quinta-feira, outubro 30, 2014

Nos passos dos pioneiros: Loma Linda e GRI

Centro Médico da LLU
Em nosso antepenúltimo dia de visitas a lugares históricos e instituições da Igreja Adventista do Sétimo Dia nos Estados Unidos, tivemos a satisfação de conhecer duas instituições muito significativas: a Universidade e o Hospital de Loma Linda e o Geoscience Research Institute (GRI), ambos localizados na Califórnia. A história da Universidade de Loma Linda (LLU) e do hospital tem início em 1905, quando John Burden e Ellen G. White estabeleceram o Sanatório de Loma Linda (Ellen recebeu orientação de Deus para que a igreja adquirisse a propriedade). 

Hoje a instituição tem mais de quatro mil alunos e está organizada em oito áreas de estudos: Profissões da Saúde, Odontologia, Medicina, Enfermagem, Farmácia, Saúde Pública, Religião e Ciências e Tecnologia. Além disso, mantém programas de pós-graduação, mestrado e doutorado. Estudantes de mais de 80 países e de praticamente todos os estados norte-americanos estudam na universidade, que também oferece educação à distância.

O Centro Médico da LLU atende mais de trinta mil pacientes por ano, que recebem tratamento no Hospital Infantil, no superavançado e reconhecido Centro de Tratamento com Prótons, no pioneiro Instituto de Transplantes e no Instituto Internacional do Coração.

Em julho deste ano, o Centro Médico da LLU foi classificado como o hospital número um, tanto no município de Riverside quanto no de San Bernardino, e seu programa de urologia ficou entre os cinquenta melhores dos Estados Unidos, segundo o US News & World Report. O Centro Médico também foi classificado como o 14˚ melhor da Califórnia e reconhecido por onze especialidade de alto desempenho.

Ao longo de mais de um século de trabalho, a LLU tem formado profissionais altamente qualificados e missionários que têm servido à igreja em várias partes do mundo. 

Dentro do campus, mas independente da LLU, está o Geoscience Research Institute (GRI), um instituto de pesquisas fundado em 1958 e mantido diretamente pela sede mundial da Igreja Adventista (a Associação Geral). Ali fomos recebidos pelo biólogo e paleontólogo Dr. Raul Esperante. Ele nos mostrou as dependências do instituto no qual trabalham cientistas que desenvolvem pesquisa de campo, apresentam palestras por todo o mundo e publicam artigos em revistas especializadas.

Para mim, esse foi outro momento especialmente significativo nesta viagem cultural. É muito bom ver que minha igreja investe em conhecimento e pesquisas de ponta. É muito bom constatar a seriedade com que ela lida com a religião e a ciência. É muito bom ver que essas duas facetas da realidade humana, quando corretamente compreendidas, estão em perfeita harmonia.

Michelson Borges

Sede do Geoscience Research Institute
Centro Médico da Universidade de Loma Linda
Dr. Raul Esperante explica sua pesquisa com baleias fósseis
Velociraptor na entrada do GRI

quarta-feira, outubro 29, 2014

Papa defende a Evolução e despreza o criacionismo

Tentando misturar o imiscível
O papa Francisco afirmou nesta segunda-feira (27), durante discurso na Pontifícia Academia de Ciências, que a teoria da evolução e o big bang são reais e criticou a interpretação das pessoas que leem o Gênesis, livro da Bíblia, achando que Deus “tenha agido como um mago, com uma varinha mágica capaz de criar todas as coisas”. Segundo ele, a criação do mundo “não é obra do caos, mas deriva de um princípio supremo que cria por amor”. “O big bang não contradiz a intervenção criadora, mas a exige”, disse o pontífice na inauguração de um busto de bronze em homenagem ao papa Emérito Bento XVI. O big bang é, segundo aceita a maior parte da comunidade científica, a explosão ocorrida há cerca de 13,8 bilhões de anos que deu origem à expansão do Universo. Já a teoria da evolução, iniciada pelo britânico Charles Darwin (1809-1882), que prega que os seres vivos não são imutáveis e se transformam de acordo com sua melhor adaptação ao meio ambiente, pela seleção natural. O papa acrescentou dizendo que a “evolução da natureza não é incompatível com a noção de criação, pois exige a criação de seres que evoluem”.

