segunda-feira, agosto 11, 2014

O que Tony Palmer ainda pode nos ajudar a perceber

Amizade e interesses comuns
O funeral do bispo Tony Palmer, amigo do papa Francisco e elo entre o líder romano e líderes evangélicos norte-americanos, foi realizado na semana passada. Por estes dias, recebemos algumas novas informações sobre a vida e a ação dele que certamente vale a pena considerar. Quando, em 2006, Tony Palmer já era amigo do então cardeal Mario Bergoglio, este último apoiou um evento conjunto entre católicos e carismáticos em Buenos Aires, organizado por Palmer. Isso representou alguma mudança na posição de Bergoglio, que até então se mostrava muito reservado quanto a essas aproximações. Durante esse tempo, Palmer, casado com uma católica, sentiu o apelo para unir-se à Igreja de Roma, e informou Bergoglio das suas intenções. O então cardeal respondeu que ele não deveria fazer isso; deveria manter-se na comunhão anglicana da qual fazia parte, pois eram necessários construtores de pontes. Ou seja, Bergoglio entendeu que Palmer seria bem mais útil à realização dos objetivos assumidos mantendo-se na comunidade anglicana, enquanto agia para reaproximar as partes.

Nas conversas que ambos mantinham, costumavam comparar as separações no cristianismo ao apartheid na África do Sul, um regime que todos concordarão em não mais querer repetir. Desses tempos, Palmer confessou que o papa não queria torná-lo um rebelde, mas sim um reformador, uma palavra cuja escolha nos soa de forma um pouco perturbadora...

Mais recentemente, depois de Palmer ter aparecido na Convenção Carismática de Kenneth Copeland, foram os evangélicos americanos que tomaram a iniciativa de contatá-lo, pedindo para fazerem parte da delegação que iria a Roma encontrar-se com o papa! Quando Francisco soube do grande e ampliado interesse, ficou espantado e combinou com Tony Palmer o encontro.

Nesse encontro que organizou entre os líderes protestantes americanos e o papa, no dia 24 de junho, Palmer propôs a adoção de uma Declaração de Fé na Unidade para a Missão, que os evangélicos tinham esboçado (repare que, mais uma vez, os protestantes é que estendem os braços para o compromisso; nem sequer é Roma que sugere o tal documento conjunto!), com o objetivo de ser assinado pelos protestantes e o Vaticano em Roma, em 2017, assinalando o 500º aniversário da Reforma. Acredite ou não, para celebrar a Reforma Protestante, os protestantes querem formalizar o fim dela!

A proposta tinha três elementos essenciais: o credo de Niceia-Constantinopla, que católicos e evangélicos partilham; o essencial da declaração católico-luterana de 1999, com o acordo sobre a justificação pela fé; e uma declaração formal confirmando que católicos e evangélicos estão unidos na missão, baseados no mesmo evangelho. Convém relembrar que quanto a dois pontos críticos relacionados aos eventos finais da História – a santificação do domingo e a imortalidade da alma –, o protestantismo americano e Roma estão, de fato, baseados no mesmo “evangelho”.

Espantosamente, a proposta que Tony Palmer levava incluía uma seção final sobre liberdade de consciência. Seria muito interessante saber o que Roma diria dessa parte...

O papa recebeu o esboço e ficou de pensar na proposta, devendo o assunto ser novamente abordado num próximo reencontro com Palmer que, como sabemos, não voltou nem voltará a suceder.

Nas horas que Palmer passou no hospital após o acidente de que foi vítima, o próprio Francisco ligou para o hospital para se inteirar do estado de saúde dele, o que mostra a preocupação do papa com o que aconteceu ao seu amigo de longa data.

O funeral de Palmer decorreu com um cerimonial católico romano e não anglicano (o setor à qual pertence a comunhão oficial de Palmer), por ordem do papa Francisco (!), que também designou um bispo romano para oficiar a cerimônia.

Contudo, havia questões protocolares a serem resolvidas: (1) os clérigos anglicanos deveriam autorizar o cerimonial romano, o que ocorreu; (2) mais complicado, Palmer não poderia ser sepultado como um bispo católico, porque nunca foi investido como tal – isso foi resolvido com a intervenção do papa, que ordenou o sepultamento como um bispo romano!

E onde Palmer foi sepultado? Na Capela de Eyre, um local histórico e revestido de altíssima honra, onde estão sepultados muitos católicos que resistiram às tentativas de conversão por parte dos anglicanos após a separação destes de Roma! Impressionante, não lhe parece?!

Durante a cerimônia fúnebre, a viúva leu uma mensagem privada que Francisco enviou à família dizendo que ambos oraram várias vezes no mesmo espírito, e que Palmer tinha deixado um enorme legado com sua compaixão pela unidade cristã. Na mensagem, o papa terá dado a entender que o trabalho de Palmer continuará, algo que não nos pode surpreender.

Creio que isso tudo lança mais alguma luz sobre a relação do papa com o falecido Tony Palmer, enquanto ficamos com uma perspectiva bem clara com respeito a como continuarão os esforços de aproximação e união que Palmer tão bem vinha desempenhando.

(Fontes: “Pope’s Protestant friend dies, but push for unity lives”, artigo de Austen Ivereigh [autora de uma biografia do papa Francisco que será publicada em novembro de 2014], no Boston Globe; “A few thoughts from the Requiem Mass Celebrating the Life of Rt Rev Anthony Palmer”, testemunho de Michael Daly, um padre que assistiu ao funeral de Tony Palmer.)