segunda-feira, dezembro 16, 2013

A escura e sinuosa trilha de En-Dor

A existência nos apresenta dois profundos mistérios, a vida e a morte, os quais estão entrelaçados na história humana num contexto de oposição e luta intermináveis: ambos combatem por tudo o que existe neste mundo. A vida é comparada a uma constante corrida para longe da morte; a morte, uma perseguidora da vida - fantasma universal que faz tremer qualquer coração. Como nascemos - nós, seres racionais - sob o paradoxo viver versus morrer, somos instigados a levantar questionamentos acerca do futuro, do além, do que virá depois de. Entre os gregos antigos, povo detentor de vasta mitologia, a morte era personificada por Tânatos, irmão gêmeo de Hipnos (personificação do sono) e filho de Nix (a sinistra noite). O deus funéreo era descrito como tendo um coração de ferro e entranhas de bronze – características da insensibilidade, bem apropriadas ao ser imaginário representativo da ceifeira cruel.

Todos se preocupam de alguma forma com a morte. Ela não constitui uma ideia mitológica (quem dera fosse!). Embora o assunto não seja algo agradável de se lidar, ainda assim a ciência, a filosofia, a literatura e a religião o abordam de diferentes maneiras, na tentativa de sondar esse enigma tão profundo, incômodo e presente na experiência de todos nós. A ciência, por meio de pesquisas, procura pela fórmula da imortalidade ou, pelo menos, tenta garantir mais longevidade ao ser humano. Na literatura, o poeta português António Feijó evoca um hino de lamento: “Morte que, sem piedade, uma a uma arrebata, / Como um tufão que passa, as nossas afeições, / E, deixando-nos sós, lentamente nos mata, / Abrindo-lhes a cova em nossos corações.” Semelhantemente, Edgar Allan Poe, num de seus mais conhecidos poemas, encarna essa ideia da irreversibilidade do curso da existência num animal sinistro, um corvo empoleirado na beira de uma janela, que só sabe dizer e repetir uma única fórmula: “Never more” (nunca mais).

Como bem concluiu o filósofo e humanista Luc Ferry, “a morte [...] possui faces diferentes cuja presença é, paradoxalmente, perceptível no próprio coração da vida mais viva. [...] Tudo o que é da ordem do ‘nunca mais’ pertence ao registro da morte [...]. Conhecemos inúmeras encarnações de morte no próprio seio da existência.” Ainda na esteira filosófica, Epicuro, antigo pensador grego, apregoava um tipo de resiliência diante da chegada da morte, a chamada ataraxia. Nas suas palavras nada consoladoras (pelo menos para muita gente), ele pregava: “Habitua-te a pensar que a morte não é nada para nós, pois que o bem e o mal só existem na sensação. Donde se segue que um conhecimento exato do fato de a morte não ser nada para nós permite-nos usufruir esta vida mortal, evitando que lhe atribuamos uma ideia de duração eterna e poupando-nos o pesar da imortalidade. Pois nada há de temível na vida para quem compreendeu nada haver de temível no fato de não viver. É, pois, tolo quem afirma temer a morte, não porque sua vinda seja temível, mas porque é temível esperá-la. Tolice afligir-se com a espera da morte, pois se trata de algo que, uma vez vindo, não causa mal. Assim, o mais espantoso de todos os males, a morte, não é nada para nós, pois, enquanto vivemos, ela não existe, e quando chega, não existimos mais.” No epicurismo, o sábio não teme a morte, pois com ela desaparecem todas as sensações que causam sofrimento.

Endossando o pensamento de Epicuro, reflete o filósofo latino Lucrécio em Sobre a Natureza das Coisas: “É preciso, antes de tudo, expulsar e destruir esse medo do Aqueronte (o rio dos Infernos) que, penetrando até o fundo de nosso ser, envenena a vida humana, colore todas as coisas do negror da morte e não deixa subsistir nenhum prazer límpido e puro.” Apesar de todas as racionalizações sobre o fim dos viventes, morrer é algo que ninguém, em são juízo, deseja. Instintivamente buscamos a vida e a imortalidade; por isso, ainda persiste no coração humano o leve ou pesado temor da morte.

