domingo, março 30, 2014

Dez razões para não ter saudades da ditadura

Esse aí disse o que não devia no Face
[Não gosto dessa “democracia” instalada em nosso país. Parece que o que mais se democratizou foi o acesso à corrupção. E entendo que as ditaduras comunistas genocidas foram - e são - uma praga da humanidade. Mas também não posso conceber que algumas pessoas, por causa da desilusão e da indignação, tenham saudades de um tempo em que a discordância era resolvida com censura, prisão e tortura. Um texto como este abaixo, por exemplo, possivelmente levasse seu autor – e a mim também – ao pau-de-arara (foto ao lado). E as redes sociais certamente também não estariam à disposição para falarmos o que quiséssemos (portanto, a legenda dessa foto aí poderia ser verdadeira). Retorno às ditaduras - militares ou comunistas - nunca será uma solução e não deveria ser uma opção. O melhor protesto se faz nas urnas – mas um povo que adora BBBs, novelas e festança carnavalesca e futebolística não sabe como usar essa “arma” democrática, e é massa de manobra fácil nas mãos da esquerda, da direita, dos liberais, dos conservadores, enfim, de quem quer que tenha o poder nas mãos e a capacidade e os meios de oferecer o pão e o circo. – MB]

1. Tortura e ausência de direitos humanos. As torturas e assassinatos foram a marca mais violenta do período da ditadura. Pensar em direitos humanos era apenas um sonho. Havia até um manual de como os militares deveriam  torturar para extrair confissões, com práticas como choques, afogamentos e sufocamentos. Os direitos humanos não prosperavam, já que tudo ocorria nos porões das unidades do Exército. “As restrições às liberdades e à participação política reduziram a capacidade cidadã de atuar na esfera pública e empobreceram a circulação de ideias no país”, diz o diretor-executivo da Anistia Internacional Brasil, Atila Roque. Sem os direitos humanos, as torturas contra os opositores ao regime prosperaram. Até hoje a Comissão Nacional de Verdade busca dados e números exatos de vítimas do regime. [...]

2. Censura e ataque à imprensa. Uma das marcas mais conhecidas da ditadura foi a censura. Ela atingiu a produção artística e controlou com pulso firme a imprensa. Os militares criaram o Conselho Superior de Censura, que fiscalizava e enviava ao Tribunal da Censura os jornalistas e meios de comunicação que burlassem as regras. Os que não seguissem as regras e ousassem fazer críticas ao país, sofriam retaliação - cunhou-se até o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Não são raras histórias de jornalistas que viveram problemas no período. [...] As redações eram visitadas quase que diariamente por policiais federais. [...]

3. Amazônia e índios sob risco. No governo militar, teve início um processo amplo de devastação da Amazônia. O general Castelo Branco disse, certa vez, que era preciso “integrar para não entregar” a Amazônia. A partir dali, começou o desmatamento e muitos dos que se opuseram morreram. “Ribeirinhos, índios e quilombolas foram duramente reprimidos tanto ou mais que os moradores das grandes cidades”, diz a jornalista paraense e pesquisadora do tema, Helena Palmquist. A ideia dos militares era que Amazônia era “terra sem homens”, e deveria ser ocupada por “homens sem terra do Nordeste”. Obras como as usinas hidrelétricas de Tucuruí e Balbina também não tiveram impactos ambientais ou sociais previamente analisados, nem houve compensação aos moradores que deixaram as áreas alagadas. Até hoje, milhares que saíram para dar lugar às usinas não foram indenizados. [...]

4. Baixa representação política e sindical. Um dos primeiros direitos outorgados aos militares na ditadura foi a possibilidade do governo suspender os direitos políticos do cidadão. Em outubro de 1965, o Ato Institucional número 2 acabou com o multipartidarismo e autorizou a existência de apenas dois: a Arena, dos governistas, e o MDB, da oposição. O problema é que existiam diversas siglas, que tiveram de ser aglutinadas em um único bloco, o que fragilizou a oposição. “Foi uma camisa-de-força que inibiu, proibiu e dificultou a expressão político-partidária. A oposição ficou muito mal acomodada, e as forças tiveram que conviver com grandes contradições”, diz o cientista político da Universidade Federal de Pernambuco, Michael Zaidan. As representações sindicais também foram duramente atingidas por serem controladas com pulso forte pelo Ministério do Trabalho. Isso gerou um enfraquecimento dos sindicatos, especialmente na primeira metade do período de repressão. [...]

