segunda-feira, novembro 19, 2012

Fé nos universos paralelos

[Meus comentários seguem entre colchetes e na nota abaixo. – MB] Durante milhares de anos a humanidade acreditou ocupar o centro do Universo. A Lua, o Sol, os planetas e estrelas estavam em esferas que orbitavam nosso mundo. Era a concepção aristotélica do Cosmo, refinada por Ptolomeu, que só começou a mudar a partir do século XVI, quando o astrônomo polonês Nicolau Copérnico propôs que era o Sol que, na verdade, ocupava o centro de nosso sistema. Hoje, sabemos que a Terra orbita uma estrela ordinária no braço de uma galáxia com bilhões de astros semelhantes, e que a nossa própria Via Láctea é apenas uma entre as bilhões de galáxias existentes. Todo esse conhecimento, porém, ainda não é capaz de responder à pergunta que o próprio Aristóteles já se fazia há milhares de anos: “Por que estamos aqui?” Agora, alguns cosmologistas veem no chamado multiverso, isto é, na existência de outros universos, uma possível explicação para o fato de as leis e constantes da física do nosso Universo terem exatamente os valores que permitem nossa existência. Entre os principais estudiosos do assunto está o sul-africano George Ellis, que esteve no Brasil na semana passada como um dos convidados do 17º Ciclo de Cursos Especiais (CCE) do Observatório Nacional. Segundo Ellis, algumas dessas teorias são válidas por oferecerem matemática e filosoficamente [grave bem essas palavras] uma resposta a essa pergunta fundamental, mesmo que nunca possam ser provadas.

“Se admitimos que há um princípio da incerteza para o muito pequeno da teoria quântica, devemos reconhecer que pode haver um princípio da incerteza para o muito grande da cosmologia também”, defende. As teorias sobre a existência de muitos universos são variadas e foram classificadas em quatro tipos básicos pelo também cosmólogo Max Tegmark: multiversos de níveis um, dois, três e quatro, cada um deles abarcando aspectos do nível anterior. Segundo Ellis, o multiverso nível 1 é praticamente um consenso entre os cientistas:

“Ele prevê que no nosso próprio Universo há uma parte que podemos ver e outras partes além do que podemos ver”, conta. “Só porque há um limite até onde podemos ver, um horizonte para nosso Universo observável, isso não impede o Universo de continuar existindo além dessa fronteira. É como estar na Terra e ver o horizonte: a Terra não acaba no horizonte.” [Curiosa essa admissão de que haja realidades além do que pode ser mensurado...]

Já os multiversos de nível 2 estão relacionados com o que os cosmologistas chamam de “inflação caótica”. Nessas teorias, diz Ellis, nosso Universo seria apenas um entre os infinitos “universos-bolha”, cada qual com seu próprio conjunto de constantes e leis da física: “Há centenas de versões da inflação e algumas delas implicam o surgimento dos multiversos, que respondem a essa questão de por que as leis da física do nosso Universo são favoráveis para a vida existir. A única explicação que temos é que, se há suficientes variações das leis da física no multiverso, eventualmente, em algum lugar, as constantes terão os valores certos.” [Comento isso na nota abaixo.]

Já os multiversos de nível 3 estão relacionados com o modo como a teoria quântica funciona. Nesse caso, cada colapso das funções de ondas quânticas, algo como decidir atravessar ou não uma rua, criaria um novo universo “paralelo”. “Essas ondas continuam se dividindo em mais e mais partes, e cada uma corresponde a um universo diferente, é o multiverso de múltiplas histórias”, ilustra Ellis. “Mas essa visão de que há infinitas cópias de nós em infinitos universos paralelos me parece mais com um tipo de sonho. Não entendo como alguns dos meus colegas acreditam que isso é uma boa teoria.”

Por fim, os multiversos de nível 4 estão relacionados com a Teoria das Cordas – mais recente tentativa de unificar sob um único arcabouço teórico todas as forças fundamentais conhecidas do Universo (nuclear forte e fraca, eletromagnetismo e gravidade) – ou nela inspirados. A Teoria das Cordas implica a existência de dez ou mais dimensões e nas chamadas branas, diferentes “tecidos” de espaço-tempo, com o choque entre elas produzindo seu próprio universo.

“O problema é que a Teoria das Cordas ainda não foi bem testada nem sequer bem formulada”, diz Ellis. “Assim, não é verdade que os multiversos são um resultado necessário da física que conhecemos, mas um resultado possível da física que pode ser que esteja certa.”

Ellis ressalta, porém, que o grande problema de todas essas teorias é que não podem ser verificadas com observações e experiências. “Temos que perguntar a nós mesmos: Na ciência é mais importante ter uma boa explicação ou uma teoria que seja verificável por observações?”, destaca. “As teorias de multiversos são todas muito especulativas, então tudo que podemos fazer é dizer: ‘Não sei o que está acontecendo lá fora, mas conheço a física que vai nos dizer o que está acontecendo.’ É da natureza dos multiversos nunca termos qualquer evidência deles. Os multiversos são uma boa teoria explicatória, mas acreditar neles continuará a ser uma questão de fé e por isso chamaria estas teorias de filosofia cientificamente inspirada.”

Nota: Aparentemente, a teoria dos multiversos visa a convenientemente “explicar” o fato de o Universo ter as condições ideais para o “surgimento” e a manutenção da vida (princípio antrópico). Como explicar a origem de um universo perfeitamente “tunado”, com leis e constantes finamente ajustadas que sugerem a ideia de que o cosmos parecia já estar esperando por nós? Para fugir à constatação do óbvio (o Universo foi inteligentemente projetado para conter vida), apela-se à hipótese (sonho!) de que, em lugar de um, deve haver inúmeros universos. Então, com tantos universos “à disposição”, num deles, pelo menos, deve ter havido condições para o “aparecimento” da vida. Só que, como compara William Craig, em seu livro Em Guarda, imaginar que nosso universo “tunado” pudesse simplesmente “surgir” seria como acertar com uma flecha uma mosca pousada numa parede a muitos quilômetros de distância. Pensar nos multiversos seria como acrescentar muitas e muitas moscas na mesma parede, o que não resolve o problema, pois o arqueiro teria que acertar a mesma flecha na mesma mosca, afinal, é o nosso universo que está configurado para conter vida. Agora, por favor, leia novamente a última declaração de George Ellis na matéria acima. Note que ele admite que a teoria dos multiversos não dispõe de evidências e que se deve acreditar nela pela fé. Curiosamente, tanto o criacionismo quanto a teoria do design inteligente contam com inúmeras evidências de design inteligente e intencional na natureza. Evidentemente que a ciência experimental não pode afirmar nada sobre a natureza do Designer (isso pertence ao campo da teologia), mas pode, como ocorre com a ciência forense, destacar as digitais do Criador, as evidências da “cena do crime”. No entanto, porque abraçam a priori o naturalismo filosófico (não aceitam que exista nada além do natural), cientistas ateus descartam as evidências favoráveis à ideia de design inteligente enquanto abraçam e defendem “sonhos” hipotéticos desprovidos de qualquer evidência empírica, como é o caso da teoria dos multiversos. Entre uma fé e outra, prefiro aquela que dispõe de mais evidências e maior razoabilidade.[MB]  

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