Mas não é só de medo de que se alimentam os vivos. A morte desperta também certa curiosidade. O que existe depois dela, quando “o pó volta à terra, como o era, e o ‘espírito’ volte a Deus, que o deu” (Ec 9:7)? De todas as vias para se tentar obter o conhecimento do além, a religião constitui a área mais interessada e interessante, porquanto propõe dar uma resposta que sirva de consolo ao ser humano diante de sua mortalidade inerente, prometendo-lhe a superação desse fatalismo. Aqui os materialistas encerram seus questionamentos, porquanto para eles a morte é o fim de tudo, não restando nenhuma esperança ou consolo senão aceitar a proposta epicurista de ataraxia. Para quem é religioso, no entanto, permanece a indagação: no que se deve acreditar quando o assunto é vida após a morte? Nesse sentido, quero abordar uma das “filosofias religiosas” mais difundidas e aceitas em nossa era científica, contrapondo-a a outra proposta religiosa concorrente que vai em direção contrária. Desejo conversar acerca do espiritismo moderno à luz do Livro mais difundido e confiável (na minha e em outras opiniões): a Bíblia, de cujas citações se valem, algumas vezes, a literatura e a pregação espírita.

Passeando por certa livraria, minha atenção foi despertada para o recente livro Kardec: a biografia, do jornalista e escritor autodeclarado ateu Marcel Souto Maior. Folheei rapidamente a obra (que futuramente vai se transformar em filme) e li trechos de alguns capítulos. Foi o suficiente para que eu pudesse obter algumas informações curiosas acerca da vida e obra da maior personalidade espírita de todos os tempos, Hippolyte Léon Denizard Rivail ou Allan Kardec. No meio de minha leitura fragmentária, surgiu a reflexão: o que faz o fenômeno espiritualista, com sua pretensa promessa de imortalidade e comunicação com os mortos, ter tantos adeptos no mundo e chamar a atenção até mesmo de ateus e cristãos? Filmes, novelas, revistas e obras ditas literárias vêm abordando o espiritismo de forma crescente. No cinema e até mesmo no teatro, a atenção das massas é despertada para a “realidade” e a “verdade” de que “eles estão entre nós”. Por que, pensava eu, muitas pessoas trilham o “caminho de En-Dor” (1Sm 28)? Só pude concluir que, conquanto alguns sejam céticos, não se pode prescindir da sobrenaturalidade presente no espiritismo – o sobrenatural que fascina, encanta, “consola” e... engana multidões.

Lamento aos que me pedem uma prova cabal de que o espiritismo é um engano religioso dos mais bem elaborados. Minha única “prova” para desmentir o que considero uma grandiosa e ilusória manifestação sobrenatural são apenas as palavras bíblicas, as quais advertem: “Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, tampouco terão eles recompensa, mas a sua memória fica entregue ao esquecimento. Também o seu amor, o seu ódio, e a sua inveja já pereceram, e já não têm parte alguma para sempre, em coisa alguma do que se faz debaixo do sol” (Ec 9:5, 6). Também: “Quando, pois, vos disserem: Consultai os que têm espíritos familiares e os adivinhos, que chilreiam e murmuram; Porventura não consultará o povo a seu Deus? A favor dos vivos consultar-se-á aos mortos?” (Is 8:19).

Há inúmeras declarações semelhantes espalhadas por todo o Livro Sagrado. Eu pediria aos amigos espíritas que as examinassem cuidadosamente, confrontando-as com seu entendimento quase universal de vida após a morte. Se assim o fizerem, serão surpreendidos com várias verdades escriturísticas, entre as quais: a natureza humana não é inerentemente imortal (Ez 18:20); o conceito de “alma” e “espírito” abrigado em muitas mentes religiosas – de entidade consciente após a morte – não tem correspondência na Bíblia (Gn 2:7); os mortos estão verdadeiramente mortos, “dormindo” em suas sepulturas, aguardando, todos juntos, o despertar (mediante a ressurreição) ou para a vida eterna ou para a morte eterna, tendo todos de enfrentar o Juízo (Is 26:19; Jo 5:24, 27; 1Co 15; 1Ts 4:16; Hb 9:27); as manifestações espiritualistas ocorridas em sessões mediúnicas têm uma explicação que só as Escrituras apresentam: seres espirituais (anjos caídos), em direta oposição a Deus, mostram-se na forma de “espíritos de luz” na pretensa missão de mensageiros do mundo celestial. Todavia, a crença em suas afirmações é perigosa e demonstrar-se-á, em algum momento, fatal (1Sm 28; 2Co 11:14); fora de Jesus e de Seu sacrifício expiatório (não da caridade) não há salvação, pois a vida eterna advém do divino Filho de Deus (Jo 3:14).

