quinta-feira, agosto 01, 2013

Os papas, os pobres e a perda de hegemonia católica

O Brasil tem passado por uma mudança na composição da religiosidade de sua população e a vinda dos papas ao país não interrompeu esse processo, ao contrário, tem acelerado. João Paulo II, com apenas dois anos de pontificado, foi o primeiro papa que pisou no território brasileiro. Ele chegou em 30 de junho de 1980 e realizou o gesto célebre de ajoelhar-se e beijar o chão, saudando a terra do maior país tropical do mundo. Ele levou uma multidão de cerca de cinco milhões de católicos e não católicos às ruas e mexeu com o Brasil. Em 1980, os católicos representavam 89% da população nacional. A segunda visita do papa João Paulo II ao Brasil – no auge da sua fama e logo após o fim da União Soviética e a queda do Muro de Berlim – foi entre 12 e 21 de outubro de 1991, sendo recebido em Brasília pelo então presidente Fernando Collor de Mello, visitou a Irmã Dulce, em Salvador, percorreu dez capitais e fez 31 pronunciamentos, também beatificou Madre Paulina. Em 1991, os católicos representavam 83% da população nacional.

A terceira visita do papa João Paulo II ao Brasil foi entre 2 e 6 de outubro de 1997, quando foi recebido pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Nessa visita o papa participou do II Encontro Mundial com as Famílias, realizado na cidade do Rio de Janeiro, ficando por quatro dias na cidade. Naquele ano, os católicos representavam cerca de 74% da população nacional.

Pesquisa divulgada em 21 de julho de 2013 pelo Instituto Datafolha mostra que, quando o papa Bento XVI veio ao Brasil, em 2007, os católicos representavam cerca de 64% da população e agora, na visita do papa Francisco, os católicos representam apenas 57% da população nacional.

Ou seja, embora o Brasil nunca tenha presenciado tantas vindas papais na história, o percentual de católicos tem diminuído na impressionante cifra de 1% ao ano. Será que o papa Francisco, com sua pregação de aproximação com os mais pobres, vai mudar essa realidade? Certamente, o papa Francisco tem carisma e em sua visita ao Brasil evitou os temas polêmicos da Igreja e passou uma mensagem de esperança e de defesa das comunidades pobres. Ele fez discurso contra a corrupção e disse: “Nunca desanimem, não percam a confiança.”

Mas será que a Igreja Católica no Brasil vai encontrar forças para virar o jogo? Os dados da pesquisa Datafolha lançam alguma luz sobre a participação dos entrevistados nas igrejas.

Entre os católicos, 28% costumam ir à missa uma vez por semana e 17% costumam ir à missa e outros serviços religiosos mais de uma vez por semana. 21% dizem ir à igreja uma vez por mês e 7% assumem que não a frequentam. Os números também apontam que 34% deles têm o hábito de contribuir financeiramente com a Igreja, com um valor médio mensal de R$ 23.

Porém, entre os evangélicos pentecostais (que em média são mais pobres do que os católicos), 63% vão à igreja mais de uma vez por semana, 52% contribuem financeiramente, e o valor médio é de R$ 69,10 mensais. Entre os evangélicos não pentecostais, 51% vão à igreja mais de uma vez por semana, 49% contribuem financeiramente, e o valor médio é de R$ 85,90 mensais.

Segundo o censo demográfico 2010, do IBGE, havia 123 milhões de católicos e 42 milhões de evangélicos no país. Aplicando as percentagens mostradas na pesquisa Datafolha chega-se ao número de 34,5 milhões de católicos que frequentam a missa uma vez por semana e 26,6 milhões de evangélicos que participam dos cultos com a mesma frequência. Mas como a contribuição financeira média é maior entre os segundos, pode-se concluir que, entre os fiéis mais presentes nas missas/cultos, as igrejas evangélicas arrecadam mais que o dobro do montante de dinheiro em relação à Igreja Católica.

Além de contribuir menos financeiramente com a igreja, os católicos também são os menos sujeitos a seguir as orientações políticas dadas por sua igreja, segundo o Datafolha. Apenas 5% dos entrevistados que se disseram católicos afirmaram ter votado em um candidato recomendado pela Igreja, e 11% consideram importante a opinião dos religiosos durante a campanha.

