sexta-feira, julho 11, 2014

A Europa põe abaixo seus templos

Consequência da secularização
Leslie Benzies é um escocês de 43 anos que ficou milionário desenvolvendo games, o mais famoso deles o GTA, famoso pela extrema violência. Dias atrás, Benzies se tornou o herói inusitado de um grupo de europeus que luta por uma causa distante do mundo dos videogames. Ele comprou a igreja de Santo Estêvão, em Edimburgo, que estava sem uso e seria transformada em um complexo de restaurantes, apesar dos apelos de organizações que trabalham pela preservação do patrimônio religioso. Restaurantes dentro de um local de oração construído no século 19? Alguns leitores podem entender que o prédio de uma igreja é apenas uma edificação, como qualquer outra. Mas, para algumas pessoas (entre as quais eu me incluo), é triste ver um lugar que foi por mais de 200 anos dedicado à vida espiritual ganhar um uso tão mundano.

O milionário Benzies salvou o prédio da Santo Estevão, que será mantida como um centro comunitário e espaço para atividades artísticas. Como se trata de um uso sem fins lucrativos, a manutenção está garantida enquanto Benzies tiver vontade de bancá-la.

Casos como o da igreja de Santo Estevão se espalham por toda a Europa, mas raramente têm esse final feliz. Com o declínio da frequência, muitos templos fecharam suas portas. Ainda que as congregações tentem mantê-los em pé, a falta de recursos para a manutenção leva à venda dos edifícios. Alguns ganham novos usos, como teatro, centro comercial, museus. Outros são demolidos.

O fenômeno não está ligado a uma só religião. Há templos ortodoxos de madeira abandonados na Polônia, sinagogas centenárias apodrecendo na Hungria (a comunidade judaica do país quase desapareceu durante o Holocausto), catedrais católicas sendo derrubadas na Bélgica e na França, capelas luteranas esquecidas em pequenas cidades alemãs, mesquitas precisando de restauro nos Bálcãs. A Holanda informou o papa Francisco, no fim do ano passado, que até 2025 mil templos católicos devem fechar por não terem mais demanda para missas, casamentos e batizados.

Um dos casos mais explícitos é o da Igreja Anglicana, que mingua a olhos vistos deixando um rastro de templos abandonados, especialmente na zona rural da Inglaterra. Em 2013, apenas 10% dos ingleses adultos declaravam ser membros de uma igreja – na grande maioria das vezes, a Anglicana. O porcentual só não é menor por causa dos imigrantes vindos de outros países cristãos, como romenos e poloneses, além de africanos das novas confissões pentecostais. Esse fenômeno migratório não altera a insegurança dos templos da Igreja Anglicana, que é formada basicamente pelos próprios ingleses e não está ganhando novos adeptos.

Tudo isso vem sendo registrado nos jornais europeus. O Cristianismo, responsável por erguer a maioria dos templos que estão sendo abandonados, faz parte do DNA da civilização europeia. De valores morais a fronteiras, tudo foi construído sob influência da religião que os europeus adotaram cedo, transformaram e espalharam pelo mundo. Se a secularização das mentalidades influencia o estilo de vida dos europeus, o desaparecimento dos templos em si deixa um vazio na paisagem.

O que será das cidades e campos do Velho Continente, que o mundo inteiro admira, sem os templos, sejam eles de que crença forem? Não serão abandonados para virar ruínas, como os antigos templos gregos. Na Europa, os terrenos são muito caros. Dessacralizados, os templos se tornam imóveis a serem demolidos ou reformados para um novo fim. A maioria deles não deve sobreviver à falta de fé ou de convicção que os esvaziou. E a rica Europa fica menos rica.

(Marleth Silva, Gazeta do Povo)

Nota: “Quando porém vier o Filho do homem, porventura achará fé na Terra?” (Lucas 18:8).