Guardemo-nos da ignorância sobre esse tema tão fundamental e relevante! Por isso, exponho aos queridos espíritas as palavras paulinas: “Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança” (1Ts 4:13).

Tudo o que se diz na Bíblia acerca de vida após a morte é uma proposição revelacional. No “Assim diz o Senhor”, nossa confiança é testada da mesma forma como foi a de Eva ao se confrontar com a sedutora afirmação da serpente: “É certo que não morrereis” (Gn 3:4). Não seria o espiritismo uma tentativa fenomenológica, filosófica, “científica” e religiosa de se sustentar e comprovar uma ideia totalmente antibíblica? Quem se atreve a concordar comigo? Quem prefere permanecer do lado impopular e minoritário, contrariando maravilhosas e inegáveis manifestações sobrenaturais provenientes do reino do oculto? Quem iria contra seus sentidos para acreditar nas afirmações cristalinas da Palavra?  

É notória a sinceridade de muitos espíritas, pessoas de bem que têm alto comprometimento com a ética, a cultura, o amor e a solidariedade. Tenho preciosos amigos que fazem parte da comunidade espírita, indivíduos apegados profundamente ao que creem: uma doutrina que procura oferecer respostas ao dilema da morte, buscando explicações e consolo para a humanidade sempre em luto. Jamais compete a mim emitir qualquer julgamento acerca da sinceridade e convicção dessas pessoas. Na pregação espírita há um espaço também para as palavras de Jesus e o evangelho, ressignificados, porém, pelo “Evangelho Segundo o Espiritismo”. Ainda assim, com bastante respeito, levanto-me contra a sinceridade e convicção espíritas, lançando o alerta sobre o perigo de se defender uma explicação equivocada no tocante à morte. A morte não é nem amiga nem uma transição para um estado superior de existência, mas o pavoroso e extremo resultado da transgressão humana. Ela nos roubou a vida e a imortalidade originais, concedidas por Deus, para nos lançar num vale escuro e sombrio. Nada há de amigável na morte.

A experiência sobrenatural e trágica do rei Saul (1Sm 28), que desobedeceu as expressas ordens de Deus ao se intrometer com os poderes ocultos, levou-o às trevas, à caverna, à câmara espiritualista e, tristemente, à morte. Sua história ficou registrada e atravessou os séculos para nossa advertência, sinalizando os perigos da estrada que conduz a En-Dor. Nas palavras do poeta Rudyard Kipling:

“O caminho a En-Dor é o caminho mais antigo
e a senda mais demente de todas;
conduz diretamente à morada da feitiçaria,
tal como nos dias de Saul.
Nada mudou quanto à aflição que espera
os que recorrem à senda de En-Dor.”

O caminho perigoso, sinuoso e escuro percorrido por Saul não precisa ser trilhado por nós. Temos à disposição abundante luz para nossos pés (Sl 119:105). Diante de toda pessoa sincera está uma estrada mais luminosa, confiável e segura; uma esperança para o enigma da morte: Jesus, o Caminho, Verdade e Vida (Jo 14:6). Ele morreu, desceu ao inferno (sepultura) e de lá voltou. Cristo, em Sua Palavra, apresenta a resposta e a solução para a raça humana, sujeita à morte por causa do pecado. Jesus quer não somente conceder vida com abundância, mas eliminar a ceifeira cruel para sempre do Seu Universo.

Está predita uma renovação; ocorrerá uma mudança drástica quando não “haverá mais morte, nem pranto, nem dor” (Ap 21:4). Diante de uma verdade tão superior e abrangente, por que não substituir o “consolo” e a proposta do espiritismo pela confiabilidade do evangelho bíblico-cristão? Aos espíritas fica lançado o convite para conhecer o outro lado da vida, que dista quilômetros do caminho de En-Dor.

(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)