Ele criticou que quando as pessoas leem o livro do Gênesis, sobre como foi a origem do mundo, pensam que Deus tenha agido como um mago. “Mas não é assim”, explica.

Segundo Francisco, o homem foi criado com uma característica especial – a liberdade – e recebe a incumbência de proteger a criação, mas quando a liberdade se torna autonomia, destrói a criação e o homem assume o lugar do criador.

“Ao cientista, portanto, sobretudo ao cientista cristão, corresponde a atitude de interrogar-se sobre o futuro da humanidade e da Terra; de construir um mundo humano para todas as pessoas e não para um grupo ou uma classe de privilegiados”, concluiu o pontífice.


Nota: O papa, que já condenou o “fundamentalismo” daqueles que leem os primeiros capítulos da Bíblia de forma literal (confira aqui), volta e meia vem “alfinetando” os que creem na criação segundo a Bíblia. Esta é a primeira vez que, assim como fizeram Bento XVI e João Paulo II, Francisco defende abertamente a teoria da evolução. Com todo o respeito, ou ele não leu direito a Bíblia, ou não entende o evolucionismo. Dizer que ambos não se contradizem é promover um grande erro. Se a teoria da evolução estivesse correta, a morte seria elemento constitutivo da criação de Deus, uma vez que, até o surgimento do primeiro ser humano, outros milhões de organismos teriam morrido. Além disso, se a história dos primeiros capítulos do Gênesis não são literais, que sentido teria a morte de Cristo por um pecado que não ocorreu? Por que cargas d’água Jesus teria Se referido a Adão e Eva como personagens históricos (assim como fez também com Noé), comparando, inclusive, Sua vinda com os dias anteriores ao dilúvio? Que árvore da vida seria aquela prometida pelo Apocalipse aos salvos, se a correspondente árvore da vida do Gênesis fosse apenas um mito? Se o papa realmente crê no Deus todo-poderoso, por que não crer que Ele poderia ter criado a vida na Terra em seis dias? Faria diferença se Ele houvesse criado em seis horas ou seis segundos? Por que Ele dependeria do processo evolutivo? Por que depender de um processo que envolve sobrevivência dos mais fortes/aptos e morte de incontáveis indivíduos desfavorecidos pela seleção natural? Que Deus seria esse? Segundo a Bíblia, a morte é um inimigo que será finalmente destruído por Jesus, não um elemento constitutivo natural da criação. Quanto ao big bang, essa teoria não é unanimidade absoluta e foi inicialmente proposta por um padre. Há quem discorde dela em bases científicas. E se houver no futuro uma reviravolta cosmológica, como ficará a igreja? Será que a igreja católica não aprendeu nada com o erro de defender o aristotelismo geocentrista? O fato é que cada vez mais aumenta a polarização entre o criacionismo bíblico e o evolucionismo teísta defendido pelo papa e outros religiosos. [MB]

Leia também: "Mistura impossível"

terça-feira, outubro 28, 2014

Nos passos dos pioneiros: Ellen White

Elmshaven, em Santa Helena, CA
Segunda-feira, 27 de outubro. Foi impressionante a passagem pela famosa ponte Golden Gate, em San Francisco, e pelas vinhas de Napa Valley, mas nada se compara à emoção de entrar na casa em que Ellen White viveu os últimos anos de sua vida incrivelmente produtiva e inspiradora. A bela e bem conservada casa de madeira foi construída em 1885 por um homem muito rico que a usava nas férias. Na época, foram gastos 15 mil dólares na construção, mas Ellen pagou por ela apenas cinco mil. Ellen havia passado nove anos na Austrália e desejava encontrar um bom e barato lugar para morar. Ela orou a Deus e pediu que Ele mostrasse o melhor negócio. Foi então que encontrou a grande oportunidade em Santa Helena, na Califórnia. Detalhe: a casa estava toda mobiliada e tinha vários móveis com tampa de mármore branco, o preferido de Ellen. Deus havia lhe dado um presente, depois de uma vida inteira de tantas privações e lutas, como educadora, escritora, pregadora, líder e mensageira de Deus. 

Aliás, é bom lembrar que Ellen escreveu mais de cem mil páginas manuscritas, foi traduzida para mais de 140 idiomas e tem seu legado reconhecido até mesmo pelo governo dos Estados Unidos, tanto é que há uma placa na varanda inferior da casa em que se reconhece a residência como monumento histórico nacional.

