quarta-feira, junho 24, 2015

Para professor da UFRGS, criacionismo é crença infantil

Lugar comum e muito preconceito
Em entrevista concedida à RBS TV, o professor de pós-graduação Fernando Becker, da UFRGS, comentou a proposta da deputada Liziane Bayer de que se ensine criacionismo em escolas públicas (confira). Várias vezes deixei claro aqui que muitos criacionistas, incluindo os associados da Sociedade Criacionista Brasileira, entre os quais me incluo, discordam de propostas dessa natureza (confira). Mas a argumentação de Becker é por demais rasa e até injusta. Melhor seria terem convidado um criacionista esclarecido para explicar por que o criacionismo não deve ser ensinado em escolas públicas, e não apenas um professor cujas opiniões revelam desconhecimento das discussões sobre o tema. Mais um exemplo de mau jornalismo... Assista aqui e aqui aos vídeos. A seguir, quero pontuar algumas frases do professor.

Becker começa com o lugar comum de que criacionismo é religião e deve ser relegado ao seu “gueto”, digo, à igreja. Ainda que seja um fenômeno cultural, para Becker ele não deve sequer ser ensinado nas escolas. Ele diz que a “função da escola é trazer o conhecimento científico para a população”. Ok, mas instantes depois defende o ensino de uma teoria segundo a qual a vida teria surgido da não vida, há bilhões de anos, e se tornado mais e mais complexa ao longo do tempo. Becker omite o fato de que essa ideia pertence ao campo da filosofia (naturalismo filosófico), e não à ciência propriamente dita. O macroevolucionismo naturalista não pode ser submetido à investigação científica e, portanto, seguindo o argumento do professor, também não deveria ser ensinado em aulas de ciências.

Becker diz que falta tempo para ensinar tantos conteúdos e que, portanto, não haveria espaço para o criacionismo. Essa é boa! Becker é educador e deveria saber que a melhor forma de se aprender a pensar (e não apenas memorizar conteúdos) é analisando o contraditório. Em lugar de empurrar a teoria da evolução – com todas as suas insuficiências epistêmicas – goela abaixo dos alunos, por que não promover um ensino crítico da evolução? Aliás, por que não promover o ensino crítico da própria ciência, como estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em lugar de endeusá-la?

Apoiando o argumento de Becker, a entrevistadora diz que a ciência trabalha com evidências e o criacionismo, com fé. E reforça o lugar comum de que o assunto se trata da polarização entre ciência e religião. Isso é falso! Teoria da evolução não é sinônimo de ciência, tanto quanto criacionismo não é sinônimo de religião. A teoria da evolução conta com evidências científicas (pelo menos no que se refere à chamada “microevolução”), mas mistura um bocado de filosofia naturalista em seu modelo. O criacionismo tem também sua base teológico/filosófica, mas afirmar que o modelo não conta com evidências é desprezar as descobertas da biologia molecular e da bioquímica (que apontam para um design inteligente e para a complexidade irredutível) e da geologia catastrofista (que mostra evidências de um dilúvio e de uma coluna geológica não necessariamente tão antiga), por exemplo. Há muitos cientistas sérios discutindo essas evidências. Por que certos setores da mídia e certos professores insistem em ignorar isso? Deixando de lado o componente filosófico dos dois modelos (criacionista e evolucionista), é perfeitamente possível discutir/analisar as evidências apresentadas por ambos os lados. Dizer que a questão se resume a ciência versus religião é evitar o debate e blindar o evolucionismo.

O pior mesmo é Becker dizer que “a religião trabalha com o emocional e com a crença, a ciência trabalha com a razão e a evidência”. Que absurdo! Primeiro, porque cientistas não são máquinas. Eles possuem pressupostos, preconceitos, subjetividades, opiniões, cosmovisões, e isso tudo certamente interfere na forma como veem as coisas. Seria bom Becker estudar um pouco Thomas Kuhn. Segundo, porque teólogos estudam, sim, evidências e usam e muito a razão e ferramentas científicas. Dediquei cinco anos a um mestrado em que estudei hermenêutica, ciência e religião, sociologia, arqueologia bíblica, antropologia e outras disciplinas. Mestrado em quê? Teologia. Becker deve estar pensando em certas religiões emocionalistas que não dão valor ao estudo acadêmico, e mais uma vez cai no lugar comum.

O professor cita o encantamento de Einstein com o fato de o Universo ser inteligível e, sem querer, dá um tiro no pé, colocando em cheque sua defesa do naturalismo. Essa é uma grande questão. Como explicar o fato de que nosso cérebro, nosso intelecto consegue entender o Universo, a realidade que nos cerca? Se somos apenas um ajuntamento fortuito de moléculas, por que devo aceitar as conclusões desse cérebro simiesco a respeito? Por que devo crer que a massa cinzenta de átomos e moléculas que compõem o cérebro de Becker está fazendo uma análise correta do assunto sobre o qual está discorrendo?

Para o docente, não há como conciliar ciência e religião. Mas ele deveria dizer isso para Galileu, Copérnico, Kepler, Newton, Pascal, Pasteur, Collins e tantos outros. O que ele deveria ter dito é: não se pode conciliar o naturalismo filosófico ateísta com a cosmovisão bíblico-criacionista. Aí estaria coberto de razão.

Mais uma pérola beckeriana: “A biologia fala que a vida apareceu neste planeta há três e meio bilhões de anos.” Não, a biologia não diz nada sobre isso. Os biólogos se ocupam da vida e só podem estudar a vida que eles têm ao alcance dos olhos, das mãos, do microscópio. Quem afirma que a vida “apareceu” (abracadabra!) neste planeta são os evolucionistas e sua teoria. Novamente Becker confunde um modelo hipotético com uma área da ciência empírica.

E o professor universitário termina “apoteoticamente” sua entrevista com uma frase de efeito, afirmando que os que os que defendem o criacionismo são “adultos professando crenças infantis”.

Essa entrevista quase desastrosa e totalmente parcial ajudou a firmar minha convicção de que o criacionismo não deve mesmo ser ensinado em escolas públicas. E um dos motivos que me convencem disso é o risco de que ele seja ensinado por professores como Becker.

Michelson Borges