O ser humano consciencioso, cético ou
religioso anseia pela verdade. Por isso, alguns afirmam existir uma fome de
amor, de beleza e de verdade dentro
de nós. Concordo com essa afirmação, pois ela parece se demonstrar universal.
Mesmo que uns homens sejam mais famintos do que outros, todos desejam o
“alimento” do amor, da beleza e, principalmente, da verdade. Todavia, para
certas pessoas, essa fome pode assumir um aspecto aterrador. Se não for
controlada, é capaz de se tornar destruidora, à semelhança da experiência
mitológica de inanição de Erisícton, o mítico rei grego acometido de uma fome
consumidora que o levou a trágico fim. Amaldiçoado pela deusa Deméter (a Ceres
romana), a quem ofendeu, Erísicton foi alvo de castigo dantesco: tudo que comia
não o saciava. Não conseguindo parar de comer, devorou a si mesmo! Não seria
essa uma representação simbólica do homem contemporâneo? Devoramos informação,
tecnologia, ciência, filosofia e múltiplas espiritualidades; no entanto,
permanecemos famintos, insatisfeitos: eternos glutões. Alguns, por se
empanturrarem tanto, têm encontrado a própria destruição ao se servirem do
cardápio que lhes é oferecido, comendo, indiscriminadamente, tudo que encontram
à sua frente. Outros enjoaram do alimento repetitivo – a “verdade” disponível, talvez
incompleta ou contraditória –, mas permanecem com fome e procuram variar o gosto.
Porventura haveria uma “verdade verdadeira” capaz de nos deixar completamente
satisfeitos, e, ao mesmo tempo, com o apetite renovado e um “gostinho de quero mais”?
O assunto da verdade não se desvia da análise
metafísica, havendo diversas abordagens filosóficas sobre ela. Tratar dessa
temática pelo viés da religião, além de desafiador e empolgante, é um
empreendimento que poucos conseguem levar sabiamente adiante. Exige-se
extremada tolerância, sobretudo por parte dos defensores de algum tipo de fé
tradicional, apaixonadamente envolvidos em questões religiosas.
Falar em “religião verdadeira” é ofensivo
para muitas pessoas de mentalidade pós-moderna; entretanto, vivemos num mundo em
que é essencial ficar bem informado a respeito dos temas da fé, pois estamos
circundados pelas mais diversas formas de contrafação e engano veiculados pelo
discurso religioso. Assim, esse discurso precisa ser testado (1Jo 4:1), se
quisermos chegar à verdade em sua pureza absoluta, se pretendemos encontrar
Deus. E apesar de ser delicado discutir a existência de uma religião
verdadeira, os desbravadores da “verdade religiosa” estão numa procura lícita e
justificável. Todavia, seu caminho é íngreme e até mesmo perigoso; porém, sinalizado
com expectativas promissoras, se a empreitada for cautelosa, estudada, amparada
em evidências, honesta, sincera e revestida do mesmo fervor e dedicação vistos
na atitude do cético responsável – o indivíduo imbuído de senso investigativo
perante a realidade circundante e comprometido com a veracidade dos fatos.
Na concepção cristã tradicional, a religião
verdadeira é revelacional, “invasiva”, absoluta e traduzida no código
escriturístico do Antigo e do Novo Testamentos. Esse pensamento, de caráter exclusivo
e abarcante, vem sendo posto à prova, porquanto parece “devorar” outras
verdades teístas, denotando, aparentemente, certo preconceito ou arrogância
espiritual inaceitáveis numa época de pluralismo religioso. Considerações à
parte sobre a exclusividade das crenças cristãs, o foco do cristianismo bíblico
está em reconhecer que a verdade ultrapassa a mera informação acerca de fatos
ou o estabelecimento de um corpo doutrinário, costumeiramente chamado dogma.
Ela se consuma numa Pessoa, o Logos
divino que adentrou no espaço e no tempo e fez parte da história do planeta
Terra. Isso é verificável? Compete aos cristãos “demonstrar”, pela palavra e
pela vida, a veracidade de sua fé, seja na exposição teológica expressa em proposições
argumentativas ou mediante uma vida de coerência e elevação moral capaz de
despertar a atenção dos céticos mais exigentes. De qualquer forma, afirmando ou
negando a assertiva cristã de exclusividade religiosa, permanece o fato de que
a verdade precisa ser achada metafisicamente. Essa busca não é vã!
A meu ver, os céticos (ateus e agnósticos)
não desistiram da procura pela verdade metafísica. Eles a disfarçam em outros
discursos ou a revestem de roupagem diferente. E embora desprezem o contributo
da religião para o mundo, alegando as mazelas e desvios cometidos por muitos
representantes da fé (indivíduos ou instituições do passado e do presente), seria
inapropriado negar o seguinte: (1) a verdade existe no seu aspecto religioso, sendo
passível de pesquisa e investigação; (2) temos fome dela; (3) podemos ser saciados.
Malgrado a babilônia religiosa presente na
existência dos mais diversos credos, não devemos desistir de percorrer nosso
caminho metafísico no mundo. Tal jornada é complexa, porém, constitui uma
aventura cheia de recompensas para aquele que escolheu não só crer, como também
indagar acerca das razões de sua crença. Sendo cristão, procuro não alimentar
qualquer tipo de racismo espiritual; contudo, tenho acumulado evidências
suficientes para continuar acreditando nas verdades absolutas da fé cristã, propagadas
acima de quaisquer outras proposições deste nosso multifacetado mundo teísta.
Uma ressalva, no entanto: para o cristianismo, toda a informação
disponibilizada, expressa na lógica religiosa mais apurada, jamais suplantará o
poder da experiência obtida no encontro com Deus, mediante Jesus: a Verdade – Pessoa
da fé cristã. Conhecê-Lo experimentalmente é libertador e inexplicável (Jo
8:32)!
Eu, no momento presente, vejo “através de um
espelho em enigma” (1Co 13:12), mas um dia verei face a face a Verdade (com V
maiúsculo e personificada), viva e dinâmica, sem as barreiras impostas pela
limitada contingência humana (Ap 22:4). Sua amplitude é infinita em relação à
minha pequenez. Contudo, ela me alcançou, e cada vez mais procuro descobri-la
para também tentar alcançá-la por intermédio de uma compreensão (sophia) sempre renovada. Assim, uma vez
que ela me tocou, perseguirei essa Verdade até o instante definitivo em que
estarei em Sua eterna presença.
(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro
Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Sergipe)