No interior da casa que Ellen passou a chamar de Elmshaven (“refúgio dos olmeiros”), pode-se ter uma ideia da rotina de Ellen White e dos que moravam com ela. Na sala, eram realizados dois breves cultos por dia, um de manhã e outro à tarde. Eles cantavam, liam um texto bíblico e cada um dos presentes tomava parte nos momentos de oração. Na sexta-feira ao pôr do sol, o culto era mais longo, e Ellen lia partes do relato dos missionários além-mar. No sábado à noite, havia “pipocada”. 

Ellen utilizava o cômodo de cima para escrever, e sua secretária Sarah procurava evitar que visitas a atrapalhassem em sua missão. Mas os netinhos sabiam como “furar o bloqueio”: eles subiam sorrateiramente pela escada que chamavam de “passagem secreta”. Ellen e eles ficavam felizes por ter alguns momentos juntos.

Ellen costumava levantar às 3h ou às 4h para escrever. Em 1915, com 88 anos de idade, ela caiu, quebrou o quadril e seu estado de saúde foi piorando. Até que, em 16 de julho, ela faleceu, antes tendo feito seus amigos garantirem que venderiam a propriedade para ajudar a pagar a compra de duas instituições da igreja. O horário da morte de Ellen (3h40) foi registrado no momento exato por Sarah no relógio que havia sido de Uriah Smith e doado pela viúva dele. O relógio está lá até hoje marcando o mesmo horário. Ao filho ela disse as últimas palavras: “Eu sei em quem eu creio.” 

Em 1927, dois adventistas compraram a casa e a doaram para a igreja. Hoje ela recebe mais de sete mil visitas por ano e continua sendo um monumento mais do que histórico; é a marca de uma vida que causou profundo impacto no coração e na mente de tantas pessoas, efeito que continua se multiplicando por meio da dezena de livros que ela escreveu. 

No quarto em que Ellen costumava receber a visita de anjos (o que foi confirmado por pessoas que viviam no sanatório não muito longe dali e que viram uma luz intensa saindo pelas janelas do cômodo), fizemos uma oração dedicando nossa vida mais uma vez ao Deus a quem Ellen White serviu com tanta dedicação por mais de sete décadas. 

Michelson Borges

Conheça mais sobre a vida dessa mulher extraordinária lendo a minibiografia escrita pelo neto dela (clique aqui).





Ao lado da lareira está a pipoqueira

Bíblia utilizada nos dois cultos diários

Mesa de jantar com as cadeiras originais

Escritório de Ellen White, com sua cadeira original

O relógio de Urias Smith marca o momento da morte de Ellen

Durante uma visão, Ellen segurou uma Bíblia como essa por vários minutos

segunda-feira, outubro 27, 2014

Nos passos dos pioneiros: Isaac Newton

O dia anterior havia sido cheio de emoção e de reflexões espirituais. No dia 26/10, fizemos uma rápida visita ao centro de pesquisas da Universidade Andrews, antes de rumar para Chicago, de onde voaríamos para San Francisco, na Califórnia. Naquela manhã, tive o tremendo privilégio de ter nas mãos um manuscrito daquele que é considerado um dos maiores cientistas de todos os tempos: Isaac Newton. Para quem não sabe, Newton também foi um grande teólogo, tendo se ocupado no estudo das profecias de Daniel e Apocalipse. O livro que ele publicou sobre essas profecias é muito interessante e parece ter sido escrito por um adventista do sétimo dia. Newton defende o princípio dia-ano, a interpretação historicista das profecias, a autoridade divina das Escrituras, a volta de Jesus, entre outros assuntos. O livro foi publicado em 1723 e chega a antecipar algumas descobertas que Guilherme Miller faria independentemente, anos depois. 

Dentro do cofre climatizado que guarda também outras obras raras - como a Bíblia de Miller, manuscritos de Ellen White e livros que pertenceram à biblioteca de outros pioneiros da Igreja Adventista -, enquanto o Dr. Merlin Burt nos falava a respeito do manuscrito raro de Newton, tomei coragem e perguntei se poderia segurá-lo e observá-lo mais de perto. Ele concordou, e um amigo tirou a foto. Para mim, esse foi um dos momentos mais significativos desta viagem cultural. 


