segunda-feira, março 24, 2014

Vacinação contra o HPV: calculando os riscos

Tomar ou não tomar?
[Devido à repercussão do artigo "Os senões da vacina contra o HPV", resolvi encomendar este novo texto a dois estudantes de Medicina, a fim de que você possa ponderar o assunto. - MB] Desde o início do século 20, quando Oswaldo Cruz iniciou os programas de vacinação obrigatória contra a varíola no Brasil, a população foi temerosa quanto ao uso de vacinas. Naquela época, a vacina contra a varíola foi aplicada de forma autoritária e violenta, e as pessoas não tinham informações do que era uma vacina e quais os seus efeitos. Hoje, após mais de cem anos, milhões de vidas foram salvas e até mesmo algumas doenças infecciosas foram erradicadas, contudo, as vacinas sempre estão em xeque. O mais recente exemplo desse temor, desconfiança, e por que não dizer, repulsa, foi a oficialização, no Brasil, da vacinação contra o HPV (Papiloma Vírus Humano), seguindo a tendência mundial. O HPV é um vírus que pode causar verrugas genitais e, em alguns casos, câncer do colo do útero [e até câncer na boca, devido ao sexo oral]. A principal forma de transmissão é a sexual, a qual se dá pela pele e a mucosa genital. Por isso o preservativo não é tão eficiente para evitar a transmissão, já que não cobre toda a pele dessa região. A mulher que está contaminada com o vírus HPV não irá necessariamente desenvolver câncer de colo de útero. Estima-se que cerca de 5% das pessoas infectadas pelo HPV desenvolverá alguma forma de manifestação.[1]

Pesquisa recente de 2013 identificou que [2] 66% das mulheres ouvidas desconhecem que o vírus do HPV pode levar ao câncer e 76% não relacionam a vacinação como forma de prevenção do câncer de útero. Enquanto muitos comemoram a chegada de uma possível solução para a causa de 95% dos casos de câncer de colo de útero,[3] ainda há muitas controvérsias e temores.  

O objetivo deste artigo não é isentar a vacina contra HPV de quaisquer riscos e afirmar que essa vacina será a solução definitiva para o câncer de colo de útero. Este artigo é uma tentativa de mostrar que existem benefícios com a imunização e que os riscos no presente momento são comparáveis aos de outras vacinas.

A vacina contra HPV, chamada de Gardasil®, foi aplicada em mais de cem milhões de pessoas antes de ser implantada no Brasil. Ela passou por todos os testes de agências sanitárias de vários países como EUA, Inglaterra e Austrália. Em quatro anos de utilização na Austrália, por exemplo, reduziu de 18,6% para 1,9% os casos de úlceras genitais em mulheres menores de 21 anos.[4] Com relação ao câncer, ainda não existem dados que comprovem o benefício, pois o câncer ocorre cerca de 15 anos após a infecção.

Nos Estados Unidos, existe um sistema de monitoramento de efeitos adversos de vacinas, chamado VAERS (Vaccine Adverse Event Reporting System). Quando se utilizam os dados do VAERS, é preciso prestar atenção, já que nele são notificadas quaisquer reações ocorridas após a aplicação de uma dada vacina, mesmo que as reações possam não ser causadas por ela.[5] É verdade que existem 24 mil relatos no VAERS sobre efeitos adversos do Gardasil®, mas também é verdade que existem mais de 26 mil relatos para a vacina pneumocócica (Prevnar®) e 60 mil para a vacina tríplice viral, ambas adotadas no Brasil. Os números não podem ser analisados friamente, pois, quando uma vacina tem má repercussão na mídia, por exemplo, o número de efeitos adversos sobe.[6] Dos 24 mil relatos de efeitos adversos envolvendo a vacina contra HPV, cerca de 92% são classificados como não graves (ex.: dor no local da injeção, febre, dor de cabeça, náusea, tontura).[7] Existem 142 casos de morte suspeitas notificadas em relação à Gardasil®.[8] É importante frisar que são suspeitas e não necessariamente confirmadas.

