdendo essa guerra [contra o criacionismo]”. E diz mais: “Não vou
discutir aqui o mérito de grupos conservadores em conseguir espalhar o evangelho
do criacionismo. É inútil tentar convencer o inimigo de que sua causa é nociva.
Mas acredito que nós, divulgadores da ciência, estejamos cometendo alguns
erros.” Note o tom belicoso, virulento: a causa criacionista é “nociva”,
enquanto eles, os darwinistas, são os verdadeiros “divulgadores da ciência”.
Garcia, o método científico nem existiria se não fosse o trabalho meticuloso e
sábio dos primeiros cientistas. E a maioria deles era criacionista.
Garcia
dá sua receita: “Acredito que aquilo que está faltando aos professores de
ciências é uma estrutura mais proativa para fazer estudantes de fato entenderem
de que se trata a evolução.” Traduzindo: intensificar a doutrinação
evolucionista das crianças. Por que não há tanta preocupação em se fazer os estudantes
entenderem de que trata a teoria da relatividade? A teoria da gravitação? As
leis da genética? A deficiência do ensino de ciências está relacionada apenas
com a evolução?
Esta
é a pior: “A praga criacionista cresce no terreno fértil do analfabetismo
científico”, diz Garcia. “Ironicamente, talvez os educadores tenham algo a
aprender com a tática de guerrilha dos grupos criacionistas, que atuam de forma
descentralizada para espalhar suas ideias”, completa. Na cabeça dele (e de
muitos outros), criacionistas são como terroristas (fundamentalistas, lembra?), com apuradas técnicas de guerrilha e
planos de ação sendo executados sub-repticiamente! Não sabia que a grande
imprensa andava disseminando teorias conspiratórias por aí... Quanta
imaginação!
Mas
o articulista da Folha prudentemente
pede cuidado: “É preciso evitar que o combate ao criacionismo se transforme
numa cruzada contra a religião em si. Transformar o ensino de evolução em
patrulha ideológica só vai fazer com que a rejeição a Darwin aumente.” Claro. O
Brasil (e os Estados Unidos também) é um país muito religioso (ainda que
nominalmente, apenas) e ir contra essa muralha de fé não é mesmo prudente.
Logo, a estratégia (e os criacionistas é que são estrategistas...) é defender a
evolução sem bater de frente com a religião. Como? Propondo o evolucionismo
teísta, evidentemente. Darwin estava certo e Deus também pode existir, sem problema. Conciliação pra lá de conveniente. Jeitinho
brasileiro.
“Para
resumir, então”, diz Garcia, “acredito que o combate [então é guerra mesmo!] ao
criacionismo se beneficiaria de uma atitude mais ponderada dos biólogos. É
preciso explicar que a teoria da evolução não está em conflito com uma
compreensão religiosa mais sofisticada sobre a natureza [então a “visão mais
sofisticada” é aquela que viola tanto o darwinismo quanto a Bíblia, ao defender
uma visão híbrida de ambos?], e não se pode embutir a pregação ateísta no
ensino da biologia, porque a evolução não se trata disso” [no fundo, o
darwinismo é, sim, naturalista e ateu, mas não querem que você saiba disso,
para não rejeitá-lo, se for crente].
Conclusão
de Garcia: “Não há como combater a ignorância sem investir na educação como um
bem coletivo, e não há como frear o dogmatismo religioso tentando impor o
ateísmo na marra. Se existe um desejo inconsciente dos cientistas de que todos
se tornem ateus, talvez ele se realize num mundo onde as pessoas tenham bom
repertório cultural e se sintam livres para pensar. Não vejo outro caminho.”
Pronto, aqui ele resume tudo o que pensa, mas tenta sutilmente negar: não vá
contra os religiosos, mas ensine bastante a evolução, para que as crianças
saiam da “ignorância” e se tornem ateias.