Todavia, entre os evangélicos pentecostais, os números sobem para 18% e 21%, respectivamente. Entre os evangélicos não pentecostais, 14% votaram em candidato recomendado e o mesmo número considera a opinião dos religiosos importante.

Dessa forma, a pesquisa Datafolha mostra que o processo de mudança de hegemonia religiosa continua em ritmo acelerado e os católicos podem perder a posição de maioria absoluta da população em um prazo mais curto do que o previsto anteriormente. Os pentecostais são mais ativos no processo de evangelização e no uso das mídias na conquista dos fiéis. Eles crescem entre os pobres e com o dízimo dos pobres.

Em entrevista ao portal IG, em 26 de julho, Frei David disse: “O carreirismo é uma doença que contagiou muito a Igreja Católica do Brasil. Os novos padres não revelam garra para servir aos pobres. Há exceções, graças a Deus. Ao serem ordenados, querem paróquias ricas, nas quais entra muito dinheiro. Querem carro do ano, reformar sua casa paroquial, comprar os últimos equipamentos eletrônicos. Querem ocupar cargos e sonham em ser bispos. Há uma perigosa perda de foco.”

Os evangélicos, por outro lado, engrossam suas fileiras por quatro motivos: (a) porque estão mais bem posicionados nos grupos demográficos mais dinâmicos da sociedade brasileira; (b) porque promovem a migração inter-religiosa, atraindo fiéis das hostes católicas; (c) formam pastores em tempo mais curto e que estão mais presentes junto às comunidades em geral, especialmente as pobres; e (d) customizam o discurso evangélico para as diversas camadas da população, para os diversos estabelecimentos do comércio da fé e para os inúmeros segmentos do mercado religioso.

Na última década, houve perda, não só relativa, mas também absoluta de católicos. Não existem dados longitudinais, mas tudo indica que a migração tenha se dado tanto entre os católicos praticantes quanto entre não praticantes, mas não necessariamente na mesma proporção. Há inclusive diversos exemplos de padres católicos que viraram crentes, como o do pastor Nivaldo Lisboa Soares, da Assembleia de Deus.

Segundo Hélio Schwartsman, da Folha de S. Paulo: “A pesquisa Datafolha feita às vésperas da chegada do papa ao Brasil mostra que os católicos estão se tornando menos numerosos, menos fiéis (vão pouco a missas) e menos obedientes (são tolerantes para com temas que o Vaticano considera tabu).”

As maiores perdas dos católicos acontecem entre as mulheres e os jovens. O Rio de Janeiro é a Unidade da Federação com menor percentual de católicos e o maior percentual de pessoas que se declaram sem religião. Nesse sentido, a realização da Jornada Mundial da Juventude e a presença do papa Francisco constitui uma tentativa de estancar a perda de fiéis. Mas, enquanto os católicos tentam se aproximar dos pobres, setores dos evangélicos reforçam o discurso da teologia da prosperidade, que, sem juízo de valor, tem, na prática, prevalecido tanto sobre os princípios da teologia da libertação quanto em relação às pregações dos carismáticos.

Segundo o professor Reginaldo Prandi (2013), do departamento de sociologia da USP, os evangélicos estão na trilha de se tornar a força religiosa dominante no país: “Depois de trocar o discurso do desapego material pela apologia do consumo, o pentecostalismo brasileiro se vê instado a afrouxar sua moral conservadora para conquistar segmentos mais abastados e escolarizados.”

Parece que a maioria das igrejas pentecostais se adaptou melhor às mudanças na sociedade capitalista que abandonou o ascetismo do trabalhador produtivo (tipo calvinista) para o capitalismo keynesiano com centralidade no consumo. A teologia da prosperidade tem sido a ponte para o mundanismo reformado.

Segundo Prandi: “A nova teologia promete que se pode contar com Deus para realizar qualquer sonho de consumo. Em suma, já não se consegue, como antes, distinguir um pentecostal na multidão por suas roupas, cabelo e postura. Tudo foi ajustado a novas condições de vida num país cujo governo se gaba do (duvidoso) surgimento de certa ‘nova classe média’.”

Na nova conjuntura econômica e política do país e em uma sociedade cada vez mais secularizada, dificilmente o papa Francisco, mesmo com sua tentativa de se aproximar dos pobres, terá muito êxito em conseguir mudar o rumo das transformações religiosas, inclusive o crescimento da parcela que se declara sem religião. Entre os próprios evangélicos cresce a percentagem daqueles não praticantes.

