segunda-feira, novembro 12, 2012

Desinformações da revista Galileu

Não é de hoje que as revistas de divulgação científica popular cometem equívocos, revelam preconceito e abordam temas com tremenda superficialidade – especialmente quando tratam de cristianismo, criacionismo e Bíblia, por exemplo. Basta você digitar a palavra “Superinteressante” no buscador ali à direita, no topo do blog, para localizar várias postagens em que denuncio essa cobertura enviesada dessa revista brasileira. Meu livro Por Que Creio foi exatamente uma reação à matéria “Eles querem Deus na ciência”, publicada na Galileu em 2002. Na época, a revista chamava os criacionistas de “anti-intelectuais” e uma entrevistada afirmava levianamente que os criacionistas são “especialistas autoproclamados”. Dez anos depois (mas muitas outras vezes ao longo dessa década), Galileu volta à carga com uma reportagem sobre a crença, intitulada “Por que você acredita em Horóscopo, espíritos, ETs e religiões?” (confira aqui). O texto merece uma boa análise e ela foi feita por Luciano Ayan. Confira[MB]:

“Quando eu escrevi o texto ‘Os fazedores e os checadores OU A origem da rotina Cético Universal’, recebi alguns e-mails e comentários de leitores dizendo que o texto era muito ‘difícil’ e não seria assimilado por muitos. Era um feedback interessante. Em adição àquele texto (para melhorar sua absorção), nada melhor do que ver essa rotina denunciada sendo executada na prática. E é o que farei agora.

“Vamos aos diversos truques de desinformação que existem no texto da Galileu. Antes de tudo, um investigador de fraudes já consegue mapear o vested interest, e a Galileu nem foi inteligente o suficiente para tentar ‘misturar mais’ seus ‘especialistas’. De uma tacada só ela junta Michael Shermer, Craig James e o mais humilde (mas não menos militante), o brazuca da turma, Wellington Zangari (do Departamento de Psicologia da USP; por que não estou surpreso?).

“Se Zangari é conhecido por sua participação virtual na qual vivia emulando os discursos humanistas e cientificistas de Carl Sagan, em relação a Shermer e James não é preciso investigar muito para saber que ambos são humanistas confessos. Shermer é ligado a entidades humanistas, ao passo que James é autor de livros sobre memética, que é um truque psicológico (que enganou muitos adeptos neoateus achando que de fato era uma teoria científica) criado por Richard Dawkins.

“O fato é que o ‘core’ da propaganda ideológica de um humanista é baseado em uma coisa só: utilizar um conjunto de cinco rotinas para omitir da opinião pública a noção de que ele é um crente em coisas bizarras, como a crença no homem, no fim da história, no altruísmo potencializado no governo global e outras coisas do tipo. Para que a patuleia não perceba que ele está vendendo essas crenças bizarras, surge a ressignificação poderosíssima, que ‘fecha’ a mente dos populares para o que realmente está ocorrendo.

“A técnica é bastante simples e útil. Aqui seguem os padrões básicos para sua implementação:

“Defina como ‘crença’ (que na verdade é tudo aquilo em que se pode acreditar) e ‘superstição’ (que na verdade é toda crença não sustentada logicamente) somente aquilo que for relacionado a paranormal, Deus ou UFOs;

“Se a plateia não perceber o truque em (1), use até a ciência para dizer que existe uma forma de subserviência humana às crenças e superstições – é aqui que a ‘inserção’ funciona perfeitamente, pois se todas as crenças e superstições são relacionadas ao paranormal, Deus ou UFOs, então as crenças injustificadas do humanista não estarão sob julgamento.

“Caso o humanista execute (1) ou (2) de forma recursiva, ele poderá vender para o público a noção de que é uma pessoa sem qualquer tipo de crença não justificada, pois ele sequer crê em qualquer superstição. Mas a verdade é que ele tem mais crenças e superstições do que os adeptos da quiromancia.

“É por isso que as pesquisas tratadas pela Galileu na verdade serviriam mais para comprometer os humanistas do que para ajudá-los em sua luta contra os religiosos tradicionais. Só que esses mesmos humanistas já executaram o truque do autocético, dizendo que, ‘se há uma crença, ela é relacionada ao paranormal, Deus ou UFOs’. Convenhamos: é uma tacada de mestre!

“Prestem atenção: a não percepção desse truque já acabou com o debate. Shermer e James podem vender suas ideias estúpidas e assassinas a partir de agora o momento em que quiserem, na quantidade em que quiserem, pois a plateia já os percebeu como ‘representantes da ciência’, ‘donos da razão’ e tão céticos a ponto de serem os ‘céticos universais’ e ‘autocéticos’, em suma, pessoas que podem ter suas ideias aceitas a qualquer momento pelo povo, pois essas ideias já foram filtradas por eles próprios (no processo de autoquestionamento que eles alegam possuir).

“Se acham que estou exagerando, vejam a totalidade dos quadrinhos [veja a matéria no site da Galileu] que dariam sustentação à reportagem. No segundo quadro, existem até as ‘teorias da conspiração’, mas somente porque a esquerda hoje em dia popularizou esse termo contra os conservadores de direita. No restante, somente crenças relacionadas a UFOs, sobrenatural e paranormal. No terceiro quadro, a evidência se torna ainda mais cabal, pois todas as oito crenças são associadas a UFOs, sobrenatural e paranormal. Nenhuma crença como fim da história, ultra-altruísmo do governo global, ditadura do proletariado está ali.

“Esse é o truque dos verbos não especificados, pois o objeto de uma oração é omitido. Assim, ‘Eu viajo para a França’ vira ‘Eu viajo’, ou ‘Eu compro pastéis’ vira ‘Eu compro’. Note que nas frases ressignificadas alguém que compra apenas um pastel não pode ser considerado um milionário somente por isso, mas e alguém que compra tudo? Alguém que viaja para a França não pode ser considerado como alguém que conhece o mundo todo, mas e alguém que viaja para todos os lugares? Esse é o efeito psicológico buscado pelos verbos não especificados. Ampliar suas ações e opções relativas a universais. É aí que surge alguém que não é cético especificamente em relação ao paranormal, mas em relação a tudo. A ideia é clara: vender à plateia a noção de que suas ideias já são autoquestionadas, independentes de quais sejam. A encenação é potencializada quando essa pessoa que está praticando o truque passa grande parte do tempo se vendendo como ‘o cético’, questionando ‘todas as crenças e superstições’, mas, obviamente, nenhuma dessas crenças e superstições questionadas serão as suas próprias, já que ‘uma crença só é uma crença se ela for relacionada ao paranormal e sobrenatural’ (essa é a mensagem subcomunicada por eles).

“Mesmo que Shermer e James passem duas horas debatendo com qualquer oponente que tenha melhor argumentação e fatos que eles, isso de nada adiantará para esses oponentes, pois a plateia já ‘percebeu’ Shermer e James como pessoas sem crenças injustificadas. Que a Galileu esteja endossando esse truque, também não surpreende.

“Enfim, todas as constatações da matéria sobre as ‘crenças’ e ‘superstições’ valem muito mais para Shermer e James, e qualquer humanista, até do que para religiosos tradicionais. Assim como valem muito mais para marxistas e outros tipos de esquerdistas do que valem para os crentes em UFOs. Ainda assim, a percepção da patuleia será a oposta. Shermer e James, assim como os demais ‘especialistas’ citados na matéria, terão já convencido o público de que eles são imunes a crenças não justificadas e superstições.

“Eis então a essência da rotina ‘Cético universal’ e do uso dos verbos não especificados para sua implementação.”