quinta-feira, março 13, 2014

“Cosmos” ressurge nas telas depois de três décadas

Tyson, o novo apresentador
Eu tinha menos de dez anos, quando Carl Sagan (1934-1996) levou ao ar sua celebrada série de divulgação científica “Cosmos”. Não conseguia entender muita coisa do que o apresentador falava, mas, mesmo assim, ficava fascinado ao ver as imagens de galáxias, estrelas e planetas e a nave fictícia em que Sagan “viajava” pelos sistemas planetários. Anos depois (acho que eu estava com 15), encontrei num sebo o livro homônimo Cosmos, com os capítulos correspondentes aos 13 episódios da série. A publicação era um primor: capa dura, tamanho maior que o convencional, letras garrafais brancas sobre o fundo escuro do espaço sideral e as páginas recheadas de fotos e ilustrações interessantes. Apesar de usado, o livro estava em ótimo estado de conservação. Não pensei duas vezes: comprei-o e o devorei naquelas férias de verão. Foi amor à primeira vista. O livro aguçou ainda mais meu gosto pela ciência, tanto que depois vieram outros autores que ajudaram a formar minha cosmovisão, nomes como Isaac Asimov, Stephen Hawking, Arthur Clarke e outros – além de Sagan, é claro, de quem li outros livros, como O Universo Assombrado Pelos Demônios e o póstumo Bilhões de Bilhões.

Sempre admirei a vontade que Sagan tinha de popularizar a ciência; de levar as grandes descobertas científicas ao conhecimento do público em geral. Embora não fosse jornalista, o astrônomo realizou com maestria o trabalho de um verdadeiro jornalista científico. Ele era ateu e evolucionista (para ele, o Universo é tudo o que existe, existiu e existirá), mas seu texto sempre foi infinitamente mais respeitoso do que o de neoateus estridentes e belicosos, como Richard Dawkins, que, para mim, não fica nem no chinelo de Sagan. Sagan falava de ciência (sem deixar de “pregar” seu evolucionismo e criticar certas crendices, é verdade). Dawkins parece usar a ciência para “pregar” seu ateísmo e evolucionismo fundamentalistas. Mas deixemos isso tudo pra lá. Vamos à novidade: a série “Cosmos” repaginada.

Lançada nos Estados Unidos no domingo passado e no Brasil hoje à noite, pelo canal National Geographic, a série tem como título “Cosmos – Uma odisseia no espaço-tempo”, e tem como apresentador o astrofísico e divulgador científico Neil de Grasse Tyson, diretor do Planetário Hayden, do Museu Americano de História Natural, e figura conhecida nos meios de comunicação. Outro nome forte na equipe do programa é o produtor executivo Seth MacFarlane, um dos criadores de “Family Guy” (“Uma Família da Pesada”), que é sucesso desde 1999.

Minha única preocupação é com a militância ateísta de Tyson (conforme se pode ver neste vídeo, neste, neste e também neste). Tyson faz uma apropriação indevida de Galileu para atacar a religião, deixando de esclarecer que o cientista religioso foi contra uma ideia aristotélica adotada pelo catolicismo. Galileu nunca foi contra a Bíblia, que nada diz sobre o mito de que a Terra seria o centro do Universo. Tyson fala também do “deus das lacunas”, que nenhum religioso sensato adora, mas ele dá a impressão de que seria um deus bastante difundido entre os crentes. A verdade é que os fundadores do método científico, como Galileu, Copérnico e Newton, nos deixaram um bom exemplo a esse respeito: a ciência pode nos ajudar a entender como Deus criou o Universo, e isso não tem nada a ver com o comodismo de colocar Deus como resposta para aquilo que não entendemos e cruzar os braços, deixando de pesquisar. O método experimental não teria sido criado, se os primeiros cientistas (que criam em Deus) pensassem assim. O “deus das lacunas” é um espantalho criado pelos ateus e, talvez, inconscientemente adotado por crentes mal informados.

Tyson era fã da série original “Cosmos” e tem estado na mídia constantemente. Até mesmo fazendo pontas em séries de TV, representando, normalmente, ele mesmo, como foi o caso na comédia “The Big Bang Theory”. O poder de persuasão e a influência dele são inegáveis, o que pode alçar essa nova série “Cosmos” ao sucesso, como aconteceu com a primeira versão. Espero que Tyson seja “discreto” como Sagan e não se empolgue ao expor suas subjetividades teológico-filosóficas. Que a “ciência verdadeira” fale mais alto. Só assim o público terá a ganhar e a memória de Sagan será honrada.

Michelson Borges

Detalhe: Tyson também ficou conhecido entre os internautas por causa do meme criado com uma foto dele.