A despeito de algumas incongruências e contradições, Newton é um grande exemplo de compatibilização entre a fé e a ciência, e de quão longe pode ir uma mente, quando se aplica devidamente ao conhecimento da verdadeira ciência e da verdadeira teologia.

Michelson Borges

Nos passos dos pioneiros: Battle Creek

Casa de Tiago e Ellen White
No ano de 1852, José Bates teve um sonho em que navegava por um porto chamado Battle Creek. Entendeu ser a vontade de Deus que ele fosse para aquela cidade a oeste de onde morava. Quando chegou lá, foi até a agência dos correios e perguntou quem era o homem mais honesto da cidade. Indicaram-lhe David Hewitt, e Bates foi até a casa dele. Identificou-se, foi convidado para o desjejum e disse que tinha uma mensagem a apresentar para a família. Hewitt convidou Bates para dirigir o culto matinal, que acabou durando o dia todo. Resultado: a família se converteu e deu grande impulso à pregação adventista em Battle Creek. Inclusive foi Hewitt quem propôs o nome Adventista do Sétimo Dia para a igreja, numa reunião no primeiro dia de outubro de 1861. 

No quarto dia de nossa viagem cultural/denominacional nos Estados Unidos, passamos boa parte da tarde de sábado na Vila Adventista, onde está a casa em que o casal White morou de 1856 a 1863, e na qual ela escreveu o livro O Grande Conflito. Boa parte da casa e pelo menos a cadeira em que Ellen White escrevia ali são originais. Foi emocionante imaginar o dia a dia dos pioneiros. Ellen escrevendo nas madrugadas, Tiago se dirigindo cedinho de manhã para a editora e as crianças do casal estudando na pequena escola da comunidade, criada para prover educação cristã aos pequenos (aliás, a primeira escola adventista do mundo). Há réplicas de outras casas de pioneiros ali, como a da família Hewitt, e um museu dedicado às invenções impressionantes do Dr. John Kellogg. 

Falando em Kellogg, em Battle Creek está também o sanatório que ele passou a administrar em 1876 e reconstruiu em 1903, e que ainda hoje se trata de um edifício imponente. Bem perto do sanatório (hoje um prédio pertencente ao governo dos Estados Unidos), está um grande templo adventista no exato lugar onde ficava o famoso Tabernáculo Daime, símbolo da concentração adventista na cidade, aspecto que foi seriamente questionando por Ellen White, embora os advertistes insistissem em se manter concentrados ali. 

Detalhe impressionante e que encerra profundas lições: Kellogg se tornou muito egocêntrico e passou a se considerar dono da obra de saúde adventista, tomando uma série de decisões reprovadas por Deus. O primeiro sanatório pegou fogo. Os responsáveis pela editora adventista Review and Herald decidiram publicar o livro The Living Templo, de Kellogg, com conteúdo panteísta. A editora também pegou fogo. Os bombeiros disseram que a água lançada sobre as chamas parecia combustível (aliás, o corpo de bombeiros funciona até hoje no mesmo lugar). E o terceiro lugar que pegou fogo foi o Tabernáculo Dime. O que parecia uma tragédia se revelou uma bênção, pois, depois disso, os advertistas resolveram obedecer à voz de Deus e se espalharam pela nação e pelo mundo. 

No fim da tarde, quase no horário do pôr do sol, visitamos o cemitério Oak Hill, onde estão sepultados muitos dos pioneiros, entre os quais Tiago e Ellen White. Diante do túmulo deles, ouvimos a leitura do último parágrafo do livro O Grande Conflito, lido pelo colega e pastor Wellington Barbosa, com a voz embargada e os olhos marejados. Em seguida, fizemos uma oração em que cada um agradeceu a Deus alguma coisa. Agradeci o fato de a mensagem adventista ter alcançado minha esposa e a mim nos idos anos 1990, mostrando-nos um Jesus real e o caminho que Ele propõe; e agradeci também o privilégio de estar conhecendo lugares tão significativos na história da nossa igreja. Foi outro dos grandes momentos inspiradores e marcantes desta viagem.   

Naquele mesmo local estão sepultados os dois filhos de Tiago e Ellen, que faleceram em tenra idade: John Herbert e Henry, com 12 semanas e 16 anos, respectivamente. Quando estava prestes a morrer, acometido de tuberculose, Tiago pediu para ser enterrado em Oak Hill, a fim de, na volta de Jesus, ser ressuscitado ao lado do irmãozinho. Que fé!

