segunda-feira, setembro 03, 2012

Cético crê que religiosidade diminuirá no Brasil

O portal Terra publicou entrevista com o diretor da Sociedade Cética, criador da revista Skeptic e articulista semanal da Scientific American, o psicólogo e escritor norte-americano Michael Shermer. Segundo o Terra, Shermer vem ao Brasil para “disseminar a dúvida e o questionamento na 6ª edição do Fronteiras do Pensamento. Na mala, o cientista traz a certeza de que o ceticismo pode melhorar o planeta. De fato, ele prevê o arrefecimento da religiosidade da população brasileira com o aumento da prosperidade”. O Terra revela ainda que “Shermer nem sempre foi tão cético quanto mostra uma das frases de sua entrevista ao Terra: ‘Eu duvido até que provem o contrário.’ Durante o ensino médio, ele batia de porta em porta para propagar a palavra do Evangelho. No curso de psicologia, porém, as certezas cristãs começaram a ruir.” Confira a seguir boa parte da entrevista. Meus comentários seguem entre colchetes [MB]:

O que significa ser cético?

Ceticismo significa investigação cuidadosa. É manter a mente aberta, mas não tão aberta que seu cérebro caia fora e você passe a acreditar em tudo. Ceticismo é ciência, e os cientistas são céticos porque a maioria das ideias acaba se revelando falsa. Assim, a posição padrão da ciência e do ceticismo é a dúvida: eu duvido até que provem o contrário. Os céticos acreditam na ciência, na razão e na racionalidade. Os céticos acreditam que a mente humana é capaz de resolver problemas e melhorar nossas vidas através da razão. Os céticos são otimistas que têm esperança para o nosso futuro contanto que possam usar a razão e a ciência. [Curiosamente, se é assim, considero-me cético – e acho que até mais do que Shermer, pois frequentemente duvido até mesmo do meu ceticisimo. Na verdade, tornei cristão adventista criacionista justamente por usar meu ceticismo.]

Qual é o objetivo da ciência em um mundo que procura tanto o sobrenatural?

Ciência é um método para responder perguntas sobre o mundo natural com explicações naturais (não sobrenaturais). Ciência é um método sistemático para testar hipóteses acerca do mundo, métodos que podem ser empregados em qualquer lugar, por qualquer pessoa, a qualquer momento. A ciência é aberta e provisória; não Verdades (com V maiúsculo), mas conclusões provisórias baseadas em evidências que podem ser derrubadas se novas evidências surgirem. [Até aqui, tudo bem. Ciência é exatamente isso. Ela se preocupa e lida com o mundo natural e nada tem a dizer sobre o sobrenatural – nem pode afirmar que ele não exista. As “ferramentas” da ciência não são capazes de averiguar o que está além dos domínios do mundo natural, daí porque é absurdo que cientistas naturalistas afirmem, por exemplo, que a ciência os distancia de Deus. Usar a ciência para determinar se Deus existe ou não é como querer usar fita métrica para medir estrelas.]

Como pode um cientista ser religioso?

Muitos cientistas são religiosos, mas eu acho [achismo por achismo...] que eles empregam o que eu chamo de logic-tight compartments (NR: compartimentos cerebrais impermeáveis à lógica) quando eles têm crenças conflitantes. A religião faz coisas que a ciência não faz (como grupos que cozinham sopa e cuidam das pessoas pobres e necessitadas), e a ciência faz coisas que a religião não faz (como a execução de experimentos e coleta de dados para testar hipóteses sobre o mundo). [A motivação dos cientistas que fundaram o método científico, como Newton e Galileu, era justamente a de entender como Deus havia criado o Universo; portanto, esses e outros muitos cientistas do passado e do presente não trabalham com áreas estanques de seu cérebro. Eles creem e fazem boa ciência. Ponto final.] [...]

Por que as pessoas acreditam em coisas como horóscopo, tarô, médiuns, óvnis?

A principal razão para as pessoas acreditarem em coisas estranhas é porque nós precisamos acreditar em coisas, no geral. Nós fazemos isso procurando padrões na natureza. Nós somos buscadores de padrões. Eu chamo isso de “padronicidade”, a tendência de encontrar padrões significativos em ruídos sem sentido. Ufólogos veem um rosto em Marte. Religiosos veem a Virgem Maria ao lado de um edifício. Paranormais ouvem pessoas mortas falarem com eles através de um receptor de rádio. Os téoricos da conspiração acham que o 11 de setembro foi obra da administração do presidente Bush. É claro que alguns padrões são reais: os germes causam doenças, o DNA é a base da hereditariedade e o presidente Lincoln foi assassinado por uma conspiração. Então a dificuldade está em determinar a diferença entre os padrões verdadeiros e falsos. [E quem seria capaz de fazer essa diferenciação? Se nosso cérebro nos “prega peças”, por que devo confiar nas conclusões dele? Por que, afinal, devo acreditar que a opinião de Shermer sobre isso é a mais crível? Posso dizer que os cientistas também acreditam no método científico e em seus dados observacionais, mas, e se o observador dos dados não for realmente confiável? E se as conclusões dele e dos outros pesquisadores derivarem tão-somente dessa dita tendência de encontrar padrões significativos? O ceticismo de Shermer pode descambar para um relativismo perigoso...]