Na base de dados do VAERS,[8] estão disponíveis os prontuários desses 142 pacientes que morreram após a aplicação da vacina Gardasil®. Selecionando um desses casos (VAERS ID: 287888) de óbito é possível ler o relato de uma jovem de 22 anos que morreu subitamente dois dias após ser vacinada. Inicialmente, pode parecer muito suspeito, mas, ao ver o resultado do exame toxicológico da paciente, sua urina foi positiva para substâncias como: metadona (analgésico opióide), benzodiazepínicos (sedativo), benzoilmetilecgonina (cocaína), canabinóides (maconha), nicotina (cigarro). Com certeza, pode ter algo relacionado à vacina, nesse caso de óbito, contudo, há muitas informações que nos fazem pensar que a causa não seja pelo Gardasil®. Esse caso ressalta novamente a importância da análise dos dados, caso a caso.

Em 2011, foi feito um acompanhamento de 600 mil doses de Gardasil®, e concluiu-se que as reações adversas foram estatisticamente semelhantes às reações por outros tipos de vacina.[7]


A vacinação por HPV não substitui a realização do exame de papanicolau, que é a principal forma de detectar precocemente as lesões que podem levar ao câncer do colo do útero. Mas ainda existem muitos desafios em relação ao exame no país, tanto em relação à assistência de saúde, quanto da falta de informação de muitas mulheres. Descobriu-se que 18% das mulheres nunca fizeram o exame e 13% fizeram apenas uma vez. Além disso, 40% das mulheres não acham que os exames preventivos de rotina podem servir como forma de prevenção à doença.[9] Dessa forma, a vacina será mais uma aliada na luta contra a doença, pois 56% das mulheres que são diagnosticadas com câncer de colo de útero no Brasil já estão na forma de doença invasiva, o estágio mais agressivo.[10]

A abstinência sexual pré-marital do casal e a fidelidade conjugal são as formas mais seguras de evitar HPV e outras doenças sexualmente transmissíveis, mesmo assim, a vacinação não deve ser vista como uma forma de incentivar ou endossar qualquer comportamento sexual de risco. Mesmo as meninas que fazem abstinência sexual até a vida conjugal correm risco de ser contaminadas pelo parceiro. Cerca de 80% das mulheres sexualmente ativas até os 50 anos serão infectadas por um ou mais tipos de HPV.[1] Portanto, a decisão dos pais em não vacinar deve ser ponderada, já que os riscos não são tão facilmente controlados. A instalação de um estado de temor geral e repulsa à vacina é muito prejudicial para a campanha, a qual poderá beneficiar muitas mulheres e reduzir muitas mortes pelo câncer.

(Pietro Melo da Silva, graduado em Biotecnologia pela Universidade Estadual Paulista, UNESP, e graduando em Medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Unirio; Giovani Manhabusqui Pacífico Júnior, graduando em Medicina pela Unirio)

Referências:
1. Inca.  “HPV e câncer - Perguntas mais frequentes.” Disponível aqui
2. Associação Brasileira de Patologia do Trato Inferior e Colposcopia. “Vacina contra HPV é aprovada para mulheres de todas as idades no Brasil.” Disponível aqui
3. LONGO, I et al. Medicina Interna de Harrison. 18ª edição. Porto Alegre: Mc Graw Hill, 2013.
4. Read, Tim R H. et al. “The near disappearance of genital warts in young women. Sex Transm Infect.” Disponível aqui
5. Vaers. “Frequently Asked Questions.” Disponível aqui. https://vaers.hhs.gov/about/faqs
6. Herper, M. “Here Is How We Know Gardasil Has Not Killed 100 People.” Forbes. Disponível aqui
7. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Human Papillomavirus (HPV) Vaccine. Disponível aqui
8. Vaers Database. Disponível aqui
10. Inca. “Tipos de Câncer – Colo do Útero.” Disponível aqui