Saímos em silêncio daquele lugar. De alguma forma, aqueles momentos passados ali mexeram com cada um de nós, levando-nos a profundas reflexões. Sentimentos que certamente nunca mais serão esquecidos. 

O sol já havia se posto quando nos dirigimos ao último local histórico que deveríamos visitar naquele dia: o cemitério de Otsego, onde se encontra o túmulo de Dudley Canright, morto em 1919. Pregador talentoso, assim como Kellogg ele se deixou contaminar pelo orgulho e acabou abandonando a fé adventista, tornando-se finalmente grande inimigo da igreja à qual havia servido. 

O sentimento diante daquela lápide era bem diverso do que havíamos sentido em Oak Hill. Lá a esperança vai além da morte. Isso é quase palpável. Em Otsego, a tumba de Canright nos deixa tristes e faz ver que não vale mesmo a pena combater a Deus e Sua igreja. Ali, diante daquela lápide, no meio de um cemitério escuro, o Dr. Aberto Timm conduziu uma reflexão e orou por nós e por nosso ministério.

Voltamos pensativos para o hotel em Benton Harbor, Michigan. A manhã seguinte nos reservava outras surpresas. E, para mim, uma oportunidade jamais imaginada!

Michelson Borges
Historic Adventist Village

Réplica da casa de Hewitt

Quarto de Ellen White

Cadeira original e mesa em que Ellen White escrevia

Réplica da primeira escola adventista

Interior da escola adventista de Battle Creek

Sepulturas e Tiago e Ellen White

Baú que pertenceu a John Andrews

Centro de pesquisas da Universidade Andrews

sábado, outubro 25, 2014

Nos passos dos pioneiros: ideias em conflito

Fazenda de Hiran Edson
Em nosso terceiro dia de viagem pelos lugares históricos da Igreja Adventista nos Estados Unidos (24/10), pudemos conhecer quatro locais importantes que revelam a efervescência ideológica e religiosa que teve lugar na região da Nova Inglaterra, no século 19: a comunidade de Oneida, o Monte Cumorah e as cidades de Hydesville e Port Gibson. De certa forma, esses quatro lugares separados por pouco mais de dez minutos de carro ilustram um conflito que vem sendo travado neste planeta há alguns milênios. A mentira original descrita no livro de Gênesis se refere ao estado do ser humano na morte. Deus foi muito claro em dizer que o pecado levaria o ser humano à morte, ao passo que o inimigo de Deus, valendo-se de uma serpente como médium, procurou contradizer as palavras do Criador dizendo que, independentemente do que fizessem, Adão e Eva não morreriam. O primeiro casal duvidou das palavras de Deus e acreditou no anjo caído, o que deu origem à história do pecado em nosso planeta. 

A Comunidade Oneida foi fundada em 1848 por John Humphrey Noyes, cujo objetivo era criar o “céu na Terra”. Noyes reuniu um grupo de homens e mulheres que passou a morar num casarão. Ele dizia ter alcançado a perfeição e que pecado era o egoísmo. Portanto, ter um cônjuge era manifestação desse egoísmo, o que levou a comunidade, embora religiosa, a adotar os múltiplos relacionamentos. Ninguém era de ninguém e todos eram de todos. As crianças oriundas desses relacionamentos sequer sabiam quem eram seus pais, e eram criadas pela comunidade. Algumas daquelas pessoas adotaram uma dieta vegetariana. Depois de alguns anos, a comunidade foi desfeita por líderes locais, que não puderam aceitar esse tipo de distorção religiosa e comportamental.

O monte Cumorah fica em Palmyra e é tido pelos membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mórmons) como o local em que o suposto profeta Joseph Smith teria, em 1831, recebido do “anjo” Moroni as placas de ouro das quais Smith teria copiado o conteúdo do Livro de Mórmom. Entramos no prédio bem cuidado e belamente decorado com quadros, displays luminosos e monitores com vídeos bem produzidos. Um senhor simpático vestido de terno e gravata nos recebeu e nos forneceu uma série de informações sobre a religião e a história dos mórmons. Eu já sabia que essa igreja acredita que as almas são imortais, geradas por um deus e uma deusa, e que eles praticam o batismo pelos mortos, sendo, portanto, espiritualistas. Quando perguntamos quem havia sido Moroni, aquele senhor nos explicou que o “anjo” tinha sido, na verdade, um ser humano ressuscitado, ou seja, um “espírito”. Smith, o profeta do mormonismo, teve uma história polêmica, foi polígamo, preso e morto por linchamento em 1844. 