Quando nós enganosamente acreditamos ter encontrado um padrão, existem dois tipos de erro: o erro tipo 1, o falso positivo, é acreditar que algo é real quando não é; o erro tipo 2, o falso negativo, é não acreditar que algo é real quando é. Por exemplo, acreditar que o farfalhar da grama é um predador perigoso quando é apenas o vento é um erro tipo 1. Isso não é um grande problema, mas acreditar que um predador perigoso é apenas o vento é um erro tipo 2, que pode custar a vida de um animal. Portanto, teria havido uma seleção natural na evolução dos animais (incluindo primatas como os nossos ancestrais hominídeos) por simplesmente acreditar que todos os padrões são reais. Tais padronicidades, então, significam dizer que as pessoas acreditam em coisas estranhas por causa da nossa necessidade evoluída de acreditar em coisas não estranhas. [Curiosamente, Shermer incorre no mesmo erro de muitos darwinistas: (1) o darwinismo, em si, não é cientificamente provado – pelo menos no que tange à macroevolução; (2) a fé e a religiosidade são inerentes ao ser humano; (3) como fazem parte de nós, a fé e a religiosidade precisam de uma explicação; (4) como os darwinistas são materialistas, precisam de uma explicação materialista; (5) logo, usam o darwinismo para “explicar” algo que, na verdade, contradiz o próprio darwinismo – não porque não haja outra explicação, mas porque eles não a admitem, pois escolheram o naturalismo a priori e somente admitem “explicações” naturalistas.]

Há quem afirme enxergar espíritos, ouvir vozes e até conversar com seres que já faleceram. Esse tipo de relato é mentiroso?

As experiências que as pessoas têm são reais. O que essas experiências representam é algo completamente diferente. A maioria das pessoas não são mentirosas - elas acreditam naquilo que elas pensam ter visto. Mas, na maioria dos casos, elas interpretam erroneamente a experiência. [A luta de Shermer, na verdade, é contra o “irracionalismo”, ou seja, a crença em duendes, ETs, astrologia – e ele está certo nisso. Mas o que dizer de uma fé racional que, quando aplicada à vida a torna melhor e que é baseada num livro religioso que tem passado pelo crivo da ciência, da história, da arqueologia, etc.? Será que Shermer já se deu ao trabalho de usar seu ceticismo para avaliar todas as religiões e para, de mente aberta, como ele diz, estudar a funda a Bíblia Sagrada? Ou ele se contenta com o fato de ter tido uma experiência religiosa (pelo visto, superficial) e, por causa disso, crê saber realmente o que é fé?]

Em uma outra entrevista, você comentou sobre a diminuição da religiosidade na Europa e nos EUA. Aqui no Brasil, no entanto, não se nota essa tendência. Qual é o motivo?

Eventualmente, a religiosidade vai diminuir no Brasil e nos outros países da América do Sul, à medida que cresce a prosperidade e a confiança das pessoas nos sistemas políticos e econômicos. Uma razão pela qual a religião ainda cresce no Brasil, e em outros países, é que os níveis de confiança entre as pessoas nestes países sul-americanos é baixa, segundo os economistas. As pessoas se voltam para a religião quando seus governos não fornecem uma estrutura social sólida. [É evidente que a religião pode servir de consolo para aqueles que não encontram esperança em mais nada, mas isso não explica tudo. Há muita gente bem-sucedida, que vive em países ricos e que mantém a fé em Deus. É evidente, também, que o avanço do secularismo, do hedonismo e o enriquecimento (e da falsa segurança que ele dá) acabam sepultando a fé daqueles que não tinham muita base religiosa, cuja religiosidade não era fruto de um estudo aprofundado das Escrituras e de uma relação íntima com Deus. Não é à toa que Jesus tenha dito que é muito difícil (mas não impossível) um rico entrar no Céu e que a fé seria artigo raro pouco antes da volta dEle. O que Shermer está constatando, na verdade, é o cumprimento profético de palavras ditas por Jesus há dois mil anos.]

Em seu livro mais recente, The Believing Brain, você sintetiza 30 anos de suas pesquisas a respeito de como as pessoas formam suas crenças. Dá para sintetizar ainda mais?

Minha tese é simples: nós produzimos nossas crenças por uma variedade de razões subjetivas, pessoais, emocionais e psicológicas no contexto de ambientes criados por familiares, amigos, colegas de trabalho, da cultura e da sociedade em geral; após a formação de nossas crenças, nós então defendemos, justificamos e as racionalizamos com uma série de razões intelectuais, argumentos convincentes e explicações racionais. Crenças vêm em primeiro lugar, e as explicações para as crenças, a seguir. [Posso dizer o mesmo do ateísmo. Na infância, as pessoas geralmente creem, mas, depois, por alguns motivos (na maioria das vezes emocionais), acabam abandonando a crença em Deus. Mais tarde, o que elas fazem é colecionar argumentos para justificar a descrença – e muitas dessas pessoas (como Freud e Dawkins, por exemplo) passam a vida tentando se convencer e convencer a outros de algo em que elas não creem. Realmente se incomodam com aquilo em que não acreditam, reeditando a frase que diz: “Deus não existe, mas eu O odeio!” Isso é dissonância cognitiva.] [...]

Leia também: "Ceticismo com aspas e sem aspas" (texto do antigo blog do jornalista Maurício Tuffani, um cético honesto; leia também os comentários)