5. Saúde pública fragilizada. Se a saúde pública hoje está longe do ideal, ela ainda era mais restrita no regime militar. O Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) era responsável pelo atendimento, com seus hospitais, mas era exclusivo aos trabalhadores formais. “A imensa maioria da população não tinha acesso”, conta o cardiologista e sindicalista Mário Fernando Lins, que atuou na época da ditadura. Surgiu então a prestação de serviço pago, com hospitais e clínicas privadas. “Somente após 1988 é que foi adotado o SUS (Sistema Único de Saúde), que hoje atende a uma parcela de 80% da população”, diz Lins. [...] Não existiam planos de saúde, e o saneamento básico chegava a poucas localidades. [...]

6. Linha dura na educação. A educação brasileira passou por mudanças intensas na ditadura. “O grande problema foi o controle sobre informações e ideologia, com o engessamento do currículo e da pressão sobre o cotidiano da sala de aula”, sintetiza o historiador e professor da Universidade Federal de Alagoas, Luiz Sávio Almeida. As disciplinas de filosofia e sociologia foram substituídas pela de OSPB (Organização Social e Política Brasileira, caracterizada pela transmissão da ideologia do regime autoritário, exaltando o nacionalismo e o civismo dos alunos e, segundo especialistas, privilegiando o ensino de informações factuais em detrimento da reflexão e da análise) e Educação, Moral e Cívica. Ao mesmo tempo, com o baixo índice de investimento na escola pública, as unidades privadas prosperaram. [...]

7. Corrupção e falta de transparência. No período da ditadura, era praticamente impossível imaginar a sociedade civil organizada atuando para controlar gastos ou denunciando corrupção. Não havia conselhos fiscalizatórios e, com a dissolução do Congresso Nacional, as contas públicas não eram analisadas, nem havia publicidade dos gastos públicos, como é hoje obrigatório. “O maior antídoto da corrupção é a transparência. Durante a ditadura, tivemos o oposto disso. Os desvios foram muitos, mas acobertados pela força das baionetas”, afirma o juiz e um dos autores da Lei da Ficha Limpa, Márlon Reis. [...] “Durante a ditadura, a corrupção não foi uma política de governo, mas de Estado, uma vez que seu principal escopo foi a defesa de interesses econômicos de grupos particulares.”

Protestos contra a ditadura eram "resolvidos" na pancada
8. Nordeste mais pobre e migração. A consolidação do Nordeste como região mais pobre do país teve grande participação do governo dos militares. “Nenhuma região mudou tanto a economia como o Nordeste”, diz o doutor em economia regional Cícero Péricles Carvalho, professor da Universidade Federal de Alagoas. Com as políticas adotadas, a região teve um crescimento da pobreza. “Terminada a ditadura, o Nordeste mantinha os piores indicadores nacionais de índices de esperança de vida ao nascer, mortalidade infantil e alfabetização. Entre 1970 e 1990, o número de pobres no Nordeste aumentou de 19,4 milhões para 23,7 milhões, e sua participação no total de pobres do país subiu de 43% para 53%”, afirma Péricles. O crescimento urbano registrado teve como efeito colateral a migração desregulada. “O modelo urbano-industrial reduziu as atividades agropecuárias, que eram determinantes na riqueza regional, com 41% do PIB, para apenas 14% do total em 1990”, diz Péricles. [...] “A migração gerou mais pobreza nas cidades, sem diminuir a miséria no campo. A população do campo reduziu-se a um terço entre 1960 e 1990”, acrescenta Péricles. 

9. Desigualdade: bolo cresceu, mas não foi dividido. “É preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo.” A frase do então ministro da Fazenda Delfim Netto é, até hoje, uma das mais lembradas do regime militar. Mas o tempo mostrou que o bolo cresceu, sim, ficou conhecido como “milagre brasileiro”, mas poucos comeram fatias dele. A distribuição de renda entre os estratos sociais ficou mais polarizada durante o regime: os 10% dos mais ricos que tinham 38% da renda em 1960 e chegaram a 51% da renda em 1980. Já os mais pobres, que tinham 17% da renda nacional em 1960, decaíram para 12% duas décadas depois. Assim, na ditadura houve um aumento das desigualdades sociais. “Isso levou o país ao topo desse ranking mundial”, diz o professor de Economia da Universidade Federal de Alagoas, Cícero Péricles. Entre 1968 e 1973, o Brasil cresceu acima de 10% ao ano. Mas, em contrapartida, o salário mínimo - que vinha recuperando o poder de compra nos anos 1960 - perdeu com o golpe. “Em 1974, em pleno ‘milagre’, o poder de compra dele representava a metade do que era em 1960”, acrescenta Péricles. [...]