A poucos minutos dali, está a pequena cidade de Hydesville. Nela, visitamos o discreto memorial que marca o começo do espiritismo moderno, em 1848, com as famosas batidas na casa da família Fox. A casa não mais existe. Foi destruída por um incêndio anos atrás, sobrando apenas a fundação de pedra por cima da qual foi construída uma casa de madeira, com amplas janelas de vidro. Há mais de cem anos, Ellen White revelou quem foi o verdadeiro autor daquelas batidas. E a placa em frente às ruínas da casa dos Fox confirma o que Ellen escreveu: aquela manifestação espiritual no século 19 marca o início da expansão do espiritismo no mundo. 

Por último, completando a programação do dia, visitamos, em Port Gibson, a fazenda que havia sido de Hiran Edson. Há uma pequena casa lá e uma réplica do celeiro dentro do qual alguns mileritas se reuniram para orar no dia 23 de outubro de 1844, um dia após o grande desapontamento. Edson saiu dali com um amigo com o objetivo de confortar outros mileritas tristes. Enquanto atravessava um milharal, Deus lhe concedeu a compreensão do que realmente havia acontecido no dia anterior: a profecia não anunciava a vinda de Jesus à Terra, mas, sim, Sua passagem do lugar santo para o lugar santíssimo do santuário celestial, dando início, assim, ao juízo investigativo. De certa forma, naquele dia em 1844, após a experiência amarga do desapontamento causado pela má compreensão do evento anunciado pelas profecias, nascia a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Assim como, depois do desapontamento da cruz causado pela má compreensão das profecias messiânicas, nasceu a igreja cristã.

Você prestou atenção à data dos eventos mencionados acima? Oneida: 1848. Encontro de Smith com o “anjo” Moroni e linchamento do “profeta”: 1831 e 1844. Batidas na casa das irmãs Fox: 1848. Seria apenas coincidência? Em 1844, Ellen White teve sua primeira visão profética. Em 1848, foram organizadas as principais conferências bíblicas dos adventistas do sétimo dia. Lamentavelmente, a emergência do movimento adventista - com sua missão de restaurar as verdades do santuário celestial, do sábado, da mortalidade humana, do estilo de vida saudável, do criacionismo - acabou sendo ofuscada em parte pelo “espetáculo paralelo” de movimentos religiosos “proféticos”, moralmente condenáveis, pregadores da imortalidade. Na mente de muitas pessoas, o adventismo certamente foi visto como mais um movimento exótico. No entanto, a partir daquele pequeno começo, a Igreja Adventista cresceu, se espalhou pelo mundo e vem cumprindo sua missão de proclamar a volta de Jesus.

De Port Gibson, rumamos para Benton Harbor, Michigan. Mais 1.226 km nos aguardavam.  

Michelson Borges
Mansão da Comunidade Oneida; hoje é um museu e hotel

Memorial no Monte Cumorah

Interior do memorial em honra a Joseph Smit

Placa reconhece local do surgimento do espiritismo moderno

Casa da família Fox, em Hydesville

Antiga propriedade do pioneiro Hiran Edson


sexta-feira, outubro 24, 2014

Nos passos dos pioneiros: José Bates

Capitão José Bates
José Bates (1792-1872) é considerado um dos três principais fundadores da Igreja Adventista do Sétimo Dia e um grande defensor da reforma de saúde. Como capitão de navio, ele viajou por várias partes do mundo, inclusive o Brasil. Homem culto e respeitado, Bates deu grande contribuição ao movimento adventista, com seus recursos financeiros, sua influência e muita dedicação. Em 1839, Bates aceitou a mensagem pregada por Guilherme Miller e tornou-se parte do grupo milerita. José Bates manteve sua fé depois do desapontamento de outubro de 1844. Estudou mais profundamente as Escrituras e se tornou um observador do sábado.