Dessa forma, as diversas religiões vão se adaptando às exigências da cultura secular. Por exemplo, mesmo o papa conclamando os jovens a irem para as ruas, os participantes da JMJ tiveram que conviver com o “beijaço gay”, com o protesto das feministas do movimento autodenominado “Vadias” e das diversas manifestações reafirmando a laicidade do Estado, pedindo a descriminalização do aborto, criticando os altos custos envolvidos na vinda do papa, etc. As religiões hoje em dia, nas sociedades democráticas, são obrigadas a conviver com manifestações pagãs e com críticas às práticas religiosas.

Mas a ideia de “desencantamento do mundo”, de Max Weber, avançou conjuntamente com o encantamento pelo consumo no capitalismo pós-moderno. A pluralidade religiosa pode ser uma boa novidade em um país que passou quase 500 anos com monopólio de uma única fé. Mas o crescimento de algumas denominações religiosas pode ser apenas fenômeno temporário da atual conjuntura da sociedade brasileira. Como disse Alves (2012), “o crescimento das correntes evangélicas pentecostais no país tem sido compatível com o fato de que o sagrado está cada vez mais comercializado e dessacralizado. É o Brasil cada vez mais desencantado”.

(José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; EcoDebate)

Referências:
PRANDI, Reginaldo. “A conversão do pentecostalismo”, Folha de S. Paulo, 21/7/2013
ALVES, JED. “A vitória da teologia da prosperidade”, Folha de S. Paulo, 06/7/2012
SCHWARTSMAN, Hélio. “Uma era secular”, Folha de S. Paulo, 26/7/2013

Nota: Parece que o panorama religioso em nosso país não é muito promissor. Com a superação da Teologia da Libertação e sua mensagem de cunho fortemente político (que deixou hostes de órfãos secularizados ou mesmo sem fé), focada nos pobres e nas lutas sociais, eis que desponta fortemente uma teologia ainda mais perniciosa: a da prosperidade. O coração não convertido é terreno fértil para a ganância. Enquanto os padres da Liberdade pregavam a revolução social com cores marxistas, os pastores da Prosperidade enfatizam o ganho pessoal e o enriquecimento; pregam o reino de Deus na Terra e parecem se esquecer do que Jesus disse: que Seu reino não é deste mundo. Sai de cena a teologia focada na comunidade (lembra-se das CEBs?) e entra no palco a teologia individualista, da barganha com Deus e da alienação. São dois extremos que acabam passando longe do verdadeiro evangelho.

É verdade que Cristo deu atenção especial aos desfavorecidos, pois é da natureza de Deus amar os que sofrem. Mas Ele jamais escorou Sua mensagem na subversão social, na luta contra o império e as injustiças políticas. O cristianismo acabou, sim, abalando o mundo, mas com a “arma” do amor, da pregação pacifista. Foi a revolução da conversão, cujo poder é inigualável. Foi a pregação do reino vindouro que sacudiu as bases dos reinos humanos.

Jesus também não pregou sobre a prosperidade financeira como se ela fosse consequência natural da aceitação de Seu reino. Na verdade, todos os discípulos dEle foram desprovidos dos bens que este mundo tanto valoriza e tiveram uma vida de privações e perseguições. A prosperidade financeira passou longe desses homens, mas o nome deles está gravado nos muros preciosos da Nova Jerusalém.


Não creio que o papa Francisco (nem mesmo ele) e os pastores evangélicos conseguirão reverter o quadro que tanto assusta os cristãos pensantes e verdadeiramente preocupados com a evangelização do mundo calcada nas páginas das Escrituras. A moral cristã se afrouxa; “a teologia da prosperidade tem sido a ponte para o mundanismo reformado”; a religião institucional dá lugar a uma religiosidade descompromissada; dogmas pagãos e pluralismo religioso com sabor pós-moderno substituem as verdades bíblicas.

Mas tudo isso não nos deve assustar (embora entristeça), pois Jesus mesmo advertiu: “Quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?” (Lc 18:8). A fé verdadeira será cada vez mais artigo raro. Cristãos de verdade se contarão nos dedos. Mas a esperança permanece: Ele virá![MB]