quarta-feira, março 20, 2013

Os argumentos falaciosos de Hélio Schwartsman

Eu achava que Schwartsman um cara preocupado com a verdade. Achava. Mas depois de ler o seu último texto, “A religião tem futuro?”, deparei-me com a constatação de que os fatos podem ser distorcidos, isso em um tempo em que esses mesmos fatos podem ser consultados com um clique.

Vejamos, o caro colunista da Folha de S. Paulo começa com uma análise científica segundo a qual, devido ao fato de a crença estar mais associada aos lobos temporais que ao córtex pré-frontal, indicaria isso que a fé, segundo Hélio, seria resultante de emoções, paranoias, delírios ou de qualquer outra coisa que tente diminuir o ato de crer. É como se o crente vivesse 24 horas por dia utilizando somente essa área
específica do cérebro.

Isso me leva aos terríveis experimentos científicos que os nazistas faziam nos judeus esperando que o cérebro de suas vítimas fosse diferente. Ou, ainda, me remete à ideia daqueles que aprovavam e incentivavam a segregação racial e o racismo e que se utilizavam dos mesmos argumentos, de que o cérebro do branco seria maior que o do negro. Será que Hélio espera que no futuro se possa separar os ateus dos crentes pelo tamanho do cérebro? Mesmo que não haja nenhuma diferença?

Note a última linha da segunda coluna: “Isso significa que, enquanto contarmos com uma boa variedade de seres humanos, alguns deles deverão permanecer obstinadamente crentes.” Qual o problema, Hélio? Obstinadamente crente? Oras, eu poderia dizer: Obstinadamente ateu? Olhando para essa frase, percebo que a vida de seu autor consiste em obstinadamente fazer os outros “crer” no que ele “não crê”. Isso não é irônico?

Prosseguindo com a distorção dos fatos, ele diz que a Europa, hoje rica e desenvolvida (sobretudo a Suécia, que ele cita), deve a isso seu ateísmo, que ela “professaria”, mas, como veremos adiante, isso não passa de um mito ateu.

Não me valendo de pesquisas solitárias de Phil Zuckerman, mas do censo do Reino da Suécia, percebi – mas Hélio fechou os olhos para isso – que em 2012 o percentual de suecos que eram membros da Igreja da Suécia era de 67,5%. Segundo o Instituto de Pesquisa da Comissão Europeia, 23% dos suecos são ateus. Os outros 76% acreditam em Deus ou em “algum espírito ou força vital”. Oras, Hélio, você não pode somar os 23% de ateus junto aos 53% que acreditam na espiritualidade ou em uma “força maior”,
já que os primeiros nem acreditam que exista alma ou espírito! Há outras pesquisas que indicam que existem apenas 17% de ateus na Suécia.

Outro mito tem que ver com o grau de desenvolvimento na Suécia e em países pobres, como Bangladesh, Níger e Iêmen. Hélio, você deveria pesquisar mais a fundo e ver que o tipo de sociedade que existe na Suécia, assim como na Noruega, Dinamarca, Holanda e Alemanha, se deve em grande medida à Reforma Protestante que, segundo Max Weber, impulsionou as economias e as liberdades daqueles países. Não foi o ateísmo que os fez se tornarem ricos e pacíficos, foi a Reforma Protestante. O ateísmo chegou depois, de carona com o liberalismo e o secularismo.

Por que você não fala da Coreia do Norte? Comparar países como a Suécia, que tem bases cristãs sólidas, com países nos quais a guerra foi o prato principal, e depois dizer
que a religião é fator básico dessas ocorrências, é ser desleal.

É seguro dizer que os avós dos suecos medianos atuais foram luteranos devotos e seus ancestrais foram fervorosos cristãos dedicados por mais de 800 anos. Os suecos herdaram uma forte tradição ética luterana, incluindo as proibições contra o assassinato e o roubo. Se isso vai mudar quanto mais o tempo passar e a Suécia vai se descaracterizar e se destruir no humanismo secular em outras poucas gerações, teremos que esperar e ver.

Sua última frase, na qual diz que pobreza é questão de sobrevivência, não de opção, só pode vir de cabeças que nunca saíram dos livros de filosofia e foram para os becos e favelas.

(Valderi Felizado da Silva, em reação ao artigo “A religião tem futuro?”, de 19/3/13, publicado na Folha.com)

Leia também: "O cruz credo do Schwartsman" e "Náufragos num mar de cosmovisões"