Em nossa viagem cultural/denominacional pelos Estados Unidos, ontem, quinta-feira, 23 de outubro, visitamos outros lugares muito significativos. Logo cedo, deixamos Rutland e fomos para Fairhaven, em Massachusetts, onde está localizada a casa original em que Bates passou a infância e a escola em que ele estudou (hoje museu). Depois, fomos para Bedford, e vimos as ruínas da ponte sobre a qual foi travado um diálogo entre Bates e um cidadão da cidade, que lhe perguntou: “Capitão Bates, quais são as novas?” E ele respondeu: “As novas são que o sábado é o dia do Senhor.” 

A vida desse pioneiro é realmente uma inspiração para aqueles que desejam levar a vida religiosa a sério e viver de modo digno e correto. Juntamente com Tiago e Ellen White, Bates imprimiu sua marca nos primórdios da história do adventismo e ajudou a sistematizar as doutrinas bíblicas da denominação.

Saímos de Bedford, viajamos mais 51 km e chegamos a Plymouth, onde conhecemos a pedra de 1620 e o navio Mayflower, monumentos que ajudam a recordar a chegada dos pais peregrinos aos Estados Unidos, evento que marcou o início da nação norte-americana. Em seguida, fomos para Portland, Maine, a 235 km de Plymouth. Ali pudemos ver o prédio da escola em que Ellen White estudou, o provável local em que ela levou a pedrada que mudou sua vida e o parque Deering Oakes, ao qual ela costumava ir para orar. 

Fomos também ao local em que ficava o auditório no qual Guilherme Miller pregou, na Rua Casco, tendo convertido algumas pessoas, dentre as quais Ellen Gould Harmon (depois White). A maneira como Ellen descreve essas reuniões é realmente tocante. A esperança da volta de Jesus deu novo sentido para a vida dela. Ellen passou a ter uma experiência ainda mais profunda com Deus e pediu para ser batizada por imersão, como orienta a Bíblia. Conhecemos também o local do batismo, na Baía de Casco. 

Demos uma rápida passada no farol de Cape Elizabeth (paisagem linda!) e percorremos mais 443 km até Latham, Nova York, onde descansamos para poder enfrentar a maratona de visitas do dia seguinte.

Michelson Borges

Casa de José Bates, em Fairhaven

Parte de um muro de 1660, atrás da casa de Bates

Casa construída em 1742 

Ponte sobre a qual Bates contou a "novidade" do sábado

Marco da chegada dos pais peregrinos

Réplica do Mayflower

Lucas, Walter, Wellington, André, Eduardo, Vinícius, Alberto e Michelson

Escola em que Ellen White estudou na infância

Deering Oakes Park

Local do auditório em que Miller pregou

Nos passos dos pioneiros: um verdadeiro bereano

Antes de se tornar o pai do movimento adventista na América do Norte, o batista Guilherme Miller foi deísta e debochava das crenças cristãs. Convocado para a guerra de 1812 contra os ingleses, ele presenciou situações que o fizeram questionar seu ceticismo, chegando mesmo a admitir se tratar de milagres o que havia visto. Quando voltou para casa, ouviu seus amigos céticos fazerem comentários depreciativos em relação à Bíblia, e ele encarou isso como um desafio: começaria a ler as Escrituras desde o Gênesis e só avançaria se todos os textos lhe fossem claros o suficiente. Contando unicamente com uma concordância, ele encarou o desafio e se dedicou a um estudo profundo da Palavra de Deus, ficando especialmente impressionado com as profecias de Daniel e Apocalipse.

Miller foi um verdadeiro bereano, aquele povo que Paulo elogiou por conferir todas as coisas nas Escrituras (At 17:11). Foi um cético sincero, daqueles que duvidam de tudo, até de si mesmos. E foi por duvidar que ele creu. Viu milagres inexplicáveis do ponto de vista humano e partiu em busca de respostas. Teve coragem de encarar seus preconceitos e mudar de ideia. Como um verdadeiro reformador do século 19, ele se rendeu ao chamado de Deus e pregou em diversos lugares uma mensagem capaz de despertar dezenas de milhares de pessoas da letargia religiosa em que viviam.

Foi um tremendo privilégio conhecer no dia 22/10/2014 a fazenda que pertenceu a Guilherme Miller, entrar na casa dele e sentar-me à mesa em que ele estudava a Bíblia. Fiquei imaginando os anjos de Deus naquele cômodo, ajudando o pesquisador sincero das Escrituras, e pedi que o Senhor me ajudasse a ser como aquele grande homem - um bereano moderno.

Michelson Borges